Relato foi feito por outros servidores demitidos. Foram 242 chefes de famílias postos na rua sem direito à indenização

O primeiro ato do então prefeito Carlos Eduardo Alves (PDT), quando assumiu a Prefeitura de Natal em janeiro de 2017, foi demitir 242 servidores que integravam o quadro de funcionários da empresa há mais de 30 anos. Os demitidos afirmam que foram pegos de surpresa pela decisão do pedetista, alguns sem a mínima estruturação financeira para dar continuidade ao sustento das suas famílias. “Foi um ato totalmente arbitrário, criminoso e irresponsável. Alguns morreram pouco depois de tristeza, outros caíram em depressão profunda, uns não conseguiram se recuperar financeiramente e ainda hoje têm dificuldades para sustentar suas famílias”, afirmou o presidente da Associação de Aposentados e Pensionistas da Urbana, Walter Medeiros, em entrevista exclusiva ao Diário do RN, nesta segunda-feira (19).
“Foram 242 famílias que sofreram essa barbárie, alguns não suportaram o forte golpe e faleceram pouco depois, como caso de Isaías e Miguel, colegas muito queridos e que não aguentaram todas as mazelas que suas famílias sofreram depois da demissão em massa de 2017, fican- do sem sustento financeiro e sofrem até hoje, porque eles eram chefes, arrimos de família. É uma situação muito triste e revoltante, não tiveram a mínima responsabilidade, cuidado e preocupação com o que aconteceria com essas pessoas e suas famílias”, desabafou Walter.
Ele citou os casos de Isaías e Miguel, ex-funcionários da Urbana que faleceram pouco tempo depois da demissão em massa, vitimados por problemas de saúde que se agravaram após o ato do então prefeito de Natal e atual candidato ao Senado Federal, Carlos Eduardo Alves (PDT). E relembra que as famílias das vítimas sofrem até hoje com os danos causados, como ele próprio, que revelou viver um “ciclo infernal” de empréstimos e renovação de empréstimos, para conseguir pagar suas contas básicas de casa, como água, energia elétrica e até mesmo sua alimentação.
“É um pesadelo que não tem fim, sobrevivo de fazer e renovar empréstimos, um atrás do outro, porque não tenho nenhuma fonte de sustento. Eu recebo, mensalmente, R$1,6 mil, que só consigo pagar o plano de saúde, que não posso ficar sem porque tenho 64 anos e preciso cuidar o mínimo da minha saúde e o restante, para arcar com aluguel. Fico sem dinheiro para comer e para pagar contas básicas. Preciso recorrer a empréstimos, não tem jeito”, afirmou.
Walter afirmou que no dia citado, “quando cheguei para trabalhar, fui comunicado que estava demitido. Minha vida financeira entrou em um ciclo sem fim de empréstimos e renovação de empréstimos, com cartões de crédito cancelados, bancos e instituições financeiras ligando 24h por dia para cobranças e falta de recursos para pagamento de contas simples, como alimentação, água e energia elétrica”, exemplificou o ex-chefe do Setor de Fiscalização da autarquia, presidente da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) e gestor de contratos, que estava na Urbana desde abril de 1982.
Ato de Carlos: “abominável, desumano, bárbaro”
Kerginaldo Freire hoje sustenta sua família graças aos trabalhos esporádicos que consegue como pintor, mas até o dia 31 de dezembro de 2016, era fiscal de balança no antigo Lixão de Cidade Nova (atual Aterro Sanitário de Natal), função que exercia há quase 30 anos e que lhe dava uma renda fixa em torno de R$ 3 mil, na época. “Foram esses bicos e a ajuda de familiares e amigos que eu e minha família, incluindo minha filha de cinco anos, na época, conseguimos nos manter com um mínimo de dignidade”, afirmou.
Ele relatou que Carlos Eduardo não teve a menor consideração com nenhuma das 242 pessoas demitidas e suas famílias, muitas sustentadas unicamente com o dinheiro que elas recebiam na Urbana. E classificou o ato administrativo do então prefeito como algo “abominável, desumano, bárbaro”, porque, segundo ele, destruiu muitas famílias de uma hora para a outra, já que muitas sobreviviam exclusivamente com o dinheiro que os demitidos recebiam do seu vínculo de trabalho na Urbana.
“Não entrei na justiça porque acreditei, como a maioria, que o prefeito iria pagar os nossos direitos, o que não aconteceu até agora. Hoje, sobrevivo de bicos como pintor no meu bairro. Na época, alegaram que a Urbana passava por dificuldades financeiras, mas não é verdade porque o menor salário hoje pago lá dentro é R$16 mil, mas sabemos que tem gente que recebe mais de R$30 mil”, desabafou.
“Foi uma coisa desumana o que Carlos Eduardo fez”
Outra “vítima” da demissão em massa promovida pelo ex-prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves, na Urbana em 2017, foi a jornalista e colunista social Liege Barbalho, que relatou o sofrimento e angústia que sofreu e que ela considera ilegal e humilhante. “Ele não pensou no que fez, nas consequências de seus atos para todos os chefes de famílias que ele atingiu de uma vez só. Muitos não conseguiram prover o sustento de suas famílias. Não pagou nenhuma indenização até hoje, nem para os que fizeram acordo, nem os que acionaram a Justiça contra essa arbitrariedade”, disse.
E desabafou: “Foi uma coisa desumana o que Carlos Eduardo fez. Mães e pais de família que trabalharam a vida inteira e foram descartados como lixo, humilhados, assediados moralmente com essa situação toda. Teve gente demitida que não suportou o baque, faleceu de tristeza, depressão, problemas do coração, uma situação triste demais. Minha vida mudou da água para o vinho. Minha vida financeira sofreu uma queda drástica. A sorte é que sempre fui muito organizada, mas, ainda assim, para quem tinha a vida estruturada como eu, sofreu, imagine quem não tinha, os danos que sofreu na condição financeira de sua família, seu sustento, sua dignidade”.
Ela contou que, na época, estava construindo sua residência, que planejou por muitos anos, com o esposo e seus filhos. Para isso, pagava os custos das obras todo à vista, ansiando que o imóvel ficasse pronto logo, até o momento em que foi demitida e, diante da queda brusca de rendimentos fixos, teve que suspender a construção. Relembrou o caso de um conhecido que tinha um filho com Autismo, mas que faleceu há cerca de quatro anos, deixando o filho desamparado e sua situação financeira, que após um período “triste”, conseguiu melhorar após retornar ao mercado de trabalho.
“Ganhava muito bem, trabalhava na Urbana desde 1981, onde comecei aos 17 anos, e não esperava jamais uma barbaridade dessas que Carlos Eduardo fez, sem a menor consideração, respeito, compaixão. Hoje, minha casa está inacabada e tenho que morar de aluguel. Minha sorte é que tinha minha profissão de jornalista, retomei meu trabalho na área e consegui empregos e pude retomar parte do meu padrão de vida antigo. Mas, luto na justiça pelos meus direitos e não vou desistir até que tudo seja resolvido”, afirmou Liege.