TRABALHO MADRUGADA ADENTRO E PRESSÃO NAS REDES SOCIAIS: GERENTE DA ANVISA CONTA COMO FOI ANÁLISE EMERGENCIAL DAS VACINAS CONTRA COVID
Processo técnico era acompanhado com esperança por milhões de brasileiros. “Aconteceu muito nas redes sociais, gente falando ‘libera’, ‘genocida’, ’10 dias equivalem a 10 mil mortes'”, conta Gustavo Mendes, o gerente-geral de Medicamentos da agência de vigilância sanitária na série ‘A Corrida das Vacinas”.
O gerente-geral de Medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, relatou, em entrevista à equipe do documentário “A Corrida das Vacinas”, toda a tensão de ter de analisar os pedidos de uso emergencial dos imunizantes contra a Covid-19, um processo extremamente técnico e complexo, porém esperado e acompanhado por milhões de brasileiros.
“Quando chegaram os pedidos de uso emergencial, aí que foi o auge. A gente criou um grupo de Whatsapp e foi 24 horas por dia trocando informações. Um ia dormir, outro começava a falar de um dado, de outro, revisando. Foi bem tenso”, lembra o gerente. “São umas 17 pessoas. Mandavam mensagens toda hora, 3h da manhã”.
A autorização de uso emergencial é uma ferramenta que não existia antes da pandemia. “Tudo precisou ser construído. Quando teve a decisão de transmitir a decisão da área técnica, uma apresentação exaustiva, falei ‘ninguém vai aguentar ver'”, conta. A decisão da Anvisa sobre as vacinas de Oxford e CoronaVac foi acompanhada por milhares de brasileiros ao vivo na TV.
Mendes explica a função da análise técnica da Anvisa e o motivo de não se poder simplesmente autorizar qualquer vacina para a qual se solicite distribuição no Brasil: “É aquela coisa: a pessoa sai de casa para tomar uma vacina. Ela sabe se realmente aquilo que tão aplicando nela é a vacina? Como se chegou à conclusão de que essa vacina vai funcionar? Alguém precisa fazer isso.”
“Desde a época em que começaram os pedidos de estudo aqui no Brasil eu vi que já ia ser uma questão bem complicada e tensa, por causa da sensibilidade que exigia. Aconteceu muito nas redes sociais, gente falando ‘libera’, ‘genocida’, ’10 dias equivalem a 10 mil mortes”, relembra.
Mas não só detratores do trabalho da Anvisa se manifestaram, conta o gerente. “Uma vez, uma senhora me parou e disse ‘Queria te agradecer. Foi Jesus que colocou você nesse lugar”, afirma. “A ioga e a meditação me ajudaram a entrar em contato comigo mesmo, uma quietude de poder lidar com essa pressão”, comenta Mendes, que desde 2003 trabalha na agência de vigilância sanitária na área de medicamentos e estudos clínicos.
“A Anvisa precisa verificar minuciosamente todo o processo dos testes clínicos. Desde as fases pré-clínicas até as fases de eficácia. É um trabalho meticuloso, extremamente técnico e que exige que a nossa agência seja soberana, que ela seja autônoma, que ela não sofra pressão política ou ideológica de qualquer tipo”, comenta Natalia Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e presidente do Instituto Questão de Ciência.
‘A Corrida das Vacinas’
Em cinco episódios, dos quais dois já estão disponíveis gratuitamente no Globoplay, a equipe do documentário mostra, no Brasil e no mundo, bastidores dos desafios do desenvolvimento dos imunizantes e a guerra política envolvendo a maior esperança que temos para acabar com a pandemia.
A equipe liderada pelo repórter Álvaro Pereira Júnior vem trabalhando há mais de seis meses para fazer todo o documentário. “Você vai ver um político falando de um jeito que a gente não está acostumado a ver. Vai ver o cientista falando de um jeito que a gente não está acostumado a ver. Vai ver intimidade de personagens importantes do noticiário mostrados de uma outra maneira e as explicações científicas”, conta o jornalista.
O documentário mostra bastidores tensos de reuniões decisivas para a compra de vacinas. Seguindo os protocolos mais rígidos e fazendo muitos exames, a equipe também viajou para Índia e Rússia para mostrar onde são fabricadas as vacinas de Oxford e Sputnik V.
“Cada laboratório que a gente conseguiu entrar foram meses de negociação. Além disso, a gente teve que fazer PCR antes de ir, PCR lá e todo mundo de N95, o tempo inteiro, o máximo de distanciamento que a gente conseguia. Enfim, era um elemento a mais de dificuldade para a produção do documentário”, relata a chefe de produção, Clarissa Cavalcanti. A série ouviu especialistas e elaborou ilustrações que explicam como cada vacina funciona para nos proteger.
“O que a vacina quer é enganar o sistema imune para ele pensar que está sendo atacado por um microorganismo, quando, na verdade, não tem nada lá. O Sars-Cov-2 é um vírus que vai entrar no nosso organismo pelas vias respiratórias”, explica Natália Pasternak.
O documentário — que tem roteiro de Anna Bernardoni, Nancy Dutra e Gabriel Mitani — acompanhou também a ansiedade vivida pelos voluntários dos testes quando a eficácia das vacinas era apenas uma possibilidade. E a angústia do isolamento seguida da alegria vivida pelos primeiros que receberem a vacina após a constatação de sua eficácia.