Por: O Antagonista.
Deputado rejeita discurso de fraude na votação eletrônica e diz apoiar a proposta para que a população tenha mais confiança no sistema
Não é só Jair Bolsonaro e seu séquito que querem o voto impresso. Aécio Neves, que chegou a pedir uma auditoria das urnas eletrônicas após sua derrota para Dilma Rousseff em 2014, voltou agora a defender o que chama de “voto auditável”.
O tucano rejeita o discurso bolsonarista de que houve fraude nas eleições. Defende a possibilidade de conferência com o registro físico para que a população tenha maior confiança no sistema eletrônico, ainda que por meio de uma amostragem.
“O que estamos defendendo é o aprimoramento do atual sistema. Qualquer sistema de votação tem que ter duas características simultâneas. A primeira é a eficácia. Considero as urnas eletrônicas eficazes. A segunda é a confiabilidade. A população precisa estar segura, serena, de que seu voto foi computado e que o resultado da eleição é o resultado decidido pela maioria do eleitorado”, disse, em entrevista a O Antagonista concedida na última quinta-feira (10).
No dia anterior, Aécio debateu o assunto no plenário da Câmara com Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que, assim como seus antecessores, rejeita a impressão do voto. O ministro sustenta que a impressão levaria candidatos derrotados a questionar os resultados, aumentaria a judicialização da disputa, propiciaria fraudes na recontagem manual e ainda estimularia a compra de votos.
Além de rebater todas essas objeções, Aécio diz que o apoio de Bolsonaro à proposta acabou contaminando a discussão no Congresso, que já teve ampla maioria favorável à proposta, mas que, agora, segundo ele, tornou-se objeto de oposição política ao presidente.
Mas para o deputado, a aprovação do voto auditável, além de aumentar a confiança no sistema, vai esvaziar o discurso do presidente. “Porque a possibilidade da conferência vai existir”, argumenta, reiterando que confia na urna eletrônica.
Nesta entrevista, ele também critica a pressão de João Doria sobre o PSDB para forçar sua candidatura à Presidência em 2022 e elogia, como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, a mudança na política externa brasileira, com a substituição de Ernesto Araújo por Carlos França.
Reproduzimos, abaixo, os principais trechos da entrevista, que também pode ser conferida na íntegra, sem cortes, no vídeo inserido após a versão escrita.
Por que o sr. está apoiando o voto impresso?
Acho que há uma distorção semântica nessa discussão. Muita gente pode achar que estamos defendendo a volta do voto em cédula, no papel. Mas o que defendemos, na verdade, é o voto auditável, onde você vota na mesma urna eletrônica, mas tem a possibilidade de visualizar seu voto, que poderá, numa eventualidade, através de alguma amostragem, após autorização da Justiça, ser confirmado.
O que temos de fazer é desinterditar esse debate. Eu não me filio aos que acham que a eleição foi fraudada e que, por isso, precisamos fazer essa auditagem. Mas tampouco considero razoável esse discurso, inclusive de algumas autoridades judiciais, de que a possibilidade da confirmação ou da conferência do voto seria uma volta ao tempo do orelhão, seria um caos no nosso sistema, um retrocesso inimaginável. Nada disso.
Eu participei [dessa discussão], aqui no Congresso, como deputado, desde 1994. Eu era líder do PSDB quando começou a discussão da implementação do voto impresso no Brasil, com todo o tipo de questionamento. Conheço imensamente esse assunto. E como tudo na vida, temos que estar preparados para a evolução. O que estamos defendendo é um aprimoramento do atual sistema.
Qualquer sistema de votação tem que ter duas características simultâneas. A primeira é a eficácia. Eu considero as urnas eletrônicas eficazes. A segunda é a confiabilidade. A população precisa estar segura, serena, de que seu voto foi computado e de que o resultado da eleição é o resultado decidido pela maioria do eleitorado.
Portanto, a possibilidade de introduzirmos um mecanismo que já existe em inúmeros países do mundo, que possibilite essa conferência, é um avanço e não um retrocesso. Nós estamos hoje na companhia de outros dois países. Além do Brasil, apenas o Butão e Bangladesh têm hoje um sistema de voto eletrônico sem possibilidade de auditagem, de alguma conferência.
Inúmeros outros países, e não são poucos, com democracia sólida e detentores de altíssima tecnologia, estão fazendo o caminho inverso. O Japão abandonou o voto eletrônico em 2018. Na França, onde o voto eletrônico é usado em pouquíssimos distritos eleitorais, o governo francês oficialmente declarou que deseja abandonar seu uso. A Irlanda decidiu encerrar todos os planos de voto eletrônico em 2008. A Holanda acabou com o voto eletrônico em 2007. A Alemanha parou de usar dispositivos eletrônicos, porque a Corte constitucional declarou que eles não demonstraram ser suficientemente transparentes. A Austrália, a Itália e o Reino Unido abandonaram em 2013.
Isso não quer dizer que o voto eletrônico é ruim, eu sou defensor do voto eletrônico. Mas quero que as eleições tenham, por parte do conjunto da população, maior confiabilidade. Por isso defendo o que eu já defendia lá atrás. Em 2015, no Senado, nós tivemos 56 votos a favor da impressão do voto. Na Câmara, 368 votos a favor.
O apoio de Bolsonaro contamina a discussão?
Sim, porque o presidente resolveu apoiar essa proposta a partir das suas convicções, que não são as minhas. Da forma como o presidente Bolsonaro — que sequer autor da emenda é, ele é um apoiador da emenda — entrou nessa discussão, infelizmente trouxe certa contaminação.
E o que ocorre: ontem, eu vi no plenário da Câmara líderes de partidos que votaram, há cinco anos, favoráveis à possibilidade de auditagem do voto, encaminharem contrariamente por uma questão meramente política. Isso é o atraso da própria atividade política.
A impressão do voto e a possibilidade de sua conferência é um avanço.
Há um discurso raso, equivocado, na Câmara, de que isso serviria para que Bolsonaro seguisse a cartilha do presidente Trump para no futuro contestar o resultado das eleições. É exatamente o contrário. O que fez com que o falso discurso do presidente Trump, de fraude nas eleições, caísse quase que no ridículo, e fez com que ele ficasse totalmente isolado, foi que naqueles estados onde ele dizia que teria havido fraude, houve recontagem dos votos. Isso tornou quase que caricata aquela postura. Porque houve a conferência dos votos. E isso é saudável e bom para a democracia.
Se aprovado o voto impresso, Bolsonaro perderia esse discurso de fraude?
Retira não apenas dele, no futuro, [mas de] qualquer dirigente, seja presidente, governador de viés autoritário, qualquer discurso golpista. Porque a possibilidade da conferência vai existir. Eu disse ao ministro [Luís Roberto] Barroso: eu confio nas urnas, o discurso de Vossa Excelência é extremamente eloquente, mas não é suficiente para que a sociedade, no seu conjunto, tenha a convicção de que ela precisa ter de que as urnas eletrônicas traduzem o resultado fiel, apontado pela maioria dos eleitores. A possibilidade da conferência, mesmo por amostragem, é uma garantia à democracia.
E defendo que isso seja feito como lá atrás, no início do processo eletrônico, parcialmente. Não acho possível que no ano que vem tenhamos a totalidade das urnas – inclusive nisso divirjo da própria autora [Bia Kicis, do PSL-DF] e de outros parlamentares que defendem esse projeto. Se conseguirmos fazer isso no percentual de 15 a 20% da urnas ou quem sabe nas urnas das capitais para o próximo ano, já é o início do processo. Até para que eventuais falhas possam ser superadas ao longo desse processo. Mas temos de desinterditar esse debate.
Após a eleição de 2014, o PSDB pediu uma auditoria das urnas eletrônicas e concluiu que o sistema era inauditável, embora o TSE diga os partidos sempre podem verificar a programação do sistema.
O professor Diego Aranha, associado a uma universidade da Dinamarca, extremamente respeitado, diz de forma muito clara que qualquer atacante racional vai tentar adulterar o software antes da instalação nas urnas. Isso quebra um pouco o argumento de que ela é auditável pelos partidos políticos.
Barroso diz que o voto impresso poderia estimular a compra do voto, se o político conferir a composição completa das escolhas na recontagem em papel ou um número específico inexistente que ele recomendou para anular o voto em determinado candidato. Também diz que a recontagem estaria sujeita a fraudes e traria uma enorme confusão e atraso para a apuração dos resultados. O que sr. diz sobre essas objeções?
O ministro estava defendendo uma tese, da qual discordo, de que os votos de cada eleitor seriam feitos em sequência numa única comprovação de papel. Não é isso que estamos propondo: de que cada voto, para cada cargo, você confirma e ele cai na urna. Um voto impresso para cada cargo. Não há possibilidade de identificação [por um arranjo específico das escolhas determinado pelo político]. Para cada voto [para um cargo] um papelzinho.
Na questão da recontagem, não é por você pedir uma recontagem, que isso vai ser dado. Se não houve indícios mínimos de que houve manipulação, fraude, cabe à Justiça Eleitoral negar isso. E é o que ela vai fazer. Isso não vai ser um instrumento de disputa eleitoral após a eleição de derrotados. ‘Quero que reconte lá porque acho que ganhei’. Não é assim. Essa recontagem vai ser exceção e caberá à Justiça Eleitoral aprovar ou não.
Barroso diz que o software é mais confiável que a recontagem manual. Se houver uma discrepância entre o resultado eletrônico e o impresso, como fica?
Vale o resultado impresso, porque é físico. Na recontagem, vão estar presentes os representantes de cada candidato, dos partidos. Mas isso vai ser a exceção. Pode ser até que, se o TSE quiser se antecipar, por amostragem, com o voto em papel, definir que 100, 200, 500 mil urnas no Brasil vão ser, por iniciativa do próprio tribunal, confrontadas com o resultado. Talvez seja um gesto para dar às pessoas segurança.
Quanto à disputa eleitoral de 2022, que tipo de candidato o sr. defende para quebrar a polarização entre Lula e Bolsonaro?
Temos hoje 25% que votarão em Bolsonaro em qualquer circunstância. No outro extremo, teremos 25% que votarão em Lula em qualquer circunstância. Mas temos um universo no centro, em torno de 50%, que se não houver grande esforço nosso, de construir uma terceira via minimamente viável, que vai votar ‘não’. Vai votar ‘não quero Bolsonaro de forma alguma, vou votar no Lula’ ou ‘não aceito Lula e o retorno do PT de forma alguma, vou votar no Bolsonaro’.
É muito pouco para o Brasil, é um quadro muito pobre para um país com os desafios do Brasil.
Por isso eu tenho defendido, talvez até com algumas incompreensões, que o PSDB tenha o papel central de ser um grande articulador dessa terceira via de centro. Pode ser do PSDB? Eu adoraria. Pode ser de algum outro partido do campo mais central? Se for mais viável, acredito que poderia também. Por isso, considero ainda prematura a realização das prévias neste ano.
Sempre disse que este ano deveria ser da construção dessa convergência, dessa aliança. Está aí o senador Tasso [Jereissati] como nome colocado. Temos o governador do Rio Grande do Sul [Eduardo Leite], que é uma novidade. Ambos dispostos a avançar na construção com outras forças de fora do PSDB nessa alternativa.
E tem a candidatura do governador de São Paulo [João Doria], que se coloca, a meu ver, de forma diferente. Ele quer ser candidato à Presidência da República, a meu ver, muito menos para ganhar a eleição e muito mais para resolver sua equação regional. Por isso, tenho dito que o PSDB não pode ser orientado por interesses meramente pessoais ou vaidades pessoais, por quem quer que seja.
Nunca foi assim. Estou no PSDB desde seu nascedouro. As candidaturas presidenciais do partido foram construídas através do convencimento e não pela imposição. Estamos no meio da discussão de um processo de prévias, a meu ver, equivocadamente antecipadas. O momento dessas prévias seria no início do ano que vem, na minha avaliação, se nós não conseguíssemos até lá construir essa reorganização do centro. E eu temo que uma decisão tomada a partir da força política, ou da pressão internamente, acabe não só por derrotar o PSDB, mas por derrotar a possibilidade de uma terceira via viável.
O sr. acha que Doria teria votos no Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, fora do Sudeste e Sul?
Eu não acredito que tenha sequer nas regiões que você citou [Sudeste e Sul]. Não é uma constatação minha, é constatação geral e expressa nas pesquisas eleitorais. Tanto que, mesmo no Sul, que talvez fosse o terreno mais fértil para sua candidatura, nós temos uma candidatura que se contrapõe à dele.
No meu sentimento, faria melhor o governador de São Paulo se ele tivesse construído seu projeto em São Paulo, que era mais natural uma reeleição para que o PSDB mantivesse ali suas bases, afinal de contas são inúmeras eleições em que o PSDB governa São Paulo com êxito. Esse me pareceria o caminho mais natural.
Porque uma candidatura imposta, mesmo que vencendo uma prévia a partir de utilização de determinados instrumentos, não significará a vontade da maioria do partido. E isso pode nos levar, infelizmente, a uma dispersão de candidaturas do PSDB para outros partidos – me refiro a candidaturas congressuais.
Tenho defendido que o PSDB busque participar dessa terceira via, eventualmente com candidatura que agregue outras forças políticas, mas que se dedique sim a ampliar sua força no Parlamento. Meu sentimento é de que nesse pós-2022, se prevalecer a polarização, a sociedade vai estar tão exaurida e cansada desse confronto, que pode ser que o PSDB surja um pouco à frente como o partido responsável pela reinstitucionalização da política, mais ao centro, com um projeto racional para o país, sem esses arroubos extremistas de lado a lado. Mas para isso, temos que sobreviver a essa eleição. E eu temo que uma má condução desse processo possa nos levar a um definhamento e o PSDB aparecer após 2022 como um partido nanico aqui no Congresso. O que não será certamente bom para o PSDB, mas será péssimo para o Brasil, pelo que nós representamos.
O sr. assumiu recentemente a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, substituindo Eduardo Bolsonaro. Como o sr. vê a mudança no Itamaraty? Houve mudança na política externa com a substituição de Ernesto Araújo por Carlos França?
Nosso papel é contribuir para o resgate das tradições da política externa brasileira, que são o não alinhamento automático a quem quer que seja; não exercer preconceitos de ordem ideológica contra quem quer que seja e exercermos a diplomacia pragmática. Temos que respeitar o multilateralismo, nos reinserirmos em fóruns e mecanismos dos quais nos afastamos nos últimos anos.
O Brasil não tem sido muito feliz na sua política externa. Vivemos um período anterior a esse governo de um alinhamento longo a um folclórico e esdrúxulo bolivarianismo regional, onde a figura central era a da Venezuela. Nos subordinamos no período do governo do PT a essa condução. Criamos uma animosidade desnecessária na relação com os Estados Unidos e buscamos alinhamento ideológico mais à esquerda com regimes populistas.
Passou-se o tempo, houve um hiato de maior racionalidade no período do governo de Michel Temer, onde não por coincidência, dois companheiros do PSDB ocuparam o Ministério das Relações Exteriores, senador José Serra e senador Aloysio Nunes.
E depois tivemos o inverso. Uma presença do ministro Ernesto Araújo, onde ele passou a ser muito mais um propagandista das suas convicções ideológicas, doutrinárias e de um grupo que cercava o presidente, do que efetivamente de um ministro das Relações Exteriores.
A chegada do ministro Carlos França muda o ambiente, radicalmente. Percebo isso porque converso quase que diariamente com embaixadores das várias regiões do mundo, dos mais importantes países do mundo e essa percepção é de todos eles. O ministro Carlos França consegue aos poucos ir resgatando essa tradição da nossa política exterior e nos reinserindo naquilo que chamamos de multilateralismo.
Esta semana o Brasil altera, pela primeira vez, a sua posição em Genebra junto à OMC [Organização Mundial do Comércio] e passa a admitir a flexibilização das patentes em tempos de pandemia. É apenas uma das posições que mostra uma reorganização da nossa política externa.
Existe um fato concreto: o Brasil está como a OMS [Organização Mundial da Saúde], dependente de alguns poucos fornecedores, países ou laboratórios, que ofertam vacinas para o mundo. Claro que alguns arroubos de algumas autoridades aqui, sobretudo em relação à China, não ajudam nessa relação. Mas ouvi do embaixador chinês, mais de uma vez, que as relações do Brasil com a China estão muito acima de governos.
Eles têm a noção clara da relação estratégica, inclusive a partir de interesses deles, que nos unem, e não vão fazer qualquer tipo de retaliação ao Brasil, em razão de alguns posicionamentos, que inclusive têm sido abrandados aqui no Brasil.
Há sim mudança na política externa que tem sido benéfica ao Brasil.