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MACAU, UM PRESENTE DAS ÁGUAS – O BATISMO DO NOME

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Ir ao Brasil para descobrir a origem de Macau | Revista Macau
                                (Horácio de Paiva Oliveira)

    Nasci em Macau, “das mais ricas terras pequeninas”, de “alvas e esplêndidas salinas, as melhores salinas do universo”, na expressão lírica e descritiva da consagrada poesia de nosso Edinor Avelino.
    Macau encanta a partir do próprio nome, cuja origem é discutível, sobrepondo-se, num primeiro momento, duas hipóteses, ambas belas, poéticas e metafóricas. Mas há uma terceira, e talvez outras, ainda não postas em discussão. 
    Também não há registro, nos dados históricos conhecidos, de quando, em qual data e pela primeira vez, o topônimo foi empregado à região, sendo certo, porém, que a tradição e a oralidade antecedem, em muito, a escrita. 
    Enfim, o que traduz o topônimo MACAU, qual a origem de sua adoção?

A natureza? Alguma homenagem, ou mesmo semelhança com outra urbe?


Tem-se que a região já aparece documentada em velhos mapas do século XVI, como são exemplos o do italiano Alberto Cantino (na realidade, cópia por ele adquirida clandestinamente em Portugal, em 1502, e vendida a Hércules I, d’Este, então Duque de Ferrara e Módena), hoje na Biblioteca Estense, de Módena, e o do francês Jacques de Vaulx de Claye, “Partie de la Guyane et Littoral du Brésil depuis la Guyane jusqu’au Rio Real”, de 1579, atualmente na Biblioteca Nacional da França, em Paris – ambos oportunamente reproduzidos pelo historiador macauense Getúlio Moura, in “Um Rio Grande e Macau – Cronologia da História Geral”, obra de importância indiscutível.


Não obstante os dois mapas virem ilustrados com desenhos de araras vermelhas, chamadas araras-macao (araracangas, em tupi; ara macao, na nomenclatura binomial de Linnaeus), o de Jacques de Vaulx de Claye os situa na foz do Rio Piranhas ou Assu, onde também se localiza a Ilha de Macau. E aqui se chega ao encontro mais natural, encantador e antigo com o nome da região: Macau.


É, pois, apropriado repetir o que dissera Paulo Carmo, na sua “Viagem pelo nome Macau” (in Getúlio Moura, obra citada): “Assim como à ‘ilha do tesouro’ está ligado um papagaio, também ‘Macau’, o nome que é uma aventura, está ligado, por homofonia, ao de um pássaro – ara macao -, a que costumamos chamar arara e que os ingleses denominam ‘macaw’, que habita nas florestas tropicais da América do Sul. Desde os princípios do século XVI, quando os portugueses começaram a trazer estas coloridas aves para a Europa, que o seu nome é como um sinônimo de exotismo.” A propósito da grafia inglesa “macaw”, registra o “Cambridge Dictionary”: “MACAW: a brightly coloured bird of the parrot family found in Central and South America” (um pássaro de colorido brilhante da família dos papagaios existente na América Central e do Sul).


Esse é o nome e sua origem, assim afirmado desde o século XVI, quando ainda não habitada nossa querida ilha: em imagens, pela cartografia; na vida selvagem, pela natureza, pela abundância outrora de araras macao (hoje extintas na localidade) e trazida à palavra na força viva da correnteza oral, macao, macaw, macau.

Como se vê, essa tese – adotada por Olavo de Medeiros Filho e Getúlio Moura – afasta-se da originalmente apresentada por Luís da Câmara Cascudo, que entendia o nome Macau como transposição daquele que designa a ex-província portuguesa de Macau, na China. Assim diz Cascudo, in “Nomes da Terra”: “MACAU: – Município, 1947. Ilha de Macau, 1797. Do chinês A-ma-ngao, abrigo ou porto de AMA, a deusa dos navegantes, dando Amacau e Macau. Fernão Mendes Pinto escrevia Amaquá, em novembro de 1555. Província ultramarina de Portugal na China.” Fernão Mendes Pinto foi soldado, aventureiro, corsário, comerciante, explorador, escritor e até missionário português e participou de uma das primeiras expedições portuguesas que, em meados do século XVI, lograram alcançar o Japão.


A expressão “A-ma-ngao”, de origem chinesa, foi adotada no brasão da cidade brasileira em 1975, quando se comemorava o centenário de sua emancipação. As pesquisas e estudos que fundamentam a “origem brasileira do nome” como derivado da Ara macao somente se desenvolveriam e, afinal, se consolidariam após essa data.


Por outro lado, Cascudo esclarece que “A Ilha de MACAU já possuía esse nome velho em maio de 1797 mas seria povoada apenas na década 1820-1830. Anteriormente seria deserta, por não ter água.” A referência a 1797 certamente tem ligação documental: uma velha escritura lavrada em Recife, datada de 15 de maio de 1797, registra a venda que fez D. Francisca Rosa da Fonseca do lugar chamado “Macao”, dentre outros por ela alienados. Ferreira Nobre, em sua “Breve História sobre a Província do Rio Grande do Norte”, diz: “Afirma a tradição que no ano de 1715, a população da ilha de Manoel Gonçalves, obrigada pela inundação, deixou aquele lugar e encontrando terreno sólido e plano à margem do Rio de Macau, aí estabeleceu fazendas de gados, pescarias e salinas.” A aplicação do nome à região, entretanto, deve anteceder em dois séculos essas datas e a própria ocupação da ilha por europeus ou seus descendentes, como se constata daqueles velhos mapas assinalados. Antes mesmo, a ave, a Ara Macao, ali estava, “linda, posta em sossego”, à espreita, como semente da futura designação.


Manoel Rodrigues de Melo, que anota a 2ª edição do citado livro de Ferreira Nobre, ao esclarecer o povoamento de Macau através dos habitantes oriundos da Ilha de Manoel Gonçalves, tragada pelo mar, também salienta o fato de que à ilha de Macau primeiro chegou a denominação, depois a ocupação. Diz: “O nome de Macau, porém, é anterior à fundação da “segunda povoação”. Em 1797, já existia o lugar chamado Macau.”

No terceiro lado do triângulo, há uma insólita Macau a desafiar nossa imaginação. S’il vous plaît, pronunciem “Macô”, pois é francesa.

Macau francesa, importante produtora de vinho, fica a cerca de dezoito quilômetros ao Norte de Bordéus (Bordeaux), no departamento da Gironda, na Aquitânia, sudoeste da França. Situa-se às margens do Rio Garona, próximo à sua foz no Atlântico, tem área de 19,5 km² e clima quente e temperado (verões quentes e invernos não muito rigorosos). Seus naturais são chamados macaudais (homens) e macaudaises (mulheres). Contava, em 2010, com 3.486 habitantes. Trata-se de cidade antiga, que remonta aos tempos galo-romanos, segundo atestam vestígios de estradas romanas, havendo sofrido uma destruição no século IX, pelos normandos.


Segundo os pesquisadores franceses Albert Dauzart (1877-1955) e Charles Rostaing (1904-1999), o nome Macau tem origem latina e deriva da expressão “malum cavum” (“má cova”, “abertura má”, “má passagem”, “entrada perigosa”), e certamente alude a perigos naturais à navegação, tais como bancos de areia e fortes correntezas, que podem emboscar o navegante, dificultando sua entrada no rio.
Ainda segundo esses pesquisadores, textos medievais dos séculos XI e XII apresentam grafias diversas, como, além de “Macau”, “Macault”, “Maco”, “Machau”, “Machao”, “Maquau”, e também formas latinizadas da expressão “malum cavum”, tais como “Male Cauculum”, “Maucalhau”, “Maucaillou”. Entretanto, deduzem que o topônimo seja ainda mais antigo que a época de ocupação romana e provavelmente originário dos gauleses ou celtas que dominaram a região.


Teriam navegadores franceses vislumbrado semelhanças geomorfológicas entre as duas regiões e daí trazido à nossa terra o mesmo nome daquela Macau? Mas assim, poder-se-ia dizer o mesmo dos portugueses, em relação à Macau chinesa, na foz e delta do Rio das Pérolas, embora sua presença efetiva aí, no chamado Porto de A-Ma, onde desembarcaram, pela primeira vez, entre 1523 e 1555, somente tenha ocorrido a partir de 1555/1557, quando já conheciam nosso litoral, inclusive foz e delta do Rio Piranhas-Assu, que registra passagem de europeus a partir de 1499/1500. Europeus espanhóis, também, como anota João Ribeiro em sua clássica “História do Brasil”: “À viagem de Pinzón precede a de Alonso de Hojeda que, em companhia de Vespúcio e Juan de la Cosa, em junho de 1499, encontra uma terra alagada a 5° de latitude sul e parece ser a do Rio Grande do Norte, no delta do Açu.”

Nesse encanto e encontro há mistério e desafio… mas não para a imperturbável tranquilidade das águas dos rios e dos oceanos que testemunham há milênios as semelhanças entre as três irmãs. E muito menos em relação à Macau brasileira, onde as araras Macao, protagonistas outrora, mas infelizmente hoje da região desaparecidas, repetem ab aeterno que são a nossa melhor resposta.

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Referências bibliográficas:
Avelino, Edinor – SÍNTESES (Edição comemorativa, Prefeitura de Macau, 1998)
Moura, Getúlio – UM RIO GRANDE E MACAU – CRONOLOGIA DA HISTÓRIA
GERAL (ICEC – Imperial Casa Editora da Casqueira, 2005)
Cascudo, Luís da Câmara – NOMES DA TERRA – HISTÓRIA, GEOGRAFIA E TOPONÍMIA DO RIO GRANDE DO NORTE (Fundação José Augusto, 1968)
Nobre, Manoel Ferreira – BREVE NOTÍCIA SOBRE A PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO NORTE (Editora Pongetti, 1971, 2ª edição reimpressa pelo Sebo Vermelho)
Ribeiro, João – HISTÓRIA DO BRASIL ( 17ª edição, revista e complementada por Joaquim Ribeiro, Editora Paulo de Azevedo Ltda., 1960)
www.fundacaojorgealvares.bibliotecadigital.com/portugueses-em-macau/
Paulet, Fátima – Relato no blog O BAÚ DE MACAU (www.obaudemacau.com/?page_id=22881)
Basto, Jorge – Artigo no blog CRÔNICAS MACAENSES (https://cronicasmacaenses.com/2013/05/19/macau-em-franca-vs-franca-em-macau-por-jorge-basto)
CAMBRIDGE DICTIONARY – https://dictionary.cambridge.org

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