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PESQUISADORES ALERTAM PARA AVANÇO DO NÍVEL DO MAR: “É IRREVERSÍVEL”

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Dentro de um cenário de aquecimento global, o aumento do nível do mar é uma realidade que já coloca em risco regiões próximas ao litoral, como é o caso de grande parte do Rio Grande do Norte, com seus mais de 400 km de praias que vão de Sagi (ao sul, na divisa com a Paraíba) até Tibau (ao norte, na divisa com o Ceará).

O geólogo e professor da UFRN, Venerando Amaro, há anos acompanha essa dinâmica e afirma: “É um quadro irreversível e que se mostra cada vez mais intenso e, sobretudo, quem vai primeiramente enfrentar essa situação somos nós que habitamos as orlas em cidades populosas”.

O professor afirma ainda que cidades como Guamaré, Galinhos, Areia Branca, Macau, Grossos e outras da região setentrional são as que mais sentem esse impacto no território potiguar. São cidades baixas em termos topográficos e próximas ao nível médio do mar que enfrentam o risco constante de inundações costeiras. Modelos elaborados pelo professor indicam que, nos próximos dez a vinte anos, algumas dessas cidades podem perder significativas porcentagens de suas áreas para o avanço do mar.

“As medições mostram que nós temos tido algo superior aos três milímetros e meio a cinco milímetros por ano. Isso dá uma média bastante acelerada, bastante elevada, comparado à média mundial de quatro milímetros. É importante frisar que um centímetro expõe para nós um avanço territorial superior a um metro em alguns setores. Então, a gente tem percebido, em regiões urbanas, por exemplo, coisas da ordem de 20, 25, 30 centímetros de avanço do nível do mar nas últimas décadas, e então tem coisa da ordem de dezenas de metros, de perda de território, de terreno costeiro”, afirma Venerando Amaro.

EROSÃO COSTEIRA
Outro aspecto preocupante, segundo o pesquisador, é o fato de ondas e ventos estarem se intensificando cada vez mais, podendo causar sérios prejuízos ao chegarem à orla marítima.

“Temos observado com as alterações climáticas e o aumento médio da temperatura do planeta que as forças têm se intensificado. Aí, se encontra o oceano avançando sobre os continentes trazendo a possibilidade dessas forças atuarem sobretudo no que diz respeito à erosão costeira e a inundação sobre cidades”, explica o professor Venerando.

No RN, já existem cidades prejudicadas pelo avanço do mar nas áreas habitacionais. Um dos maiores exemplos é Caiçara do Norte, a 150km da capital, onde ocorre uma soma de fatores: devido às construções indevidas ao longo da costa junto aos fortes ventos, a praia é considerada fortemente vulnerável a processos erosivos, ameaçando a zona costeira.

“A questão de Caiçara do Norte é bastante complexa. É uma região que já vem enfrentando uma das maiores taxas de erosão costeira no estado do Rio Grande do Norte há muitos anos. Os primeiros dados remontam há várias décadas atrás em que a cidade já havia perdido parte da sua infraestrutura, algumas ruas foram completamente tomadas pela praia e pelas dunas também que estavam associadas a essa praia, fazendo com que a cidade tivesse que recuar. ”

Cidades como Natal também enfrentam perdas expressivas na orla marítima. A erosão anual crescente, ultrapassando meio metro por ano em alguns setores urbanos, exige intervenções estratégicas para preservar não apenas o patrimônio natural, mas também o tecido urbano dessas localidades. No caso de Caiçara do Norte, o professor Venerando lembra que foi tentada uma solução baseada basicamente em espigões – estruturas transversais à linha de costa, compostas por gabiões de rocha. “Foi feita uma pista desses gabiões e isso apenas pela maneira como foi construído e pela intensidade dessa situação, ela simplesmente não durou por tanto tempo e o processo continuou e se intensificou. O que nós vemos atualmente é que esses gabiões instalados alguns anos atrás estão completamente destruídos e perderam completamente a sua função e a sua existência hoje ainda por cima provoca riscos sobre a população que frequenta as praias porque eles estão totalmente desestruturados, pedras roladas… e oferecem risco à população que frequenta a praia”.

Intensificação das chuvas e tempestades também
são consequências do aquecimento em todo o planeta

Fenômenos ligados às mudanças climáticas vão ainda muito além do aumento das temperaturas e do avanço do mar. O aquecimento da água dos oceanos tem também como consequência chuvas mais fortes, como já vem sendo registrado em diversas cidades do RN.

Venerando Amaro explica: “Essas forças é que dão esse quadro de aumento de expansão das águas oceânicas e também trazem um segundo problema: a intensificação dessas energias, no caso de ventos, ondas e também de chuvas. Elas são responsáveis por uma emissão maior de umidade, que quando chega na região litorânea é responsável por esses eventos extremos de chuvas que causam esses intensos alagamentos nas cidades litorâneas, como já visualizamos em todas as capitais do Nordeste, inclusive em Natal”.

PEC da “privatização das praias”
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 3/2022, que ganhou fa ma nas últimas semanas como a PEC da privatização das praias, transfere os terrenos de marinha (faixa que começa 33 metros depois do ponto mais alto da maré) do conjunto de bens da União para os estados, municípios e até mesmo particulares.

A pedido do Diário do RN, o professor Venerando Amaro avaliou a PEC sob o ponto de vista ambiental: “A eles (poder privado) será dado o direito pleno de fazerem modificações nesses espaços de alta fragilidade, com a instalação de edificações e infraestruturas que, com certeza, seriam inadequadas e potencializariam a erosão costeira e a inundação marinha e estuarina nas áreas circunvizinhas, intensificando danos ambientais sobre ecossistemas frágeis e colocando comunidades inteiras sob riscos ambientais”, afirma.

Com essa interferência em locais frágeis e tecnicamente impossibilitados de receberem grandes edificações, e levando em consideração os fatores de avanço do mar já citados na reportagem, o professor acrescenta: “Ameaça a coexistência e o direito de uso das comunidades tradicionais, como pescadores, indígenas e quilombolas, que atualmente já enfrentam dificuldades com as alterações antrópicas inadequadas já em atividade, com a Emergência Climática, com estreitamento da faixa de praia e redução de espécies de interesse, além da total falta de atenção apropriada da maioria do poder público sobre as suas reivindicações”, explica o geólogo reforçando sua opinião contra a PEC.


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