
O silêncio tomou conta das articulações políticas no Rio Grande do Norte após o depoimento e a prisão em flagrante do potiguar Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, presidente da Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), durante a CPMI do INSS, nesta segunda-feira (3). O ex-candidato a deputado federal, liberado horas depois mediante pagamento de fiança, foi acusado pelo relator da comissão, Alfredo Gaspar (União Brasil-AL), de mentir sob juramento durante questionamentos a respeito dos roubos aos aposentados através da Confederação. Segundo apontou o relator da CPMI, Abraão comanda um esquema que teria usado recursos desviados do INSS para financiar campanhas eleitorais em municípios potiguares, citando, inclusive, Porto do Mangue.
Até então, Abraão Lincoln vinha sendo cortejado por lideranças de diferentes partidos interessados em sua força e possibilidade de estrutura eleitoral, além do trânsito político pelo interior do Estado. No início do ano e ao longo de 2025 ele participava de conversas com o ex-deputado estadual Kelps Lima (Solidariedade), o ex-prefeito de Natal Carlos Eduardo Alves (PSD), a ex-prefeita Micarla de Sousa e o ex-deputado federal Rafael Motta, na busca de articular uma nominata competitiva para as eleições proporcionais de 2026.
No entanto, desde o depoimento e a prisão de Abraão Lincoln, os mesmos políticos que vinham mantendo diálogo e afinando entendimentos com ele agora optaram pelo silêncio. Nenhum dos nomes citados se pronunciou publicamente sobre o caso ou sobre a continuidade das conversas políticas, sinalizando um distanciamento cauteloso diante da repercussão nacional.
Apesar disso, a influência de Abraão Lincoln nas articulações eleitorais pode permanecer.
Conhecido pela ampla rede de contatos em prefeituras e pela capacidade de mobilizar lideranças ligadas ao setor pesqueiro, ele segue sendo um nome estratégico para compor nominatas e oferecer estrutura política, e financeira, a grupos em formação.
As investigações e o episódio da CPMI não impedem a atuação política e a candidatura de Lincoln, conforme informou ao Diário do RN o advogado e especialista em Direito Eleitoral Victor Hugo Soares. “Para que haja impedimento eleitoral, seria necessário que ele já tivesse uma condenação criminal com trânsito em julgado, o que não é o caso”, explicou.
O episódio, contudo, escancara uma contradição recorrente na política potiguar: figuras investigadas continuam exercendo peso decisivo nas composições eleitorais, mesmo após situações de desgaste público. Assim, enquanto o silêncio se impõe entre aliados, Abraão Lincoln pode se manter com influência intacta e seu nome ainda presente nas conversas de bastidor, como parceiro estratégico.
Abraão pode ser indiciado por falso testemunho
O presidente da Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), o potiguar Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, poderá ser indiciado por falso testemunho após ser preso em flagrante durante depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS, que apura fraudes em benefícios previdenciários, e liberado mediante pagamento de fiança. O caso gira em torno de supostos roubos cometidos por entidades que descontam mensalidades diretamente dos benefícios de aposentados e pensionistas.
A prisão foi determinada na madrugada desta terça-feira (4) pelo presidente da CPMI, senador Carlos Viana (Podemos-MG), a pedido do relator deputado Alfredo Gaspar (União Brasil-AL). O parlamentar acusou Lincoln de ter mentido reiteradas vezes ao colegiado, caracterizando o “crime impróprio de falso testemunho”, conforme a Lei nº 1.579/52, que regula as Comissões Parlamentares de Inquérito.
Entre as contradições apontadas, o relator destacou que Abraão Lincoln omitiu sua relação pessoal com o tesoureiro da CBPA, Gabriel Negreiros, afirmando inicialmente que o vínculo era apenas “institucional”.
No mês de maio, reportagem do Diário do RN, trouxe informações sobre a ligação entre Lincoln e Negreiros, apontado como braço direito do presidente da Confederação. Os dois são investigados pela Polícia Federal sobre as fraudes no INSS.
Apesar da prisão em flagrante, Lincoln foi liberado horas depois mediante pagamento de fiança arbitrada pela Polícia do Senado. O especialista em Direito Eleitoral e Processual Penal Victor Hugo Soares avaliou a medida como equivocada. Segundo ele, a prisão desrespeitou o habeas corpus preventivo concedido pelo ministro Alexandre de Moraes, que assegurava ao depoente o direito de permanecer em silêncio e não ser preso por suas declarações.
O jurista esclarece que, a partir de agora, o inquérito policial sobre o possível crime de falso testemunho ficará sob responsabilidade da Polícia Federal, já que se trata de matéria de competência federal. Após a conclusão, o Ministério Público Federal decidirá se oferece ou não denúncia criminal.
“A Polícia do Senado lavrou o flagrante, mas quem conduz o inquérito é a PF. Se o crime for comprovado, Abraão Lincoln pode ser indiciado, e o Ministério Público decidirá se entra com ação penal”, afirmou o especialista.
Paralelamente, o relatório final da CPMI, sem prazo exato, deverá encaminhar as conclusões ao Ministério Público e à Justiça Federal, recomendando responsabilização civil e criminal dos envolvidos nas supostas fraudes na Previdência.
Apesar da repercussão do caso e do histórico de processos anteriores, Abraão Lincoln não está inelegível neste momento. “Para que haja impedimento eleitoral, seria necessário que ele já tivesse uma condenação criminal com trânsito em julgado, o que não é o caso”, esclareceu Soares.