A vida de Arthur Andrade não foi definida pelo que ele não podia fazer, mas pelo que ele sempre acreditou ser capaz de alcançar. E o maior alicerce dessa trajetória, marcada por lutas e vitórias, é uma mãe que nunca deixou de acreditar em seus filhos, mesmo quando o mundo parecia não acreditar.
A história de Arthur começa em um momento de dor, mas também de um amor imenso. Valécia Andrade sempre teve o sonho de ser mãe. Casada há dez anos, ela e o marido, em um momento de grande frustração devido a três gestações interrompidas, decidiram adotar. “Foi tudo feito muito rápido, levamos tudo o que nos foi pedido, passamos por entrevistas, treinamentos e no final era só aguardar. Foram seis meses de espera, fiquei surpresa porque sempre que chegava a ligação eram duas crianças e meu esposo sempre dizia querer só uma, mas nas ligações eram sempre duas ou mais. Até que em um dia ele me ligou no trabalho e disse que recebeu outra ligação e estavam pedindo para irmos ver sem compromisso dois bebês. E aí começou nossa história de amor por duas crianças que mudaram nossas vidas”, conta Valécia.
Os dois irmãos gêmeos chegaram a Valécia e seu marido em uma situação extremamente delicada. Nascidos prematuros, com apenas três meses de vida e com um peso muito abaixo do esperado, Arthur e Ana Beatriz tiveram que passar por uma série de cuidados intensivos. “Eles nasceram prematuros e até completar os três meses pesavam apenas um quilo. Eram tão pequenos que não tive coragem de pegar no primeiro dia, o pai que foi logo pegando nos braços e eu fiquei só de olho. Com uma semana finalizamos o pedido de adoção e levamos para casa. Tudo maravilhoso. Passava horas olhando eles dormindo sem acreditar que eram meus”, relembra Valécia.
E o amor incondicional de Valécia não demorou a se revelar. Arthur e Ana Beatriz enfrentaram uma série de complicações de saúde, incluindo uma deficiência visual diagnosticada em ambos.
Valécia, sem hesitar, assumiu o desafio de lutar por eles: “Marcamos uma consulta com um médico que se dizia ser o melhor pediatra de natal, com mais experiência, foi quando tive o diagnóstico de que eles tinham deficiência visual e que eu não esperasse nada deles que nada poderia ser feito. Voltamos para casa, meu marido em choro, e eu falei que eles eram crianças como qualquer outras e iríamos lutar juntos”.
O diagnóstico de paralisia cerebral nos dois filhos foi outro golpe duro, mas Valécia, longe de desmoronar, se levantou e batalhou: “Minha família ficou em cima para devolvermos eles pois, de todas as perguntas que nos fizeram, a única que eu disse não foi a que se eles tivessem algum problema de saúde que precisasse de muitos cuidados eu não queria, pois pretendia continuar trabalhando para dar o melhor para eles. Apesar de saber que isso era legal, eu fiquei revoltada e questionei: ‘Se tivesse saído da minha barriga vocês iriam mandar eu fazer o quê? ’. Começamos, então, a luta para ajudar eles a terem uma vida de qualidade, fisioterapia diária, fono, terapias de tudo que foi possível, acompanhamento com oftalmologista que até hoje os acompanha, uma profissional de uma sensibilidade incrível”, complementa Valécia.
A luta pela inclusão: enfrentando o sistema educacional
Mas a luta de Valécia não parou por aí. No caminho para garantir um futuro melhor para Arthur e Ana Beatriz, a inclusão educacional se tornou outro grande desafio. “Eles foram crescendo e a luta aumentando, momento de matrícula em uma escola, vários “não” ouvidos, escola pública não tinha estrutura na época”, relata Valécia ao lembrar de todas as portas fechadas que enfrentaram.
A escola pública em frente à sua casa não tinha recursos suficientes para criar uma estrutura que atendesse as necessidades de crianças com deficiência. “Eles tinham o material, mas ele estava guardado, entulhado. Não havia uma sala adequada para eles. Eu tive que ir atrás, conversar com políticos, pressionar, buscar a inclusão de verdade”, lembra. Mesmo após conseguir a matrícula dos filhos em uma escola privada, Valécia logo percebeu que a educação que eles estavam recebendo era precária. “Os meninos perderam um ano, mas resolvi colocar numa escola privada que a princípio recebeu muito bem. Porém, ao longo do tempo, vimos que as crianças estavam sendo apenas um jarro na sala de aula. Até começar o processo de aprendizagem dele, eu insistia que eles tem o cognitivo perfeito e capacidade de aprender. Você só precisa explorar e saber como utilizar esse aprendizado”, relata.
Foi só quando Valécia encontrou uma escola pública que realmente acreditava na inclusão que os filhos começaram a florescer. “Nesse período a escola pública já havia aberto a sala do AEE, que é uma expressão que eles usam para crianças especiais, na escola que ficava de frente à minha casa, então no sétimo ano eles foram para a escola pública onde eles tiveram todo o desenvolvimento. O sonho da minha filha era um caderno e escrever o nome dela, o sonho de Arthur era apenas conseguir tirar notas boas em suas atividades, e tudo isso eles conseguiram nessa escola, que inclusive hoje é referência na zona Norte em relação a crianças com deficiência “, conta Valécia.
O sonho de ser jornalista esportivo: “É isso que eu quero fazer”
O sonho de Arthur é extremamente claro: ser jornalista esportivo. Desde pequeno, orientado pela fonoaudióloga, quando ainda não falava, para ouvir coisas que gostasse e assim aprendesse a falar, o futebol se tornou uma ferramenta importante nessa jornada. “Uma coisa que ele gosta muito e sempre gostou foi futebol e ele passou a ficar ouvindo jogos de futebol e isso fez com que ele desenvolvesse a fala e aí o desejo de ser um jornalista esportivo”, comenta Valécia.
“O meu sonho começou eu ouvindo rádio. Eu comecei a ter essas referências por ouvir muitas transmissões. Isso foi uma coisa que me pegou e me veio logo na mente com 9 ou 10 anos. E pensei ‘É isso que eu quero fazer’. Por mais que muita gente questione que eu não tenho a visão, perguntam ‘Como você vai fazer isso?’, ninguém tirou isso da minha cabeça e ninguém vai tirar, porque é o que eu quero fazer para o resto da minha vida”, explica Arthur.
Quando chegou a hora de entrar na faculdade, Arthur precisou superar uma frustração anterior. “Bom, eu já vinha de uma frustração porque eu não tinha passado na prova do IFRN, então eu já vinha frustrado, e não queria realmente fazer o Enem. Mas eu fiz um combinado com meus pais que eu faria por experiência, então eu fui sem esperança nenhuma e acabei passando”, conta Arthur.
Quando Arthur recebeu a notícia de que havia sido aprovado no curso de Jornalismo da UFRN, foi uma celebração de lágrimas e emoção. “A sensação foi incrível, foi uma sensação de êxtase mesmo na hora não consegui controlar, a emoção foi muito grande. Eu chorei, eu gritei, fiquei surpreso porque não acreditava que ia passar. Para mim, foi uma surpresa muito grande, emoção, sensação incrível, que eu acho que eu raramente vou sentir de novo na minha vida”, diz ele.
As barreiras da universidade: uma nova luta
A realidade da universidade trouxe novos desafios. A mãe, como sempre, é uma figura fundamental nesse processo. Valécia está sempre presente em cada aula, descrevendo os slides, auxiliando nas atividades, para garantir que Arthur tenha as mesmas oportunidades dos outros estudantes.
Arthur enfrentou o preconceito de alguns professores, que não estavam preparados para lidar com a sua deficiência. “Eu sabia que a luta seria dura, mas eu não ia deixar que ninguém me fizesse sentir menor. Se eles não podiam me dar a atenção que eu precisava, minha mãe estava ali. Ela não iria me deixar sozinho”, revela Arthur.
A jornada de Arthur não foi apenas sobre superar obstáculos pessoais. Ela foi uma jornada que envolveu também a luta pela mudança no ambiente acadêmico. “Fomos até a CIA (Centro de Inclusão Acadêmica) para garantir que os professores soubessem das dificuldades de Arthur.
Muitos professores estavam dispostos a nos apoiar, mas nem todos. Alguns ainda acreditam que pessoas com deficiência não são capazes de aprender da mesma forma. Mas Arthur mostrou a todos que ele estava lá porque tinha conquistado o seu lugar”, diz Valécia.
Hoje, Arthur está no quarto período de Jornalismo e continua sonhando alto. “Eu sei que meu caminho é difícil, mas estou disposto a lutar por cada conquista. Minha mãe me ensinou isso: nunca desistir. E, a cada dia, eu me torno mais forte”, afirma Arthur.
E Valécia, sempre ao seu lado, reforça: “Ninguém tem o direito de dizer o que ele pode ou não pode fazer. Ele é um ser humano, um cidadão, e está lutando pelos seus sonhos. E ninguém vai tirar isso dele.”
Arthur e sua irmã, Ana Beatriz, com suas vitórias diárias, são a prova viva de que o amor, a dedicação e a coragem podem transformar vidas. A jornada deles é uma história de superação e, principalmente, de uma mãe que nunca deixou de acreditar em seus filhos, não importa o que o mundo dissesse.