
“Foi tragédia mesmo! A ditadura militar torturou, matou, silenciou pelo medo uma nação inteira! Censura insana!”. O desabafo do ex-deputado federal Henrique Eduardo Alves, em conversa com o Diário do RN, resgata não apenas as marcas da ditadura militar no Brasil, mas também as feridas que sua própria família, os Alves, carrega desse período sombrio da história nacional. Aos 21 anos, em 1969, ainda estudante de Direito, Henrique viu seu pai, Aluízio Alves, ser cassado pelo regime. Ele, mesmo tão jovem, sentiu o peso da escolha: lutar ou se calar.
“Meu pai cassado por esse golpe militar, em 1969. Eu estudava Direito na Universidade do RJ, no segundo ano. Convocado pelos amigos a continuar a luta da esperança, ainda resisti. Até que meu pai disse: ‘Vai, meu filho, continue minha luta, segura minha bandeira verde pelo Rio Grande do Norte!”, relata Alves.
A decisão veio com a realidade da perseguição à família Alves: “Cassaram também Agnelo e Garibaldi. Destruíram uma família! A mais cassada do país! Aí nem pensei mais! Pronto para o que desse e viesse, vim sem conhecer as cidades e estradas do RN. Com o amigo de uma vida, Angelo Fernandes, uma kombi com quatro bocas de som, saía de dia, de tarde, de noite, de madrugada”, afirma Henrique, relembrando a difi uldade de encontrar, pelo interior do RN, os aliados do seu pai Aluízio, pelo medo da ditadura.
“Eu só ouvia da praça o locutor dizendo, ‘Daqui a pouco, o filho de Aluízio!’ Era o meu nome, quanta honra! E a multidão na praça, os mais pobres, galhos verdes que fui entendendo. Sem medo! Era o coração ali!”, relembra confessando que passa “um filme em sua cabeça”. A família Alves, originária de Angicos, já possuía uma tradição política consolidada. O patriarca, Manoel Alves Filho, conhecido como Nezinho Alves, foi prefeito de Angicos no início da década de 1930. Seus filhos seguiram os passos na vida pública: Aluízio Alves, governador do Estado; Agnelo Alves, prefeito de Natal e Parnamirim; e Garibaldi Alves, deputado estadual, vice-governador e senador da República. A linha sucessória seguiu com os descendentes.
A ascensão política dos Alves foi interrompida abruptamente pela ditadura militar. Em 1969, Aluízio e Garibaldi tiveram seus mandatos cassados; Agnelo, então prefeito de Natal, foi destituído e preso.
“E assim, naquele MDB, enfrentei, resisti, sofri e venci! Num tempo tão criminoso que, não nego, eu tinha ódio e medo! Não podia cruzar vendo uma farda! Cheguei à Câmara, Dr. Ulisses foi meu protetor, e assim, cheguei aos meus 14 mandatos. Uma luta tão desigual, censura que escondia fatos, verdades, sentimentos e talentos! Aquele MDB foi vencendo o mal, a prepotência, a desumanidade!”, ressalta.
Após 40 anos da democracia no Brasil, Henrique Alves alerta para os riscos de um retorno a tempos sombrios.
“O golpe tentado em 2022, e agora tão desmascarado por investigadores, começou ontem a ser desvendado. E a justiça será feita! A verdade! Dia 31 de março é um dia para termos o silêncio no coração! Reflexão e dor pelos Rubens Paiva desse país! E assim, dizermos a ele e a milhares: ‘Ainda estamos aqui!”, afirma.
PRIMEIRO PRESO PELA DITADURA NO RN: “O POVO NÃO SABE O VALOR DA VITÓRIA DA DEMOCRACIA”
A voz do potiguar José Rodrigues Sobrinho carrega a experiência de quem viveu a repressão da ditadura militar no Brasil. Dirigente sindical, ex-presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Norte e ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), ele foi uma das vítimas do regime. No dia 2 de abril de 1964, tornou-se o primeiro preso político do Estado, levado ao 16º Regimento de Infantaria (RI), onde sofreu torturas e ameaças. Hoje, diante das recentes tentativas de ruptura democrática no país, seu testemunho ressoa como um alerta.
“A gente agora livrou-se de um golpe de Estado. Isso representaria um retrocesso político enorme, os valores da democracia não existiriam mais e nós estaríamos hoje: uns presos, outros torturados, outros mortos, outros foragidos, outros exilados. Em ditadura, você não pode nem olhar feio para uma liderança dessa, vai para a cadeia. Você perde toda uma juventude, um atraso para o país. Temos a democracia, mas é uma luta para mantê-la”, avisa.
A repressão no Rio Grande do Norte veio no dia seguinte ao restante do país. Enquanto no Rio e em São Paulo os militares já estavam no poder em 1º de abril, a confi rmação do golpe no estado só ocorreu no dia 2, às 17h. Foi nesse contexto que José Rodrigues Sobrinho foi preso, no mesmo dia, às 17h30. Ele foi detido em casa e levado ao quartel.
“O Rio Grande do Norte teve muitas prisões, muita tortura. Eu fui o primeiro preso político do estado, levado ao 16º RI. Me botaram dentro de um tanque d’água, ameaçavam com material de tortura e me deixavam a noite inteira esperando sob ameaça. Diziam que eu era um comunista subversivo e tinha que fi car preso, que era um malfeitor”, conta José Rodrigues.
Segundo ele, a repressão contra os trabalhadores rurais e lideranças sindicais foi especialmente severa. “No Brasil foi um desmonte muito sério. Os latifundiários denunciaram muito o golpe, com medo da reforma agrária”, afi rma.
José Rodrigues Sobrinho passou oito meses preso. Com ajuda de um militar, conseguiu fugir e chegou a morar fora do país. Um capelão do Exército advertiu que os presos eram soltos apenas para serem recapturados logo na saída da prisão.
“Eu saí correndo, me abriguei no América. Durante a madrugada, fui para Recife, depois para o Rio, depois para São Paulo. Chegou ao ponto de o pessoal de apoio me enviar para o Peru. Quinze dias depois, a Anistia Internacional nos reuniu e nos enviou para o Chile, onde haveria integridade para nós”, relembra.
Hoje, José Rodrigues Sobrinho vê com preocupação os movimentos que tentam relativizar os crimes da ditadura e até fl ertam com um retorno ao autoritarismo. Para ele, é essencial que a sociedade compreenda o que signifi cou viver sob um regime ditatorial.
“Tenho pena da pessoa que não sabe o que é uma ditadura. O povo não sabe o valor da vitória da democracia e viver com dignidade”, alerta.