Por Marcelo Alves Dias de Souza, Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
O que falar de diferente sobre Dante Alighieri (1265-1321) e a sua “Divina Comédia”?
Sabemos que essa obra monumental – intitulada originalmente apenas de “Comédia”, mas rebatizada como “Divina” por Giovanni Boccaccio – é composta de uma introdução e de três partes principais, Inferno, Purgatório e Paraíso. Cada uma dessas três partes é constituída por trinta e três cantos, de pouco mais de uma centena de versos decassílabos cada um, apresentados (metrados) em terceto (estrofes de três versos).
Na minha edição da “Divina Comédia” (Martin Claret, 2015) consta: “A Divina Comédia é uma das obras poéticas fundamentais da literatura mundial. Seu impacto sobre os contemporâneos de Dante foi enorme e quase imediato. Já no século XIV criavam-se em toda a Itália cátedras especiais para interpretar seu conteúdo alegórico. A posteridade só confirmou sua grandeza. Dante começou a escrevê-la em 1308 e trabalhou nela até pouco antes de sua morte. Nela, o trágico não constitui elemento essencial, e a língua e o estilo empregados são simples e naturais. Acompanhado por Virgílio, o poeta percorre o Inferno, o Purgatório e o Paraíso”. E Dante, claro, vai ao encontro da amada Beatriz.
Dante é considerado, em razão da “Comédia” e de seus outros textos, como o fundador da língua italiana. E acho que, noves fora a Bíblia e Shakespeare, nenhum outro autor ou obra é tão badalado e dissecado quanto Dante e a sua “Comédia”. Não só nas letras. Também na arte pictórica, desde os tempos de Sandro Botticelli, passando por Gustave Doré, William Blake e Salvador Dalí, e chegando ao americano Sandow Birk. E virou assim a nossa visão – falo aqui de imagem mesmo – do mundo, dos céus ao inferno e vice-versa. A Comédia, divina, é tudo!
De toda sorte, misturando Dante e a sua “Comédia” com a ciência política e o direito (a minha praia, acho), acredito que posso fazer duas pequenas observações sobre os ditos-cujos.
De logo, posso registrar que Dante foi autor de obras políticas, além de político ele próprio, no poder ou exilado de sua Florença. No dossier “EntreClássicos 1 – Dante Alighieri”, da Revista EntreLivros, que estou agora lendo, consta: “Dante é raramente associado ao desenvolvimento da filosofia política e, no entanto, a política fez parte de sua vida desde a juventude, o que se refletiu no tratamento original que deu a temas importantes para a sua época. Se muitos observam a presença de figuras da cena pública italiana em suas obras poéticas, a maioria dos leitores acaba por deixar de lado o significado filosófico do fato para investigar o aspecto biográfico da relação entre o poeta, seus amigos e seus desafetos citados na Divina Comédia e em outros escritos. O fato de que o poeta teve de se exilar de sua terra natal em 1302 parece ser o acontecimento decisivo e fornecer a explicação para seu interesse pelos acontecimentos históricos, que foram marcantes para sua existência. Um estudo de alguns de seus textos mostra que a relação de Dante com a política foi muito mais intensa e criativa”. “Convívio”, texto redigido entre 1303 e 1305, mas inacabado, seria um enorme tratado sobre filosofia, especialmente ética e retórica, direcionado aos governantes e aos homens públicos. Já em “Monarquia” (1311-1313), Dante, a partir de Aristóteles, Tito Lívio, Tomás de Aquino e Siger de Brabante, defende essa (a Monarquia) como forma universal e até divina de governo.
Doutra banda, como o fazem André Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert, no texto “Direito e literatura: aproximações e perspectivas para se repensar o direito”, constante do livro “Direito & literatura: reflexões teóricas” (Livraria do Advogado Editora, 2008), podemos relacionar Dante ao direito penal, em especial quando ele trabalha, no Inferno, com os critérios de “classificação dos crimes e punições que lhes são correspondentes”. Dante foi ali severo, é verdade. Afinal, na porta do Inferno, “Deixai toda esperança, vós que entrais”. Mas as penas horrendas de Dante são a visão do mundo de então (e da região italiana, em especial), devendo ser assim interpretadas. E isso só começa a mudar seriamente com o iluminismo de Cesare Beccaria e seu “Dos delitos e das penas”, de 1764. Mas esta, claro, é outra obra.