A Copa do Mundo Feminina inicia nesta quinta-feira (20), uma edição marcada pela luta e busca pela valorização do futebol feminino em nosso país. Momento de rever o incrível futebol das mais veteranas como a camisa 10, Marta, mas também para o surgimento de novos nomes como apostas para o esporte. Para o potiguar, é momento de se orgulhar de ter nossa conterrânea, Antônia, representando o Rio Grande do Norte na Seleção.
Mas, nem tudo são flores quando se trata de futebol feminino e valorização, a rotina dessas jovens jogadoras não é fácil, principalmente para conciliar a vida pessoal e o sonho de se tornar uma jogadora profissional. A técnica e dirigente do ABC União, Walessa Silva, relata como é a realidade dentro do clube: “nós temos atletas que hoje acordam às 5 horas da manhã, vão para a faculdade, da faculdade, vêm para o treino. Dentro do nosso projeto, as meninas que têm aptidão ou que já estão cursando educação física, elas têm uma academia onde elas fazem estágio pelo nosso clube. Além disso, por sermos a única equipe no Brasil que é composta sua diretoria e presidência por atletas e ex-atletas, então quando as meninas não estão jogando, estão exercendo outras funções administrativas”.
É o caso da goleira do clube, Naiara Costa: “durante o período da manhã estou na faculdade, cursando educação física, quando termino a aula já sigo direto para o clube para treinar em campo e ir para academia do clube”, enfatiza ainda a aplicação da faculdade em sua vida de jogadora: “dentro do clube consigo aprender muito mais, por terem inúmeros profissionais capacitados que nos ajudam e orientam, desde as atividades em campo até a musculação”.
A rotina puxada para conciliar a vida profissional e pessoal, também faz parte da vida de quem está nos bastidores, como explica Walessa: “a nossa fotógrafa e diretora, Marília, é casada e mãe de dois filhos e precisa conciliar o cuidado com a família e os afazeres do clube, o desejo é que ficasse integral aqui, mas não temos condições financeiras de manter alguém para ficar 100% à disposição do clube”.
O sonho de ser atleta profissional é o principal objetivo de muitas meninas, que por vezes deixam suas cidades em busca desse sonho, é o caso da volante Laysa Sobrinho, de 19 anos, se mudou para Natal em busca de uma oportunidade: “tudo começou na época de escola, lá na minha cidade de Boa Saúde, quando eu praticava atletismo mas foi no futebol que me encontrei. No dia 14 de janeiro, vi que teria um teste aqui no ABC União e resolvi fazer, desde então fiquei e estou morando aqui”.
A capitã do time, Gabi Barroso, também se aventura desde cedo na busca por uma carreira: “eu morava em Florianópolis e durante uma brincadeira na praia recebi um convite, aos 19 anos comecei a jogar profissionalmente. Já rodei em vários clubes como Grêmio, Internacional, Bahia, mas desde que cheguei, no ano passado, aqui no União me senti acolhida e vi aqui um propósito, grande potencial do clube crescer. Para mim, a maior dificuldade foi não termos conseguido ir para o Campeonato Brasileiro”.
Para o futuro, a capitã afirma: “para o futuro a gente espera de verdade que as coisas melhorem, já perdemos tanto tempo, hoje ainda ver que situações são travadas pelo preconceito é triste. Eu espero que o futebol feminino seja visto de maneira séria, valorizado, que a gente tenha mais competições e possam estar revelando mais meninas. E, acima de tudo, o sonho pela igualdade, a igualdade financeira, de valorização e reconhecimento”.
Falta de organização e apoio deixaram o time fora do Campeonato Brasileiro
Recentemente, o ABC União Futebol Feminino, clube pioneiro na modalidade, fundado no ano de 1983, teve seu sonho de disputar o Campeonato Brasileiro, série A3, interrompido após um erro na construção do Campeonato Potiguar, ao qual não obedecia aos critérios básicos para inserir um representante na competição nacional. De acordo com o Regulamento Geral das Competições da CBF para o ano de 2022, quando se trata da realização de um torneio que tem o objetivo de classificar clubes para competições nacionais, somente os certames que contarem com um mínimo de quatro clubes serão reconhecidos pela confederação, o que não foi cumprido pelo regulamento do Campeonato Potiguar do mesmo ano, onde somente três equipes participaram.
Walessa enfatiza a luta: “hoje nós estamos lutando muito para que a gente possa tornar e transformar a nossa modalidade aqui no estado em uma realidade, esse ano devido a um erro grotesco e grosseiro da federação que, por sinal, até hoje não deu nenhum respaldo para a gente, estamos ainda aqui lutando muito diante de tantas dívidas deixadas e causadas pela falta de atenção, de cuidado, de respeito e de profissionalismo da federação e a gente ter perdido a nossa vaga para o campeonato brasileiro série a3”.
Outro fator agravante é a falta de apoio por parte de órgãos públicos e a federação, o que ocasiona a evasão de muitas atletas, ressalta a técnica: “não existe interesse por parte da federação, do governo em investir no futebol feminino. O exemplo disso é a Antônia que precisou sair do nosso estado e tentar carreira fora, assim também foi com Suzana, antigamente jogou os campeonatos locais e inclusive, no ABC União, mas também foi para fora para conseguir ter sucesso e fazer sua carreira”.
Projeto visa mostrar o número de praticantes no estado
Um projeto do clube promete mudar a situação. “Nós decidimos criar um projeto que tem como objetivo fazer uma pesquisa de campo e levantar dados de números de praticantes de futebol no nosso estado, estimativas de número, no caso de mulheres, quais projetos existem, quem são essas pessoas, onde estão e quais as dificuldades que enfrentam, e se nessas cidades que nós estamos indo, essas equipes elas têm o apoio do poder público e se há o desejo de participar de competições como campeonato estadual”, revela Walessa.
De acordo com a dirigente e técnica, o projeto irá visitar as 167 cidades do estado para mostrar às nossas autoridades e sociedade o grande número de praticantes de futebol feminino no RN e que sonham em ser atletas profissionais de futebol. “Estamos vendo no nosso estado todo ano uma deficiência, um déficit e uma evasão gritante de clubes que não querem participar dessa competição e nós entendemos que justamente pela falta de valorização a nós mulheres, aos projetos e até os clubes de camisa que com certeza não veem nenhuma vantagem em participar de um campeonato que cobra caríssimo. Além disso, não tem investimento nas categorias base, não se olha para o futebol feminino da mesma forma que o masculino”.
FNF explica a Exclusão do ABC União
Procurados por nossa equipe de reportagem, a Federação Norte-Rio-Grandense esclareceu por meio de nota a situação ocorrida com o ABC União: “A Federação Norte-Rio-Grandense de Futebol esclarece que tomou todas as providências legais em relação ao acesso do filiado Sociedade Esportiva União ao Campeonato Brasileiro Série A3.
O Campeonato Potiguar Feminino 2022 foi realizado cumprindo as exigências do edital de convocação, inclusive conselho arbitral com cinco clubes. No entanto, no decorrer dos trâmites, houve a desistência de dois participantes. A FNF realizou o campeonato de forma a cumprir o calendário, informando à Confederação Brasileira de Futebol sobre a conquista do União. Foram tomadas todas as providências junto à CBF para reconsiderar a decisão de exclusão do representante do Rio Grande do Norte.”