Em depoimento ao MPRN, ex-secretário municipal detalha como ocorriam as combinações e ilegalidades na PMN

Na reta final da campanha eleitoral deste ano, o Diário do RN teve acesso a um trecho do termo de colaboração assinado pelo ex-secretário municipal de Serviços Urbanos (Semsur), Jerônimo Câmara de Melo, ao Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN), referente à Operação Cidade Luz, que apura o desvio de R$ 22 milhões na pasta. Procurado pela reportagem, Jerônimo – que teve, junto com o filho Daniel Melo, os acordos de delação homologados pela Justiça em 2018 – confirmou a veracidade do depoimento.
Conforme o documento, o ex-secretário revelou que o ex-prefeito de Natal Carlos Eduardo Alves (PDT) sabia da realização de esquemas de fraudes de licitação e contratos suspeitos durante a gestão de Raniere Barbosa (Avante), que hoje é vereador de Natal, na pasta. Jerônimo afirmou ter sido apresentado a Raniere Barbosa por Carlos Eduardo ao procurá-lo para oferecer os serviços de sua empresa Pontual ao município, em 2013.
Na ocasião, o então prefeito pediu que o vereador, na época titular da Semsur, o “adotasse, para que tivessem uma relação de negócios, uma vez que este era muito amigo de sua família”. E que, a partir dessa aproximação, teve conhecimento de como eram realizados os procedimentos na pasta.
“Raniere Barbosa afirmava, frequentemente, antes da realização dos procedimentos licitatórios, que determinada empresa ganharia a licitação. Sempre os vencedores eram escolhidos antes das licitações e que conversou várias vezes com os proprietários das empresas vencedoras, antes mesmo da sua realização. Carlos Eduardo tinha total conhecimento da prática e acompanhava tudo. As empresas eram vinculadas a Raniere e, depois de um tempo, o prefeito passou a não gostar destas. Neste momento, chegou a empresa Lançar, vinculada ao prefeito”, afirmou.
Jerônimo disse que, neste momento, foi apresentado por Raniere Barbosa ao representante da empresa Enertec, Jorge Cavalcante, e soube que faria o evento de Natal na Capital, junto com a Enertec e Servlight, antes mesmo de ser feita a licitação. Ele detalhou o encontro com Jorge Cavalcante no Hotel Vila do Mar, na Via Costeira.
“(Eu) disse que o contrato deveria ser assinado, mas Jorge argumentou que não poderia assinar porque a licitação ainda não tinha ocorrido. Eu não tinha dinheiro e Jorge disse que não era problema, pois compraria o material, e acertariam depois que o contrato fosse assinado”, disse ele, lembrando que tem as notas fiscais dos materiais adquiridos, mas que ficou sem receber o equivalente a R$ 300 mil.
Em outro trecho da delação, Jerônimo relatou que, “Raniere justificou a falta de pagamento pela execução de itens que não estavam licitados e que pagaria quando fizesse o aditivo contratual ou que pagaria o restante no Carnaval ou na Copa do Mundo”, completando que a empresa Enertec sempre ganhava as licitações, incluindo a da Copa, quando a empresa de Jerônimo ficou com uma parte referente a R$ 1,5 milhão. No entanto, mais uma vez, executou o serviço antes da licitação e ficou sem receber R$ 500 mil pelos serviços. Esse teria sido um dos motivos pelo rompimento entre Raniere e Carlos Eduardo.
Ele disse ainda que a empresa de Jorge era “acostumada a fazer os serviços antes mesmo do processo licitatório e que sempre colocava os valores somente no final do contrato porque Raniere Barbosa fazia pedidos que não constavam no cronograma inicial, resultando em diversos aditivos”.
Carlos Eduardo teria dito que não mostrasse documentos ao MP
Para receber os R$ 500 mil, Jerônimo afirmou ao MP que procurou Carlos Eduardo e que este se comprometeu a resolver a situação e também pediu voto para seu pai, Agnelo Alves, que concorria a deputado estadual. Após a saída de Raniere Barbosa da Semsur, em 2015, ele afirmou que elaborou documento com informações sobre fraudes em uma licitação e levou até o então prefeito, que o orientou sobre como proceder.
“Voltei ao gabinete de Carlos Eduardo e ele me disse que entregasse a documentação na Controladoria, mas que não comunicasse o fato ao MPRN. Depois, me chamou e disse que a documentação iria gerar um problema sério ao governo, que esquecesse a representação e também resolveria para ele tivesse uma participação em um serviço. No gabinete de Carlos Eduardo, fui apresentado a José Haroldo, amigo de infância do então prefeito e seu testa de ferro, responsável por organizar as empresas e recrutar a Lançar”.
Jerônimo disse ainda ao MPRN que “em 2016, foi ao gabinete de Carlos Eduardo pedir emprego e foi convidado a assumir a Semsur, pois esta seria uma forma de resolver a situação financeira dele, mas não estava se referindo ao salário de secretário, mas sim aos valores referentes aos serviços anteriores. E que, quando foi convidado, o município tinha uma dívida de R$ 760 mil e que Carlos disse que não era para sobrar pedra sobre pedra, no sentido de tirar as pessoas de confiança de Raniere da Semsur”, finalizou ele, em depoimento ao MPRN.
Estimativa do MP é que R$ 22 milhões tenham sido desviados no esquema
De acordo com o MPRN, os R$ 22 milhões são decorrentes de superfaturamento e pagamento de propina relativos a contratos firmados entre empresas e a Semsur para a prestação de serviços de manutenção e decoração do parque de iluminação pública de Natal. Dados da Controladoria Geral do Município demonstram que, entre 2013 e 2017, oito empresas sediadas em Pernambuco foram beneficiárias de pagamentos no montante de mais de R$ 73,4 milhões de contratos com a Semsur. A estimativa é de que o superfaturamento médio foi de 30% no valor dos contratos celebrados.
A investigação da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Natal e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), desvendou que os empresários monopolizaram os contratos de serviços de iluminação pública da Semsur (pelo menos desde o ano de 2013) até 2017, mediante controle de mercado, corrupção de agentes públicos, peculato, lavagem de capitais e fraudes nas licitações e contratações diretas. Para o MPRN, eles integram o “núcleo empresarial” da organização.