Com a sua declaração corajosa e tranquila, o governador do Rio Grande do Sul passa a ser conhecido nacionalmente, tira uma bandeira da esquerda e pode ser a terceira via
É admirável que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, tenha assumido ser gay no programa de televisão Conversa com Bial. A homossexualidade tem de deixar de ser um tabu também na política, em especial nos Poderes Executivo e Judiciário. No Legislativo, continua a ser objeto de certa hipocrisia, mas há parlamentares que já declaram a sua orientação sexual sem receio de ser discriminados.
De certa forma, o segredo era de Polichinelo. Ainda assim, a autodeclaração de Eduardo Leite foi ato de coragem que merece ser aplaudido. Quando um expoente de qualquer área assume ser gay, o estigma se enfraquece de modo a beneficiar os cidadãos anônimos que ainda padecem com o preconceito e violência dele decorrentes. O exemplo de Eduardo Leite deveria estimular a que outras pessoas de renome, nos diferentes campos, saíssem do armário. Não há nada mais triste do que observar homens e mulheres proeminentes que ainda tentam esconder a sua condição — não só ao público em geral, mas como à própria família. É causa de dor não só para elas próprias, mas para os seus próximos.
O que gostaria de ressaltar aqui é que, ao assumir ser gay, Eduardo Leite criou um fato político. Possível candidato a presidente da República pelo PSDB, o governador do Rio Grande do Sul, com a sua revelação, atrai em primeiro lugar a atenção de milhões de eleitores. Se ele era nome que permanecia relativamente desconhecido, já não o é mais. Basta ver a repercussão que a sua fala no programa de televisão teve no Brasil inteiro. Ele domina os comentários nas redes sociais e os veículos de comunicação repercutem positivamente a sua coragem e tranquilidade ao abordar a sua própria sexualidade. Tornar-se conhecido, obviamente, é uma grande passo para se tornar competitivo.
O segundo ponto importante é que o fato de se declarar gay cria simpatia que se espalha em círculos concêntricos a partir da comunidade de cidadãos que têm orientação sexual diversa. Boa parte dos jovens heterossexuais passará a admirá-lo e a identificar-se com ele. Afinal de contas, com apenas 36 anos, Eduardo Leite é também um jovem que espelha uma geração livre das amarras de valores retrógrados. Essa juventude, acredito, poderá angariar votos entre os mais velhos que começam a verificar o quanto os seus preconceitos são desprovidos de qualquer sentido.
Há ainda um fato relevante: o fato de ser gay assumido torna Eduardo Leite capaz de superar bloqueios no eleitorado autodenominado progressista. A esquerda já não terá mais a exclusividade da bandeira com as cores do arco-íris. Eduardo Leite poderá contar, acredito, com muitos cabos eleitorais no meio artístico e intelectual. Além disso, será mais difícil fazer ataques pessoais, especialidade do PT e adjacências, a um governador que teve a coragem de assumir-se homossexual. O desnorteio nas hostes petistas e auxiliares com a perda do “monopólio” já está evidente nas redes sociais, que tentam contrapor Jean Wyllys a Eduardo Leite, afirmando que o primado da coragem é o do ex-deputado. O próprio Wyllys não se conteve, ao afirmar no Twitter: “Quando se é branco, rico e soldado da plutocracia e do neoliberalismo que ‘não tolera’ a homofobia porque LGBTQ viraram nicho de mercado rentável, fica fácil ‘assumir-se’ gay (ainda que se negando) e catalizar a solidariedade acrítica dos cúmplices e ingênuos”. Sujeito atormentado, esse Willys.
Mesmo entre o eleitorado mais conservador, Eduardo Leite poderá conquistar eleitores, como já o fez quando se elegeu governador do Rio Grande do Sul, um estado de grande peso na federação. Ele tem se mostrado um administrador responsável, amigo da livre-iniciativa e com um discurso racional em relação à pandemia. O fato de ser gay assumido não ofusca a competência mostrada até o momento. Pelo contrário, mostra a quem ainda imaginava que assim não fosse que sexualidade e capacidade administrativa e honradez não têm vasos comunicantes.
Dentro do PSDB, uma eventual candidatura de Eduardo Leite representaria uma lufada de ar num partido carcomido por caciques envelhecidos na idade e nos métodos e que tem em João Doria uma figura muito antipática entre os eleitores. Ele, que já contava com o apoio dos adversários do governador paulista, como Aécio Neves, verá aumentada a sua base nas prévias que escolherão o candidato tucano ao Planalto. Se o país procura um antípoda ao sociopata Jair Bolsonaro, fora da polarização com Lula, cacique da esquerda com ficha criminal extensa, Eduardo Leite tem a chance de se apresentar como boa opção.
O governador gaúcho demonstrou ser corajoso e bom de cálculo político ao sair do armário, embora não estivesse propriamente dentro dele — e o cálculo, aqui, é elogiável, não deve ser visto como demonstração de oportunismo. Se é para se lançar candidato ao Planalto, que a sua sexualidade seja explora positivamente por ele, não negativamente por gente indecente. A sua frase a Pedro Bial é emblemática nesse sentido:
“Eu nunca falei sobre um assunto que eu quero trazer pra ti no programa, que tem a ver com a minha vida privada e que não era um assunto até aqui porque se deveria debater mais o que a gente pode fazer na política, e não exatamente o que a gente é ou deixa de ser. Eu sou um governador gay e não um gay governador, tanto quanto Obama nos Estados Unidos não foi um negro presidente, foi um presidente negro. E tenho orgulho disso.”
A comparação com Barack Obama lhe foi muito adequada e feliz. Como o ex-presidente americano, ele pertence a uma minoria vítima de preconceito, mas não precisa ser visto como tal. E assim como Obama, ele deve ser enxergado como uma figura de centro-esquerda, que constitui o âmago ideológico do eleitorado tucano, mas igualmente capaz de cativar eleitores de ambos os lados do espectro político que estão fora dos extremos.
Eu diria que, ao assumir-se gay, Eduardo Leite posiciona-se de maneira bastante efetiva para ser a terceira via.
Fonte: O Antagonista.