
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos comandado pela ministra Damares Alves, produziu uma nota técnica em que se opõe ao passaporte vacinal e à obrigatoriedade de vacinação de crianças contra a Covid.
No documento, a pasta coloca o Disque 100, o principal canal do governo para denúncias de violações dos direitos humanos, à disposição de pessoas antivacinas que passem por “discriminação”.
A nota técnica, obtida pela Folha, foi concluída no dia 19. É assinada por três secretários e um diretor da pasta. A ministra Damares Alves endossou o documento e o encaminhou a outros ministérios a partir do dia 21.
A apresentação de uma prova de vacinação contra a Covid-19 para circulação por espaços públicos e privados é uma medida sanitária adotada em diferentes países. Passou a ser usual em estabelecimentos privados e em repartições públicas no Brasil.
O governo de Jair Bolsonaro (PL) se opõe à medida, assim como apresenta resistência à vacinação de crianças de 5 a 11 anos, o que retardou a imunização infantil.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), no parágrafo 1º do artigo 14, afirma: “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) liberou a vacinação dessa faixa etária no Brasil.
Ao colocar o Disque 100 à disposição de quem passa por “discriminação” em razão de falta de vacinação, como afirmou o ministério, a pasta pode gerar desvirtuamento e sobrecarga do canal de denúncias, na visão de gestores do governo familiarizados com o serviço.
O Disque 100 é o principal instrumento do governo federal para recebimento de denúncias e encaminhamento para investigação dessas acusações de violência contra mulheres, crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, pessoas que vivem nas ruas e população LGBTQIA+.
Em nota à reportagem, o ministério afirmou que o Disque 100 é aberto a todos que se sentem violados em seus direitos fundamentais.
“O serviço não faz juízo de valor sobre as denúncias. Apenas recebe, faz a triagem e encaminha relatos de insatisfação aos órgãos competentes”, disse.
A nota técnica foi elaborada pelo ministério porque a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos recebeu manifestações sobre violações de direitos, segundo a pasta.
“O ministério não é contra a vacinação contra Covid-19, porém manifesta-se, fundamentado em dispositivos legais, contrariamente à sua obrigatoriedade.”
Na nota técnica elaborada e distribuída a ministérios, a pasta de Damares concluiu que “medidas imperativas de vacinação como condição para acesso a direitos humanos e fundamentais podem ferir dispositivos constitucionais e diretrizes internacionais”.
Além disso, na visão de integrantes da pasta, essas medidas podem contrariar princípios bioéticos, ferir a dignidade humana e “acabar por produzir discriminação e segregação social, inclusive em âmbito familiar”.
“O ministério entende que a exigência de apresentação de certificado de vacina pode acarretar em violação de direitos humanos e fundamentais”, cita o documento distribuído a ministérios, como o do Trabalho e da Previdência e o da Economia.
“Para todo cidadão que por ventura se encontrar em situação de violação de direitos, por qualquer motivo, bem como por conta de atos normativos ou outras medidas de autoridades e gestores públicos, ou, ainda, por discriminação em estabelecimentos particulares, está disponível o canal de denúncias, que pode ser acessado por meio do Disque 100”, diz a nota técnica.
O ministério prometeu encaminhar essas denúncias aos órgãos competentes, “a fim de que os direitos humanos de cada cidadão possam ser protegidos e defendidos”.
A pasta de Damares disse que não é contra campanhas de vacinação, mas sustentou que “medidas de imposição” de certificado de vacinação podem afetar o direito à liberdade de ir e vir, de reunião e de exercício profissional.
No caso da vacinação de crianças contra a Covid-19, o ministério afirmou que a família deve ter proteção especial por parte do Estado. A previsão feita pelo ECA não se aplicaria à imunização contra a Covid-19, conforme a pasta.
“A vacina pediátrica autorizada pela Anvisa, apesar de fazer parte do Plano Nacional de Operacionalização da vacinação contra a Covid-19, enquanto não constar no Programa Nacional de Imunização, ou no calendário básico de vacinação da criança, não será obrigatória, e os pais ou responsáveis têm autonomia sobre a decisão de aplicá-la ou não em seus filhos ou tutelados”, afirmou a nota técnica.
Assinaram o documento Eduardo Miranda Freire, secretário nacional de Proteção Global substituto; Fernanda Ramos Monteiro, secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente substituta; Marcelo Couto Dias, secretário nacional da Família substituto; e Jailton Almeida do Nascimento, diretor de Promoção e Educação em Direitos Humanos.
Damares endossou o documento. “A nota técnica foi elaborada conjuntamente pelas secretarias nacionais de Proteção Global, da Família e dos Direitos da Criança e do Adolescente, com o objetivo de apresentar fundamentos técnicos, jurídicos e políticos no campo dos direitos humanos, que, na visão desta pasta, não justificam a obrigatoriedade ora proposta”, afirmou.
Com informações da Folha de S. Paulo