A implementação das audiências de custódia foi lançada em 2015, e consiste na rápida apresentação daquele acusado perante a um juiz em uma audiência onde também são ouvidos o seu advogado de defesa ou a Defensoria Pública, que irá representá-lo como Ministério Público. Essa iniciativa ocorre em função do sistema prisional brasileiro se encontrar sistemicamente inchado, como explica ao Diário do RN o advogado criminalista, Victor Forte.
“A jurisprudência brasileira, com o advento da audiência de custódia, passou a excluir pessoas que cometeram crime sem cometer violência ou grave ameaça, ou que fossem hediondos, como detentores do direito de responder em liberdade e utilizando para tanto o artigo 319 do Código de Processo Penal, que descreve e menciona expressamente nove medidas cautelares diversas da prisão”.
No conhecimento popular, há uma crença de que as audiências de custódia ‘soltam’ os cometedores de crimes e trazem um aumento da criminalidade, embora essas audiências tenham o respaldo da legislação.
“Causou na sociedade, onde a maioria – obviamente – não pactua com o crime, um sentimento de impunidade. Mas a verdade é que o aspecto principal é dar legalidade à prisão, à regularidade do flagrante e respeitar estes pactos. É nesse momento da audiência de custódia que são analisados os aspectos de legalidade, se o flagrante foi regular e a necessidade e a adequação da continuidade dessa prisão, porque muitas vezes tivemos no nosso país a prisão de pessoas que foram colocadas em cárceres de maneira injusta. Então, a audiência de custódia veio também não só para desinchar o sistema prisional, como dar legalidade ao tipo de prisão que aquela pessoa, que aquele cidadão estava passando”.
Conforme o especialista, diante dessas audiências, as solturas ocorrem por respaldo da lei, discordando da ideia de que juízes colaboram para a liberdade de pessoas acusadas de cometer algum crime.
“Os juízes, na verdade, agem de ofício e de acordo com a lei. A lei hoje faz uma previsão da audiência de custódia e, se aquele crime não tem um cometimento de violência ou grave ameaça contra a vítima, não é um crime hediondo. E, ao mesmo tempo, respeitando os pactos internacionais de direitos humanos, civis e políticos de que o Brasil faz parte, nada mais justo que ele dê esse direito ao acusado. Caso este acusado não siga os ditames cautelares do artigo 319 anteriormente citado, obviamente ele será colocado em cárcere mais uma vez”.
Violência doméstica é um dos principais crimes nas audiências e ocorrências se concentram nos finais de semana
Segundo os dados do Conselho Nacional de Justiça, em 2023, o RN registrou 7.214 audiências que resultaram em 3.355 liberdades e 3.841 prisões. Em todo o Brasil, foram registradas mais de 54% de prisões por intermédio das audiências de custódia. No RN, essa marca alcançou 60%. Segundo Diego Dantas, coordenador das audiências de custódia do RN, o número de audiências de custódia tem se mantido na mesma média no Estado nos últimos 3 anos. Para o coordenador, a crença de que as audiências de custódia soltam os indivíduos é um problema legislativo.
“A mesma sensação que a população tem, de ‘chateação’ por alguém ter sido solto após cometer um crime, é a nossa, também, dos juízes. A gente não pode decretar a prisão em casos em que a legislação não tem elementos para isso, não justifique”.
De acordo com o Tribunal de Justiça do RN, com base em relatório apontado pela Coordenadoria da Mulher, as audiências de custódia relacionadas à violência contra a mulher tiveram um aumento de 75% no RN em 2023. Diego Dantas destaca que, de fato, a maioria das audiências de custódia é de violência doméstica, os perfis desses infratores são homens jovens. Um dado curioso é que, segundo o coordenador, a maioria das audiências de custódia de Maria da Penha ocorre na segunda-feira, em função dos atos que acontecem geralmente aos fins de semana, quando geralmente as pessoas ‘estão de folga’, e muitos desses indivíduos abusam do álcool.
Apesar desse aumento, Diego Dantas ressalta que é importante destacar o desempenho do Rio Grande do Norte ao nível nacional, reforçando que a crença de uma polícia que ‘solta bandido’ é errônea diante do quantitativo de policiais no RN.
“O nosso número de decretações de prisões é alto no RN, temos em torno de 60% de prisões e 40% de soltura, nossa média é até um pouco superior à média nacional. Temos um efetivo baixo de policiais no estado e isso gera uma sensação de insegurança e quando as prisões ocorrem, o juiz fica obrigado a analisar a prisão de acordo com a legislação. A gente não pode passar por cima”.