Na maioria dos casos, vítimas perdoam seus agressores por medo da solidão

Mais um caso desumano de violência contra pessoa idosa entrou para as estatísticas do RN, esta semana. Na terça-feira (4), uma senhora cega, de 77 anos, foi encontrada confinada em um pequeno quarto sem qualquer ventilação natural, iluminação e energia elétrica. O caso aconteceu em Macaíba, na Grande Natal, onde também ficou constatado que ela era obrigada a comer com as mãos e dormia em um colchonete de borracha.
O filho da vítima, identificado como Jocelin de Lima Bezerra, 53 anos, foi detido em flagrante pelos crimes de cárcere privado e maus-tratos praticados contra a mãe. Após a prisão, ele foi encaminhado ao sistema penitenciário, onde permanecerá à disposição da Justiça. Já a idosa foi encaminhada a um abrigo, com apoio do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), em Ceará-Mirim.
O ativista e membro do Conselho Municipal do Idoso em Natal, André Arruda, comentou o caso citando a Constituição Federal. Ele afirma que o combate à violência sofrida pela população idosa deve ser uma responsabilidade adotada por toda a sociedade, em conjunto com o poder público: “No artigo 230, diz que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. Portanto, é responsabilidade de todos e cabe ao ente público criar e coordenar uma rede de proteção e valorização das pessoas idosas. A rede deve funcionar como uma integração do Estado, sociedade e família, porém, precisa ser acolhedora, que saiba dialogar com todos os setores público e da sociedade civil”, disse.
André também ressaltou que é preciso profissionalizar e humanizar todo o trabalho de atendimento aos idosos, através de equipes multiprofissionais e multidisciplinares. Além da articulação entre a sociedade e o estado para solucionar o problema, André também falou sobre as ações que são necessárias de ambas as partes.
“Precisamos de campanhas educativas, que incentivem as denúncias contra qualquer tipo de violência à pessoa idosa. Todo cidadão tem a obrigação de denunciar, sob pena de omissão se não o fizer. Importante ainda salientar que a violência não é apenas a física ao qual deixa marcas no corpo, a violência psicológica deixa marcas na alma, e também existem diversos tipos de violência como a negligência, patrimonial, institucional e tantas outras”.
COMBATE
Desde 2020, a Polícia Civil realiza a Operação Vetus, que investiga denúncias de crimes contra idosos em Natal. Ao longo de três anos, 697 vítimas foram atendidas; em todo o estado, foram constatados 219 crimes nos últimos dois anos. Para o ativista da CMI, a falta de valorização na sociedade e o baixo poder aquisitivo são alguns dos principais motivos para a violência sofrida por essa faixa da população: “Acredito que um dos principais fatores que contribui para a violência contra a pessoa idosa seja a vulnerabilidade social e econômica, pois grande parte desta população é alvo de isolamento e do abandono por parte de familiares ou pessoas próximas que, em vários casos, não possuem condições estruturais do acolhimento e do cuidado do idoso. É neste momento que o Estado deveria apresentar uma estrutura para o acolhimento e cuidado necessário que a família às vezes não pode suprir sozinha”, disse. Ele afirma que, de forma natural, os idosos apresentam limitações físicas e psicológicas, se tornando alvos fáceis de violentadores, em sua maioria, familiares ou conhecidos, ao qual se aproveitam da fragilidade do idoso para cometerem seus crimes.
Muitas vezes, a maior arma do agressor para continuar impune é o amor. Segundo o membro do CMI, na maioria dos casos a solidão para pessoas idosas é uma maior ameaça, e por isso elas têm dificuldade em denunciar as agressões, desculpando ou perdoando seus agressores: “Infelizmente, as pessoas idosas violentadas não costumam denunciar, pois existe geralmente uma questão da dependência de outras pessoas, inclusive até do violentador. Como quem comete estes crimes contra os idosos geralmente são familiares ou pessoas próximas, os idosos deixam de realizar denúncias por sentirem medo, vergonha e até mesmo para não perder o amor deles”.
Por fim, André Arruda ressalta a necessidade de punição como ferramenta para inibir novos casos: “A reeducação é um fator muito importante para qualquer ressocialização, porém, a punição exemplar aos rigores da lei torna-se fundamental para que sirva de exemplo e que se possa coibir a repetição da violência. Cabe ao poder público criar meios para a reeducação familiar, por isso, a necessidade da rede de proteção e valorização com multiprofissionais que possam contribuir com a reeducação de quem comete crimes contra a pessoa idosa”.