
Por: Carlos Emerenciano
Arquiteto e advogado
1° de setembro de 2004. Militantes chechenos ocuparam uma escola em Beslan, cidade russa, fazendo mais de mil reféns, entre eles centenas de crianças. Exigiam o reconhecimento da independência da Chechênia.
No terceiro dia do impasse, as forças russas de segurança, ignorando o risco daquela ação para a vida dos reféns, invadiram o prédio com tanques e armas pesadas. Resultado trágico: mais de 300 mortos, entre os quais 156 crianças.
O massacre de Beslan, como ficou conhecido, contribuiu para a escalada de poder do presidente Vladimir Putin, com o maior sufocamento, a partir daquele momento, das lideranças de oposição e repressão a qualquer ato que pudesse significar protesto contra o governo.
Construía-se a imagem de um líder inflexível e poderoso que trabalharia incansavelmente para a glória da Mãe Rússia, nem que isso acarretasse a morte de crianças inocentes que deveriam ser acolhidas e protegidas pela Pátria Mãe.
Lembrei desse episódio ao ver a notícia do bombardeio de um hospital infantil e maternidade em Mariupol, na Ucrânia, por parte das forças russas. Um evidente e repugnante crime de guerra.
Logo pensei: se no sonho nacionalista de uma Rússia mais forte não havia espaço para as próprias crianças russas, não seriam os infantes ucranianos, fora ou dentro dos ventres de suas mães, a suscitarem uma reflexão humana.
Os Senhores da Guerra parecem estar à solta a nos assombrar. Há uma escalada de uma visão de mundo que enxerga os Estados além das pessoas, como se o elemento Povo não fosse essencial para a compreensão do conceito de Nação.
Visões extremadas à esquerda e à direita justificam os atos de guerra e fazem um exercício contorcionista para amenizá-los. O imbecil-mor Donald Trump parece ter tocado o berrante e dado o sinal para os idiotas de todo o mundo, quando classificou a invasão russa como “genial”.
Estamos numa encruzilhada em que todos perdem. Invariavelmente é o resultado da guerra. Perde a Ucrânia com seu território devastado, mortes e 2 milhões de ucranianos buscando refúgio em outros países, em grave crise humanitária. Perde a Rússia, principalmente o seu povo, com as duras sanções impostas pelos países ocidentais capitaneados pelos Estados Unidos. Perdemos todos que levamos ainda conosco um mínimo de humanidade.
Leon Tolstói, genial escritor russo, suscita as seguintes reflexões atemporais, através de uma personagem no clássico “Guerra e Paz”: “o que é ruim? O que é bom? O que se deve amar e o que se deve odiar? Para que se deve viver e o que eu sou? O que é a vida e o que é a morte? Que força governa tudo?”. Tolstói se refugiava no campo para escrever os seus romances e ocupava parte do seu tempo ensinando as crianças campesinas. Para as crianças, idosos e mulheres (historicamente violentadas em ambiente de guerra) deveriam ser voltados todos os esforços. As pessoas deveriam estar no centro das atenções. A paz não é apenas um meio. É o resultado a ser buscado a todo custo.