CÂMARA LEVA ‘CARÃO’ DO TJ E DECIDE SE PROSSEGUE COM PROCESSO DE BRISA

Em sua decisão sobre os embargos de declaração apresentados pela Câmara Municipal de Natal, no Agravo de Instrumento 0800531-49.2025.8.20.5400, assinado por desembargador Dilermando Mota, em 19/11/25 às 17:31, ao qual o Diário do RN teve acesso com exclusividade, o magistrado rejeitou todos os pedidos do Legislativo e afirmou que o recurso foi utilizado apenas para tentar “rediscutir o mérito” da decisão anterior, o que é vedado na via dos embargos, que tão somente servem para esclarecimentos de possíveis pontos obscuros numa decisão judicial.
A Câmara alegava três supostas omissões na decisão que suspendeu a sessão de cassação da vereadora Brisa Bracchi (PT): a necessidade de manifestação explícita sobre a Súmula Vinculante 46 e sobre o suposto conflito entre o Decreto-Lei 201/67 e o Regimento Interno quanto ao prazo de intimação de 72 horas; a definição se o prazo final do processo de cassação seria de 90 ou 120 dias; se os prazos de conclusão do processo estariam suspensos enquanto vigorarem decisões judiciais que paralisam etapas do rito.
Dilermando rejeitou todos os pontos.
Sobre o prazo de intimação (72h) e a Súmula Vinculante 46, o magistrado afirmou que não houve omissão, pois a decisão anterior, proferida pelo desembargador Cornélio Alves, na última segunda-feira (17), já havia enfrentado detalhadamente o tema. Na decisão, ele reafirmou que o prazo regimental de 72 horas está correto e é válido.
“A decisão embargada enfrentou expressamente a questão normativa aplicável, analisando detidamente a compatibilidade entre o Decreto-Lei 201/67 e o Regimento Interno da Câmara Municipal, concluindo pela aplicabilidade do prazo regimental de 72 horas para intimação”, escreveu.
Dilermando também explicou que a Súmula Vinculante 46 não impede que o Regimento Interno amplie garantias ao acusado, apenas impede que normas locais reduzam direitos previstos em lei federal: “A interpretação adotada encontra-se constitucionalmente adequada e respaldada pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, que firmou entendimento de que a competência privativa da União para legislar sobre processo e julgamento de agentes políticos estabelece um patamar mínimo de garantias, impedindo que normas locais restrinjam ou reduzam direitos processuais do acusado, mas não vedando que normas regimentais ampliem tais garantias”.
Sobre questionamento acerca do prazo total de 90 ou 120 dias, o desembargador afirmou que esse assunto nem sequer é objeto do processo, porque a parte agravante, ou seja, a vereadora Brisa que questionou somente o prazo de convocação, nunca levantou essa questão. Como não foi pedido, o Judiciário não pode decidir, conforme o magistrado na decisão.
“Não cabe ao Poder Judiciário pronunciar-se sobre questão que não integra a causa de pedir e o pedido, sob pena de julgamento ultra petita ou extra petita”, esclareceu.
Ele acrescentou que é prematuro discutir esse prazo porque o processo de cassação ainda está suspenso por decisões judiciais pendentes: “O momento processual é absolutamente inadequado para definição dessa questão”, colocou, se referindo à suspensão da convocação para a votação, por desrespeito do prazo pela casa legislativa.
Sobre a suposta suspensão dos prazos do processo de cassação, o desembargador afirmou que não houve suspensão do processo como um todo, apenas do ato específico que violou o prazo mínimo de 72 horas.
“Trata-se de suspensão de ato processual específico praticado de forma irregular, e não de suspensão do procedimento de cassação como um todo”, frisa.
Ele reforçou que o processo pode continuar, desde que a Câmara respeite as garantias: “o procedimento pode prosseguir normalmente, desde que respeitadas as garantias processuais do acusado”.
Dilermando rejeitou ainda o argumento da Câmara de que não é possível aplicar simultaneamente o prazo regimental de intimação e o prazo federal de conclusão. Segundo ele, a própria Câmara já faz isso, e no direito administrativo sancionador deve prevalecer a norma mais favorável ao acusado.
“A alegação de indevida ‘mixagem’ de normas é absolutamente improcedente (…) A alegação de que seria necessário aplicar integralmente ou o Decreto-Lei 201/67 ou o Regimento Interno não encontra amparo na Constituição Federal, na legislação processual ou na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e demonstra falta de conhecimento do sistema processual que não pode ser albergado pelo Poder Judiciário. O que se exige é a observância do patamar mínimo estabelecido pela legislação federal, o respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, e a prevalência da norma mais favorável ao acusado em cada situação concreta”, alega.
Com isso, fica mantida a determinação de que qualquer nova sessão para julgar a cassação de Brisa Bracchi só poderá ser convocada com antecedência mínima de 72 horas, conforme o Regimento Interno.
Câmara convoca coletiva
Com o objetivo de comunicar a continuidade, ou não, do processo de cassação da vereadora, a Câmara de Natal convocou para esta terça-feira (25), uma coletiva.
De acordo com a casa legislativa, estarão presentes o presidente Eriko Jácome, membros da Mesa Diretora, representantes da Procuradoria da câmara, e os vereadores que compõem a comissão especial processante, Anne Lagartixa, Fúlvio Saulo e Daniel Valença.
O vereador petista usou as redes sociais nesta segnda-feira para denunciar espanto ao tomar conhecimento da convocação de coletiva por parte da comissão que ele mesmo integra mas não teria sido comunicado.
Na última quarta-feira (19), a defesa de Brisa Bracchi protocolou, na Câmara Municipal, um pedido de arquivamento do processo de cassação. Os advogados da parlamentar baseiam o pedido no Decreto-Lei 201/1967, norma que determina que o procedimento deve ser concluído em até 90 dias após a notificação do acusado. Brisa foi notificada no dia 22 de agosto, fazendo com que o prazo final expirasse no dia 19 de novembro.
O pedido destaca ainda que a própria Procuradoria Legislativa da Câmara já teria reconhecido, em parecer anterior, que o processo perderia validade após essa data.
A defesa também menciona decisões judiciais relacionadas ao caso, reforçando que tanto o Decreto-Lei 201/67 quanto o Regimento Interno da Câmara precisam ser observados de forma complementar. A norma federal estabelece um prazo mínimo de 24 horas para convocação de sessões de julgamento, enquanto o regimento da Casa amplia para 72 horas, prazo mais benéfico ao denunciado e, portanto, obrigatório.
AMARN avalia medida após acusação de “venda de sentença” feita por vereador Matheus Faustino

A Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte (Amarn) poderá adotar medidas contra o vereador Matheus Faustino (União Brasil), após declarações públicas em que o parlamentar levantou suspeita de “venda de sentença” no caso que suspendeu as sessões de votação da cassação da vereadora Brisa Bracchi (PT). A afirmação, feita inicialmente em entrevista de rádio na terça-feira (18) e reiterada no dia seguinte na Câmara Municipal à imprensa, não foi acompanhada de provas.
O presidente da Amarn, juiz Arthur Cortez, afirmou ao Diário do RN que a entidade já discute internamente uma eventual resposta institucional às falas do vereador. Uma reunião está marcada para definir se a associação ingressará com alguma medida. “Tem uma reunião marcada justamente para decidir se vamos ou não entrar com alguma medida. Provavelmente amanhã”, disse o magistrado em conversa com o Diário nesta segunda-feira (24).
Cortez destacou que a tendência, em sua avaliação pessoal, é que a Amarn reaja. “Na minha visão, é bem possível [que haja alguma medida], mas como a Amarn é colegiado pode ser que o colegiado entenda que não deve tomar nenhuma medida contra o vereador. Eu estou ainda escutando os colegas para tomar uma posição”, disse, se referindo, ao final, à segunda decisão de suspensão da convocação, proferida por ele mesmo.
O magistrado também enfatizou que a decisão que suspendeu as sessões da Câmara foi cumprida integralmente: “A verdade é que a gente tem um cumprimento com a decisão do desembargador.
O desembargador decidiu, então a gente cumpriu. Não podia ser diferente”, esclareceu.
A polêmica começou quando Faustino questionou publicamente a atuação do Judiciário potiguar na suspensão das sessões que votariam a cassação de Brisa. “É evidente que é, eu diria até, venda de sentença. O desembargador vendeu a sentença”, declarou à rádio 96 FM, mencionando que, em sua visão, uma interpretação jurídica “criativa” poderia favorecer a parlamentar.
Após a repercussão negativa, o vereador divulgou uma nota, a mesma enviada ao Diário do RN nesta segunda-feira (24), recuando da interpretação de que teria acusado um magistrado. Ele afirmou que sua fala foi “hipotética e abstrata” e que não teve intenção de atribuir crime a qualquer juiz. “Minha fala não teve o propósito de atribuir a algum juiz, de forma direta ou indireta, qualquer prática ilícita, especialmente o crime de venda de sentença”, escreveu.
Segundo Faustino, sua crítica se dirigia ao critério jurídico que poderia vir a ser adotado, e não à honra de magistrados. Ele alegou exercer apenas sua liberdade de expressão política ao defender que o processo de cassação siga o Decreto-Lei nº 201/67, conforme a Súmula Vinculante nº 46. O Decreto Federal determina os prazos de 24h para convocação do réu e de 90 dias para encerramento do processo de cassação de um vereador, diferente do que dita o Regimento Interno da Câmara de Natal, que cita 72h e 120 dias, respectivamente.
A Amarn deve concluir ainda esta semana se responderá formalmente às declarações do vereador. Caso o colegiado entenda que há afronta à integridade do Judiciário, a associação poderá ingressar com nota pública de repúdio, representação ou outras medidas institucionais cabíveis.
A Justiça do RN suspendeu as duas sessões da Câmara de Natal após entender que havia necessidade de ajustes no rito de votação do processo. A nova data para retomada da análise da cassação de Brisa Bracchi ainda depende de decisão judicial.

