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ARTIGO: ESTÓRIAS CONTROVERSAS

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Marcelo Alves Dias de Souza

Procurador Regional da República

Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

Cuidarei aqui de alguns livros “controversos”, temática à qual sempre me dedico pesquisando em “120 Banned Books: Censorship Histories of World Literature” (Checkmark Books, 2011), de Nicholas J. Karolides, Margaret Bald e Dawn B. Sova. Mas hoje especialmente farei uso de uma lista elaborada pelo site literário Book Riot, que relaciona “9 of the Most Controversial Books Published in English”. Não me perguntem o porquê desses nove livros. Também não gostei da conta. Vou reduzi-la para três, que é número forte, aparecendo tanto na Santíssima Trindade como no ménage à trois. E, assim, agrado aos dois lados da polêmica que explorarei, relacionada ao caráter sexual e “pecaminoso” das obras citadas a seguir.

Parto com um must da temática: “Lady Chatterley’s Lover” (1928), de D.H. Lawrence (1885-1930). Trata-se da estória da Lady do título, cujo marido fica inválido em decorrência de ferimentos de guerra. Ela busca o sexo adúltero. E há muita “pornografia”, claro. Escândalo no Reino Unido quando o livro foi às ruas (in casu, às estantes dos livreiros de então). E olhem que era uma versão expurgada de alguns trechos. Foi banida em vários países mundo afora. Na íntegra, só foi publicada no Reino Unido em 1960, décadas após a morte do autor, sob a égide de uma nova lei, “Obscene Publications Act” de 1959, e da clássica decisão em R v Penguin Books Ltd (1960). É importante anotar que D.H. Lawrence já havia causado barulho com “Sons and Lovers” (1913), “The Rainbow” (1915) e “Women in Love” (1920). De toda sorte, acredito que hoje as aventuras da Lady não causariam tanto frisson assim.

Até o festejado “Ulysses” (1922), de James Joyce (1882-1941), uma das obras-primas da literatura do século XX, não passou incólume pela outrora onipresente “censura” (seja do Estado ou mesmo oficiosa). Originalmente publicado na França, há muitas controvérsias sobre o “Odisseu” irlandês. Discrepância entre as edições e entre as traduções. Texto dificílimo. Mas, como consta de “120 Banned Books: Censorship Histories of World Literature”: “Escrito no que é chamado fluxo de consciência, Ulysses tem lugar em um dia, 16 de junho de 1904, e descreve os pensamentos, sentimentos, palavras e ações de Leopold Bloom, sua esposa Molly e Stephen Dedalus. O romance foi severamente criticado por explicitamente descrever prazeres físicos e sensuais, fazer referências aos processos excretores e retratar incidentes sexuais em termos explícitos. Ademais, reclamou-se da sua linguagem, que contém numerosos usos do ‘foda-se’, assim como frequentes referências às genitálias, tipo ‘vagina’, ‘escroto’, ‘pênis’, ‘hímen’ e outros eufemismos para estas partes do nosso corpo”. Bom, também acredito que isso seja linguagem banal na arte dos nossos dias.

Um problema mais sério temos com “Lolita” (1955), de Vladimir Nabokov (1899-1977). Aqui a personagem-título, a Lolita, garota de 12 anos, vive um relacionamento pedófilo com o padrasto Humbert Humbert. Nabokov até teve dificuldade em encontrar editor para o livro (as casas Simon and Schuster e Doubleday, por exemplo, recusaram o dito cujo). Ele saiu pela Olympia Press, editora francesa que trabalhava com publicações “eróticas”. O livro chegou a ser banido em alguns países. O ponto é: ao contrário de “Lady Chatterley’s Lover” e de “Ulysses”, a controvérsia em torno de “Lolita”, em vez de diminuir, com o tempo aumentou. O tema é perturbador – falo da pedofilia –, e os leitores contemporâneos são bem mais aversos ao “abuso sexual” de Lolita do que eram os leitores em 1955. Num plano interpretativo, há quem acredite na versão de Humbert de que Lolita o assediou. Mas há também quem considere essa versão não confiável, chamando-o de estuprador. Fato: é um livro impactante. E ainda recordo minhas sensações quando, no fim da adolescência, li-o pela primeira vez. Ao cabo, sob o ponto de vista artístico, “Lolita” é um livro primoroso. Fina prosa, é também um livro sobre literatura. É interpretado e reinterpretado. Cinema, teatro, música, TV etc. Um ícone. Uma obra-prima, sem dúvida.

O que era ontem controverso pode não ser mais hoje. E vice-versa. Os velhos argumentos ou a vetusta legislação para banir livros supostamente obscenos já não mais perdura, pelo menos entre nós, acredito. E há muitíssimas formas de publicação independente. Graças a Deus. Nossos problemas são diferentes. Mas isso é assunto para uma outra conversa.


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