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BOMBEIRO DO RN RELATA DESESPERO NO RS

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“Em nenhum momento sentimos vontade de ir embora. Pelo contrário, o desejo era de ficar lá e poder ajudar ainda mais”. As palavras são do sargento Wagno Braga, de 50 anos, um dos onze bombeiros militares do Rio Grande do Norte enviados para auxiliar as vítimas das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul. O grupo passou 10 dias viajando e outros 10 atuando em operações de buscas e resgates.

Dados mais recentes, divulgados pelo governo gaúcho, revelam que quase 2,4 milhões de pessoas foram afetadas em 476 municípios. Deste total, quase 600 mil pessoas ficaram desalojadas, 172 morreram, mais de 800 ficaram feridas e pelo menos 44 ainda estão desaparecidas. Mais de 77 mil pessoas e pelo menos 12 mil animais foram resgatados com vida.

Braga tem bastante experiência em buscas. São 27 anos de profissão. Boa parte deles atuando no canil da corporação, em Natal, como condutor de cães farejadores. No Corpo de Bombeiros, os animais são especialistas em encontrar pessoas desaparecidas, estejam elas vivas ou não. Em fevereiro de 2022, Braga e a cadela Lia, da raça pastor-belga, participaram das operações em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. Enchentes e deslizamentos de terra mataram 235 pessoas. Três meses depois, ele e Lia trabalharam em Pernambuco, onde as chuvas também causaram enchentes. A tragédia deixou 133 mortos. “Assim como aconteceu nas duas missões anteriores, a nossa luta no Rio Grande do Sul, infelizmente, foi para localizar corpos. A Lia conseguiu apontar pelo menos três locais onde estavam corpos soterrados pela lama”, disse ele, emocionado, em entrevista exclusiva ao Diário do RN.

O sargento revelou que o treinamento dos cães do Corpo de Bombeiros Militar, por serem especialistas em localizar pessoas desaparecidas, é feito com carne humana, restos mortais de pessoas de verdade. Os pedaços de carne são doados por instituições de saúde, devidamente autorizadas pela Justiça. O processo é necessário, ainda segundo o militar, em razão de a carne humana possuir odores bem característicos, que não são encontrados em carnes de animais. “É tanto que os nossos cães, quando estão em busca pelos terrenos, muitas vezes eles cruzam pelos corpos de animais mortos e eles nem se manifestam. Os cães só apontam para os locais onde eles realmente farejam a carne humana, mesmo que ela ainda fresca, poucas horas após a morte, ou já em avançado estado de putrefação”, explicou Braga.

Cenário de guerra
Parte do grupo enviado ao Rio Grande do Sul ficou na cidade de Pelotas. E para o município de Lajeado, a pouco mais de 110 quilômetros de Porto Alegre, foi o grupo do canil, formado por Braga, Lia, outros três militares e mais um cão. “Chegamos em meio a um cenário de guerra, de terra devastada, sem nenhuma casa de pé. Muito triste. Nossa atividade começava bem cedo, às 7h, e só terminava no finalzinho da tarde. Enquanto dava para enxergar, trabalhávamos. Pouco víamos a luz do Sol. Chovia quase o tempo todo. Muita água mesmo. Muitas famílias em situação de total desespero, alojadas em barracas na beira das estradas”, recorda.

Momento mais emocionante
O sargento lembra também de um momento especial, que segundo ele foi o mais emocionante. “Foi uma família, em um barraco. Mesmo no meio de todo aquele caos, daquela destruição, pai e mãe cantavam parabéns para o filho deles, uma criança pequenininha que estava aniversariando.

Aquilo nos animou, no passou uma mensagem de esperança, de que é possível reconstruir tudo”.

“Em outro momento, também nos chamou a atenção a quantidade de mato, de vegetação, de galhos agarrados na fiação dos postes. Aquilo nos mostrou como a água do rio subiu, e em que altura a enchente passou. Muito alto. Quem não morreu afogado deve ter morrido das pancadas que levou dos entulhos que a enxurrada levou. Muitos móveis, objetos, restos de construção, veículos, telhas, tijolos, pedras enormes, tudo espalhado por todo canto”, acrescentou.

Medo
Além do impacto com o cenário de terra devastada e arrasada pela força das águas, Braga disse que também sentiu medo. “Medo de doenças, de afundar na lama. Eu olhava pra Lia e via que ela também me olhava assustada, um pouco insegura, temendo pisar e andar sobre um terreno instável. Mas, seguimos em frente e cumprimos nossa missão. Realizamos nosso trabalho”.

Recordação
Mas, não foram apenas o sentimento de aflição, angústia, medo ou o de dever cumprido que o sargento Braga trouxe de volta para casa. “Também sentimos muito calor humano, carinhos das pessoas. É incrível o reconhecimento e o sentimento de gratidão do povo gaúcho. Recebemos várias demonstrações de afeto. Em cada quentinha de almoço que ganhávamos, na tampa sempre tinha um recado, um desenho de coração ou uma cartinha. Com nossas refeições, vinham junto cartinhas com mensagens de incentivo, e isso nos deu muita força”, concluiu.


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