Floriano Bezerra de Araújo, ex-líder sindical, três vezes deputado estadual do Rio Grande do Norte, cassado, preso político nove vezes, torturado nos porões da ditadura militar, morreu aos 96 anos. Na madrugada do último sábado (26), com insuficiência respiratória, não resistiu e partiu.
Foram 15 dias internado no hospital Rio Grande, em Natal.
“Floriano foi um líder sindical e político que dedicou sua vida à defesa dos direitos dos trabalhadores e à justiça social. O Poder Legislativo, em nome dos 24 deputados estaduais, do presidente Ezequiel Ferreira se solidariza com os familiares e amigos pelo momento de dor e luto.
Descanse em paz, Floriano Bezerra”, manifestou-se a Assembleia Legislativa do RN, em nota.
Na Coleção Memória das Lutas Populares no RN, o advogado Renan Ribeiro de Araújo, um dos filhos de Floriano, conta um pouco da trajetória do pai. Ele relata:
Floriano Bezerra de Araújo nasceu no mundo rural do Vale do Açu, cresceu em sítios e fazendas das terras de Carapebas/Afonso Bezerra e do município de Macau. Foi camponês, caçador, vaqueiro, pescador, peixeiro, bagrinho de caiação de navios, camelô de guloseimas, pequeno comerciante e vendedor de jogo do bicho. Também foi trabalhador do balaio nas salinas, burocrata na indústria salineira e servidor da Previdência Social no Rio de Janeiro. De volta ao solo potiguar, tornou-se presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Extração do Sal de Macau. Respeitado e admirado pelos trabalhadores urbanos, não se acomodou e fundou os primeiros sindicatos de trabalhadores rurais e as Ligas Camponesas no Estado do RN, participando com bravura ativista do organizado movimento camponês do Nordeste brasileiro.
Deputado estadual em três legislaturas, com o epíteto de ‘deputado cabeleira’, Floriano foi pulmão do povo, das massas trabalhistas.
Dirigente sindical respeitado no Brasil sob a égide da Constituição Federal de 1946, participou dos grandes congressos dos trabalhadores brasileiros em Recife e no Rio de Janeiro, centro das decisões políticas da República. Ficou conhecido e admirado por Samuel Wainer e Odylo Costa – editores dos jornais cariocas “Última Hora” e “O Semanário”, respectivamente. Em 1954, nas Rocas, Natal, como orador do movimento sindical do RN, presente grande multidão, em discurso veemente, Floriano recebeu o Ministro do Trabalho, Dr. João Goulart, vindo de Belém do Pará.
Com pujança moral e política, em três oportunidades, Floriano pediu audiência e foi recebido em despacho pelo Dr. João Goulart, o Jango, já Presidente da República do Brasil. Em 1964 foi cassado político por 18 anos. Esteve preso no IV Exército em Recife (PE), na DI-7 em Natal; na Ilha de Fernando de Noronha, no Regimento de Obuses em Santos Reis, Natal e na 2ª Companhia de Polícia de Macau. A ditadura civil-militar o prendeu 9 vezes. Numa delas, 84 homens em 11 viaturas do Exército Brasileiro foram prendê-lo em Macau e o encarceraram no Regimento de Obuses em Santos Reis, Natal.
Protagonista de todas essas lutas, exilado em Macau, Floriano Bezerra foi autodidata até 1971, quando fez “ginásio madureza” e técnico em contabilidade.
Fato é que hoje, mais do que nunca, os brasileiros e brasileiras clamam por mais democracia e direitos sociais, políticos, econômicos e culturais, o que prova que a luta de Floriano segue vivíssima e altamente necessária na atualidade.
“O farol da liberdade”
“Falar de Floriano para mim é falar de um pai exemplar, um bom esposo, um amigo fiel, um lutador incansável em defesa dos fracos e oprimidos, dos menos favorecidos. Floriano sempre em sua vida defendeu os mais fracos, com a sua bravura. Com a sua espada simbólica a enfrentar os poderosos em conquista de direitos sociais de uma cidade justa para um povo justo, para assistir a um povo justo e igualitário. Floriano, essa semente que ficou plantada para que as novas gerações possam lutar bravamente como ele, por essa sociedade justa e igualitária, onde todos têm o direito à educação, à saúde, à habitação, ao lazer, a uma vida digna. Este é o comandante Floriano Bezerra de Araújo, o timoneiro que levou esse trem da liberdade para em luta dos mais jovens trabalhadores das salinas de Macau, da juventude e todos que o cercavam. Floriano era um homem simples, mas muito firme nas suas convicções. Floriano não morreu. Floriano vive.
Floriano é o farol da liberdade”, escreveu Rosenberg Ribeiro de Araújo, também filho de Floriano.
“Conselheiro, generoso, combativo, idealista, atencioso e abnegado”
Sobrinho de Floriano, o professor Wasghinton Araújo, que mora em Brasília, também prestou sua homenagem. Aos parentes e amigos, ele enviou um vídeo, repleto de imagens de momentos em família. Parte da mensagem, segue reproduzida abaixo:
“Tio Floriano parte desse mundo e leva consigo seu mais precioso bem: a sua integridade. Quem o conheceu haverá de sempre reconhecer nos semelhantes muitos de seus traços marcantes e sua personalidade altiva e luminosa. Resoluto, ele era decidido em tudo o que fazia. Era guiado por uma bússola moral e ética inigualável e que nunca o deixava na mão. É muito comum que as pessoas aproveitem o triste momento da partida desse mundo para exaltar qualidades do novo viajante. Mas, no caso de Floriano Bezerra de Araújo, essa tarefa é muito simples e tão natural quanto o ato de respirar, de andar, de pensar, de sonhar. Ele foi um monumento entre nós.
Inspirou em sua tão produtiva vida todos da sua família. E mais, inspirou também várias gerações de macauenses libertários.
Na esfera familiar, personificou o Floriano conselheiro. Na esfera da cidadania, foi o Floriano dos desertados da terra”. Na esfera humana, foi o Floriano generoso, abnegado, aquele a quem todos recorreriam em momentos de dificuldades. Para meu saudoso avô, o prefeito de Macau, Venâncio Zacarias de Araújo, ele foi o filho combativo, o filho idealista. Para meu pai, Adonias, foi o irmão atencioso, profundamente amigo. Para minha avó, Dona Querubina, foi o filho de sua mãe. Para Quinquinha, foi o grande amor de sua vida. Para seus filhos, foi e para sempre será o ideal humano a ser seguido, o ídolo maior. Memória de dias felizes junto a um pai sempre amoroso e sempre prestativo. Para os netos e netas foi o avô referência, o avô exemplar, o avô que personificava a autoridade e a bondade. Para os bisnetos e bisnetas, ficará o Floriano da memória, igual personagem saído dos livros de ação”.
“Um líder protagonista”
Professor e historiador, João Maria Fraga conhecia bem a trajetória e o que Floriano representou para as causas do trabalhador potiguar. “Falar de Floriano é fazer referência a um tema muito interessante e necessário de ser compreendido, que é a insalubridade e a precariedade do trabalho realizado nas salinas tradicionais não mecanizadas. Estabelecer uma relação entre essas condições sub-humanas e o protagonismo de centenas de trabalhadores que organizadamente passaram a estabelecer uma pauta de reivindicação e, através da sua organização, por meio de um sindicato, lutar pelos seus direitos que eram negados. É exatamente nesse contexto que nasce a liderança e o protagonismo de Floriano Bezerra de Araújo”, destacou.
Ainda de acordo com o professor, “esses trabalhadores eram, sobretudo, oriundos da região periférica da cidade de Macau e das cidades vizinhas, como a Assú, Pendências, Pedro Avelino, etc. Eram, em geral, agricultores decorrentes da seca que encontravam nas Salinas uma forma de garantir o seu sustento e o da sua família. Tudo isso colaborou, decisivamente, para a existência de inúmeros trabalhadores que se submetiam a essas condições precárias de trabalho. Esses trabalhadores começavam desde cedo e, geralmente, acompanhavam o ofício que já era realizado pelos seus pais. Desde a adolescência, eles, se inseriam nesse trabalho insalubre e desumano e começava a trabalhar com 14, 15, 16 anos, carregando balaios carregados de sal. Essas condições precárias culminaram com a criação de um sindicato, e uma das denúncias realizadas pelo sindicato era exatamente essa exploração desumana do trabalho de crianças e adolescentes nas salinas”, explicou.
“São inúmeros relatos de trabalhadores que se inseriram no mundo do trabalho, ainda na infância e adolescência. Esses depoimentos, inclusive, narrados em vários livros, como, por exemplo, o livro “Tecedores de Sonhos ao Luar”, que é exatamente o título do livro que foi escrito por mim, pela professora Maria da Conceição Fraga e Fábio Pereira. Na realidade, o livro tem relatos de salineiros como Francisco Barbalho, conhecido por Tichico, e ou então um ex-fiscal do sindicato, o ex-vereador de Macau, Antônio Chagas, que relata exatamente essa exploração de adolescentes no trabalho das salinas, e também, o árduo trabalho que era realizado por essas pessoas na extração do sal”, relembrou João Maria Fraga.
“E por que eu estou descrevendo esse cenário de extrema precariedade no trabalho? Porque esse cenário é o cenário que vai produzir exatamente a liderança de homens como Venâncio Zacarias, pai de Floriano, que é quem vai dar início à organização dos trabalhadores, em associação, e posteriormente transformar a associação em um sindicato. Sindicato esse que foi dirigido por Venâncio e que posteriormente foi dirigido por Floriano”, acrescentou.
“Floriano ainda teve uma importante participação na luta pela anistia, na luta por uma Assembleia Nacional Constituinte, por eleições diretas e por uma Constituição no Brasil. Floriano participou durante o processo de redemocratização da abertura política ativamente na construção do PDT. Ele, inclusive, foi um dos fundadores do PDT, junto com Leonel Brizola, aqui no Rio Grande do Norte. Depois também teve militância no Partido dos Trabalhadores”, concluiu o historiador.