Autor: José Bezerra Marinho

Já havia chamado minha atenção, já faz alguns anos, o oferecimento de uma Agencia de Viagens, “SEMANA SANTA EM LAS VEGAS”. Isso mesmo que você leu.
Depois, a coisa piorou: “A melhor SEMANA SANTA do Brasil: O Rappa, Aviões do Forró, Jorge e Mateus, e Henrique e Juliano, Wesley Safadão, na Praia da Pipa”.
Será preciso ainda continuar falando sobre a completa perda do significado da Semana Santa nestes tempos? Para muitos autodeclarados cristãos, a Semana Santa – Mistério da Paixão, Morte e Ressureição de Jesus Cristo, fundamento e centro da fé cristã-, resume-se a um Feriadão com Safadão.
Vamos aqui ao começo de tudo. Ou se preferem ao timeline.
Faz vinte séculos, da Cruz partiu um terrível grito:
Tenho sede!
Porque o Filho de Deus precisava ter sede?
Por que Deus entregou seu Filho à morte na cruz? Ele que tudo pode, por que não nos salvou sem que seu Filho sofresse? Quem de nós não perdoaria um devedor para que um filho não fosse morto sob tortura? Por que o Pai não atendeu ao apelo, tão maravilhosamente humano, e afastou dele o cálice?
E poderia ser de outro modo?
É o que nos responde com outra pergunta João Paulo II, que prossegue:
Deus além de ser Onipotência, é Sabedoria e – vamos repeti-lo mais uma vez -, Amor. Deseja por assim dizendo justificar-se diante da história da humanidade. Não é o Absoluto que está fora do mundo, e ao qual, portanto é indiferente o sofrimento humano. É o Emanoel, o Deus-conosco, um Deus que compartilha a sorte do homem e participa do seu destino (…)
O escândalo da cruz é para sempre a chave de interpretação do grande mistério do sofrimento, que pertence de modo quase orgânico à história da humanidade. Deus fica ao lado do homem. E o faz plenamente.
É impossível ter-se atualmente uma ideia do que representava, para além do tormento físico, a humilhação da morte de cruz.
Essa impossibilidade decorre da mais radical mudança do significado de um signo que se tem notícia em toda a história.
Quando abrimos os olhos para o mundo, já dois mil anos haviam se passado com a humanidade reconhecendo, ou sabendo ser reconhecida, a cruz como um símbolo do amor de Deus aos homens, símbolo de salvação e, principalmente, de vitória sobre a morte.
É impossível alcançarmos toda a dimensão da tragédia, da vergonha, do escândalo, do Deus-Homem sofrer “morte de cruz”.
E é exatamente por isto que é imperioso que nos aproximemos da cruz, é necessário aceitarmos e assumirmos esse monumental paradoxo, pois é impossível ser cristão sem viver a fundamental mudança que significa “perder para ganhar”, “morrer para viver”, “sofrer para gozar”, “renunciar a ter para ser”, “amar os inimigos”.
Essas contradições, absolutamente revolucionárias, causam tanto escândalo hoje, como há vinte séculos.
Aí o cerne do grande desafio.
O amor a Deus impõe o gesto que o torne concreto. Deus não é um narcisista carente que nos criou apenas para ter quem O amasse, O adorasse, e gritasse que O ama.
Somos, frutos do amor que nele transborda, como elucida Tomas de Aquino.
Fomos, portanto, criados para sermos felizes. A plenitude do amor, foi nossa destinação primeira.
Ao quebrar-se a harmonia original foi inaugurado o sofrimento, a injustiça, a desigualdade, a exclusão, a dor.
De imediato, Deus prometeu restaurar aquele vínculo.
Em seu Filho, Jesus Cristo, cumpre sua promessa.
E aí, literalmente, a história muda.
Somos chamados a segui-lo e isto não é fácil!
Isto nos obriga a fazer concreto o Amor a Deus, vendo-o e amando-o em todos seus filhos e nossos irmãos, sobretudo nos pobres.
E tem mais, amando-os como o próprio Cristo nos amou.
O amor que Deus nos pede é o amor-serviço aos irmãos.
Isto implica que eu me liberte da mediocridade do meu egoísmo. Que supere e me afaste daquilo que a Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no Mundo Atual – Gaudium et Spes – chama de “materialismo prático.” (GS nº10)
Claro que isto não é fácil. Aliás, é dificílimo. Mas quem foi aí que falou que fomos chamados para facilidades?
Seguir a Cristo é tomar nossa cruz todos os dias.
Sabemos que somente por Jesus Cristo podemos chegar a Deus. Cumpre a cada cristão tornar verdade hoje a Sua Paixão, Morte e Ressureição.
Esse processo de atualização da Redenção é muitas vezes confundido com a penaque sentimos do outro.
Pena?
Não, não é por aí…
Cristo não teve pena de ninguém!
Cristo foi solidário, o que é muito diferente. Cristo teve, tem e terá por toda a eternidade amor a todas as mulheres e a todos os homens, a quem conhece pelo nome. (Is 45,3)
O sentimento de pena me coloca fora da vida do outro e agradeço a Deus por me poupar daquele sofrimento.
Quando eu sou solidário, não. Aí eu sinto que minha vida depende da vida do outro e a dele da minha.
Quando sou solidário, tenho compaixão, que é exatamente a participação espiritual na infelicidade alheia. Partilho e compartilho, vivo em comunhão.
Em uma palavra, aliás, duas: Solidariedade é Compromisso.
E compromisso é, por definição, diferente de ter pena e doar algumas sobras. De cuidarmos de diminuir nosso complexo de culpa, na tentativa de usar os pobres como instrumentos da nossa salvação.
Isto não significa que não devamos cuidar de atender as urgências, não nos exime do compromisso de buscar garantir “o pão de cada dia” a todos que têm fome.
Nada disso. O que ocorre é uma radical mudança repito, na substância, na natureza do meu comportamento.
Já praticamente sem condições de respirar, na agonia final, num estertor, Jesus diz: Tenho sede.
O que estamos dando a Ele para beber?
*José B Marinho, é Diretor Executivo da MARINHO CONSULTORES ASSOCIADOS LTDA. bezerramarinhojr@gmail.com