A engorda da praia de Ponta Negra, obra considerada solução para contenção do avanço do mar em um dos cartões-postais mais visitados da capital potiguar, vai sair do papel. O que acabou se transformando em um imbróglio jurídico chegou ao fim após o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema), responsável pela concessão da licença ambiental que autoriza o início dos serviços, admitir ter sido pressionado pela Justiça.
Em coletiva de imprensa, já no final da tarde desta terça-feira (23), o diretor-geral do Idema, Werner Farkatt, afirmou que o órgão emitiu a licença “sob ordem judicial”, que “o ambiente técnico foi contaminado”, que “usaram toda sorte de artimanhas para forçar a liberação desta licença”, e que “o futuro vai dizer quem estava com a razão”.
“Existe um impacto profundo em toda a biologia, geologia, correntes marinhas e vida socioeconômica da cidade. Natal é, e sempre será, uma cidade diferente das demais, onde ocorreram obras de engorda realizadas pelo Brasil. Por isso, esta obra também é diferente. Dito isso, quero que lembrem do seguinte: o futuro vai dizer quem estava com a razão hoje! O corpo técnico formado por doutores, mestres e especialistas, que nos últimos dias estão sendo agredidos e desrespeitados por quem entende que tudo pode ser resolvido no grito, não se deixa levar pela força que não é oculta. Essa força tem cara, tem voz e função pública. Até a sexta-feira, estávamos caminhando para a conclusão do processo, discutindo diretamente com a equipe técnica contratada pela Prefeitura de Natal. Infelizmente, o ambiente técnico foi contaminado e usaram toda sorte de artimanhas para forçar a liberação desta licença. Estamos emitindo a licença sob ordem judicial, o que estava prestes a ocorrer sem a necessidade dessa determinação.
Dissemos isso, inclusive, na sexta-feira. A licença já deveria sair esta semana com algumas condicionantes que são praxes do processo, e outras com respostas a serem dadas pela Prefeitura até que tivéssemos segurança total para a realização da obra. A Prefeitura induziu o juiz a um erro que será provado nos autos, e fez com que nosso corpo técnico emitisse o relatório reunindo todas as questões que trazem insegurança à execução da obra. Esse documento nos resguarda e mostra a fragilidade de muitos aspectos. Mas é importante salientar: essas são condicionantes. A prefeitura de Natal não está livre para fazer essa obra de qualquer maneira. Temos confiança que a equipe técnica contratada pela Prefeitura também tem total compromisso com o futuro de Natal, e que vai conseguir nos dar, não apenas ao IDEMA, mas à sociedade especialmente, a garantia de que essa obra acontecerá da forma mais segura possível. Jamais nos afastamos do entendimento quanto à importância desta obra para o estado e para Natal”, disse Werner.
Condicionantes
A concessão do documento que autoriza o início das obras da engorda ocorre após 41 dias de debates com a Prefeitura de Natal. A licença, que possui validade de 10 anos e apresenta mais de 80 condicionantes, foi assinada por Werner Farkatt e por vários técnicos do órgão.
As condicionantes dizem respeito ao processo de drenagem e questões socioambientais, como a obrigação da Prefeitura em incluir nos projetos executivos a implantação de estruturas de acessibilidade nas áreas de influência do projeto, relatórios mensais e bimestrais sobre protocolos de andamento da obra, monitoramento e execução do Plano de Resíduos Sólidos, monitoramentos de fauna e apresentação de alternativas de mitigação dos impactos locais dos grupos diretamente afetados.
Outra condicionante é a apresentação, em até 20 dias, do relatório conclusivo da “Consulta Livre, Prévia e Informada” realizada com as comunidades tradicionais presentes na área do empreendimento: pescadores artesanais e rendeiras.
Além disso, a Prefeitura de Natal ganhou mais tempo para apresentar outras informações, como 30 dias para juntar dados sobre a fauna que vive na área de onde será retirada a areia para a engorda de Ponta Negra.
Enfatiza-se também que, caso problemas ambientais surjam em decorrência da obra, a Prefeitura e a empresa que executará o serviço possuem a responsabilidade de solucioná-los. “O empreendedor fica ciente de que, caso o projeto de drenagem de águas pluviais do empreendimento apresentado ao IDEMA venha no futuro a acarretar danos ambientais para os locais e áreas do entorno, deverá este ser modificado no sentido de solucionar os problemas porventura verificados”.
Sentenças judiciais
A liberação da licença veio após duas decisões do juiz Geraldo Antonio da Mota, titular da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal. Na primeira sentença do juiz Geraldo Mota, proferida na semana passada, dia 19, o magistrado deferiu pedido de liminar feito pela Prefeitura de Natal e determinou imediata expedição da licença de instalação e operação da obra da engorda da praia de Ponta Negra ou indicação das razões de não a conceder, sob pena de aplicação de medidas legais”. Em sua decisão, ele relatou que a exigência feita pelo IDEMA, quanto à conclusão de um procedimento de consulta livre, prévia e informada com a comunidade tradicional de Ponta Negra, seria abusiva e ilegal, bem como iria ocasionar severos prejuízos ao cumprimento do cronograma da obra. “Ao exame dos autos, em especial do documento ID 26413209, é possível verificar que o IDEMA emitiu licença prévia para execução da obra de engorda da praia de Ponta Negra, reconhecendo a viabilidade ambiental solicitada pelo ente público municipal, tendo elencado determinadas condicionantes a serem atendidas pelo Município de Natal. Dentre tais condicionantes elencadas na referida licença prévia, não observo, entretanto, qualquer tipo de menção à necessidade de realização de consulta livre, prévia e informada as comunidades presentes na área do empreendimento, na forma exigida pelo IDEMA. Desse modo, não considero razoável por parte da autarquia estadual ambiental inovar nos critérios anteriormente fixados, para criar exigências de maior complexidade nessa fase do processo, tendo em vista que o ente público municipal e o órgão de apoio técnico contratado se prepararam para o atendimento dos quesitos fixados na licença prévia”.
E acrescentou o magistrado: “Ante ao exposto, defiro o pedido de medida liminar para que a autoridade coatora proceda com a imediata expedição da licença de instalação e operação da obra da engorda da praia de Ponta Negra referenciada pela Licença Prévia nº 2017-114769/TEC/LP-0141, dado o longo prazo transcorrido para resposta ou, fundamentadamente, indique as razões de não a conceder, pena de aplicação de medidas legais e análise, pelo órgão competente, acerca da probidade, ou não, na demora de se atuar, como dever institucional”.
Como o IDEMA não havia cumprido a decisão, o juiz voltou a conceder medida liminar, fato ocorrido nesta terça (23), desta vez cobrando o cumprimento da decisão anterior e estipulando multa e caso de descumprimento. Decidiu o magistrado: “Intime-se o Diretor Geral do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte, por mandado, para que, no prazo de 05 (cinco) dias, comprove a satisfação da medida liminar proferida por este juízo, sob pena de multa diária e pessoal pelo descumprimento, cujo valor arbitro em R$ 2.000,00 (dois mil reais), sem prejuízo da cominação de outras medidas legais coercitivas, bem como da remessa da cópia dos autos ao Ministério Público, para apuração de prática de eventual ato improbidade administrativa por parte do gestor renitente”.
Defesa costeira
Somando-se todas as etapas das obras de defesa costeira promovidas pela Prefeitura de Natal na praia de Ponta Negra, os serviços irão custar mais de R$ 108 milhões. Deste total, mais de R$ 73 milhões serão só para a engorda. A estimativa é do Ministério do Desenvolvimento Regional.
Serão realizados o complemento do enrocamento feito ao longo da orla, alteração da drenagem e a engorda da praia.
Enrocamento
Em uma obra anterior, foram colocados 19 mil blocos de concreto entre a altura do hotel Serhs, na Via Costeira, até o início do calçadão de Ponta Negra, onde já existe uma proteção até a altura do Morro do Careca. Em 2014 foram instalados 2 quilômetros de pedras para proteção do Calçadão, que enfrentou um longo processo de erosão e avanço do mar.
Drenagem
O objetivo é alterar a drenagem no local para reduzir a força das águas pluviais que chegam à praia e, assim, minimizar a erosão costeira. Antes do enrocamento, um estudo realizado pelo Departamento de Oceanografia e Limnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte identificou 22 ligações clandestinas de esgoto.
Engorda
A engorda de Ponta Negra será feita com a retirada de 1 milhão de metros cúbicos de areia do mar, na altura da praia de Areia Preta. Toda esta areia será colocada ao longo de 4 quilômetros de praia em Ponta Negra. Com isso, a estimativa é alargar a faixa de areia nas praias de Ponta Negra e Via Costeira em até 100 metros na maré baixa e 50 metros na maré alta.