A Empresa Gestora do Ativo do RN (EMGERN) está na mira do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte (TCE-RN) após ter contratado um escritório de advocacia em João Pessoa, na Paraíba, realizada sem licitação, por R$ 144 mil por ano, enquanto a estatal mantém no quadro de servidores cinco advogados. O caso foi denunciado de forma sigilosa e o órgão foi solicitado pelo TCE a cancelar o contrato por dano ao erário público.
A Emgern é responsável pela gestão de bens imóveis, incluindo a classificação, registro e guarda de movimentação desses bens; pela recuperação de créditos do Sistema Financeiro Estadual, referente a carteiras dos extintos BANDERN e BDRN, e manutenção e conservação dos bens geridos. Atualmente, a empresa é gerida por Ylmara Rampinelli, que assumiu a presidência em fevereiro do ano passado.
PRESIDENTE FANTASMA
Em conversa com a equipe do Diário do RN, um funcionário do órgão, que pediu para não ter a identidade revelada, afirmou que a gestora da Emgern reside em Brasília, Distrito Federal, onde também tem uma empresa, e que é uma “funcionária fantasma” no quadro de servidores do Estado do RN. Ainda segundo ele, a presidente foi indicada ao cargo pelo deputado estadual Dr. Kerginaldo (PL).
“Essa mulher, desde que entrou, que já vai quase um ano, acredito que se juntar todos os dias que ela esteve presente na empresa, não se soma dez dias. Ela é praticamente uma funcionária fantasma. Praticamente não, ela é uma funcionária fantasma. Inclusive, o endereço dela é de Brasília. Ela tem uma empresa aberta e tanto o endereço residencial dela quanto o endereço dessa empresa, são de Brasília. Então, acredito que esse é um dos motivos que [sic] ela não esteja presente na empresa”, disse a fonte.
A CONTRATAÇÃO
A gestora foi responsável pela contratação do escritório de advocacia Erick Macedo, sediado em João Pessoa. De acordo com a fonte do Diário do RN, após ser empossada no cargo de presidente, mesmo encontrando um corpo jurídico na empresa, Ylmara tentou substituir a equipe existente por pessoas de sua escolha. Sendo informada de que não tinha autonomia para tal, a gestora usou da inexigibilidade de licitação para contratar a empresa de serviços jurídicos. O caso gerou uma Comunicação de Irregularidade feita de forma anônima ao TCE-RN, que foi acatada pela Corte.
“Houve essa contratação mesmo com vários pareceres falando ser contra a contratação. Um dos motivos alegados foi exatamente porque através da Lei das Estatais e da 14.133, da Lei de Compras, um dos motivos da inexigibilidade seria que a empresa tivesse notório saber naquilo que se trata a contratação – além de preços, além de vários outros quesitos. Uma das coisas que ela falou é que seria pautado o notório saber, era que a empresa tinha conhecimento em direito tributário. Só que tem um pequeno detalhe: a EMGERN não tem nada a ver com tributação”, declarou a fonte.
DENÚNCIA ACATADA
Sob análise do TCE-RN, foram encontrados no caso indícios de irregularidades como a incompatibilidade entre a contratação realizada e problema a ser resolvido pela EMGERN. O primeiro deles foi o fato de que foi pactuada uma consultoria tributária com objetivo de aumentar a eficiência da EMGERN na consecução de seus fins institucionais, mas não foi identificada pela Corte de Contas relação entre o problema de eficiência indicado com questões relativas a tributos, já que natureza dos créditos da estatal junto aos devedores decorreram de relações contratuais e não tributárias.
Além disso, os produtos da contratação não teriam ligação com o direito tributário. O Tribunal alegou, ainda, que a EMGERN não possui competência tributária e não é sujeito ativo de qualquer imposto estadual, bem como não há entre as suas finalidades institucionais nenhuma atividade relativa ao tema.
“Não há no nosso entendimento nexo de causalidade entre a falta de eficiência na gestão dos ativos e carteiras de devedores da EMGERN com as questões tributárias pretendidas com a presente contratação, razão pela qual a contratação direta de consultoria tributária de um escritório de advocacia para resolver problemas de gestão e eficiência da máquina pública se mostra temerária”, disse o auditor de Controle Externo Jadson Anderson da Silva.
O TCE apontou ainda a não comprovação da notória especialização da banca jurídica contratada.
Foi verificado que o advogado Erick Macedo tem conhecimento notório na área tributária, inclusive tendo realizado doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e prestado serviço como Auditor Fiscal do Estado de Pernambuco, mas não foram encontrados documentos comprobatórios da notória especialização do escritório, a exemplo de na melhoria da eficiência da gestão de imóveis e recuperação de créditos dessa natureza de órgãos ou entes públicos.
Outro aspecto negativo indicado pela Corte de Contas foi a ausência de justificativa de preço, que é um dos requisitos da contratação por inexigibilidade, servindo para garantir o justo valor do que está sendo pactuado. Sem a apresentação desse item, não foi possível analisar se os honorários ajustados se encontram dentro de faixa de razoabilidade, segundo os padrões do mercado, o que, de acordo com o TCE, aponta para “grave potencial de dano ao erário”.
De acordo com a fonte ouvida pelo Diário do RN, para cumprir exigências sobre relatórios de atividades, foram confeccionados documentos falsos sobre reuniões de trabalho que não ocorreram na instituição. “A empresa contratada precisa fornecer para a contratante um relatório de atividades do que foi feito. Então, o que aconteceu foi que a empresa entregou um relatório de atividades falando que houve reuniões na empresa, com a coordenadoria jurídica da empresa, e como se fosse parte dos trabalhos. E aí a nossa coordenadora jurídica desmentiu que não houve.
Até o período que eles alegaram que teve essas reuniões, a empresa não estava no prédio sede, como eles citam; a gente estava funcionando no centro administrativo, e não houve essa reunião.
Então assim, eles falsificaram um documento falando que houve algo que não existiu, citando nomes, pessoas, como se estivessem nessa reunião”, disse.
MEDIDA ACAUTELADORA
Diante dos fatos avaliados, foi considerada “imprescindível” a atuação “imediata” do Tribunal do Contas do RN no caso com a adoção de medida acauteladora. “Considerando o conjunto de evidências apresentadas, bem como os fundamentos fáticos e jurídicos e jurisprudenciais, este corpo técnico entende que estão presentes os pressupostos para atuação cautelar desta Corte de Contas, quais sejam: o fumus boni iuris e o periculum in mora, razão pela qual é imperioso a concessão de medida cautelar apta a suspender momentaneamente qualquer ato de execução do Contrato nº 020/2024 firmado entre a Empresa Gestora de Ativos do RN e o escritório de Advocacia Erick Macedo”, disse o auditor.
RECUSA EM RECEBER NOTIFICAÇÃO
Segundo a fonte do Diário do RN, a presidente Ylmara Rampinelli ordenou que nenhum documento que chegasse à EMGERN fosse protocolado, dessa forma, a gestora ainda não foi notificada acerca da decisão tomada pelo Tribunal de Contas do Estado.
“O TCE já determinou que o processo administrativo da gente, da contratação, o contrato tem que ser cancelado imediatamente e ela sob investigação. E aí está correndo um prazo para esse cancelamento. (…) Porém, eles mandaram para parte de mandados a empresa ser notificada.
Porém, existiu a ordem da presidente de falar que qualquer documento que chegasse para a empresa não era para protocolar. Então, ela estava querendo omitir esse documento para não sei o que, se é para ganhar mais tempo”, disse.
Procurada pela equipe do Diário do RN, a gestora da EMGERN não se pronunciou até o fechamento desta matéria.