Início » PROCURADORA DIZ QUE PEC 05 PÕE MP EM RISCO E ENFRAQUECE COMBATE À CORRUPÇÃO

PROCURADORA DIZ QUE PEC 05 PÕE MP EM RISCO E ENFRAQUECE COMBATE À CORRUPÇÃO

  • por
Compartilhe esse post

Divulgação

“A PEC 05/2021 é nefasta como um todo”. A afirmação, da procuradora-chefe do Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte (MPF-RN), Cibele Benevides, revela o grau de prejuízos que a proposta de emenda constitucional que tramita na Câmara dos Deputados pode causar à autonomia e imparcialidade do Ministério Público, ao aumentar a influência política sobre o órgão, reduzindo a autonomia e independência dos procuradores e promotores e enfraquecendo o combate à corrupção, representando uma ameaça ainda maior que a chamada PEC 37, derrubada em 2013. Ela explicou com detalhes os efeitos que a proposta pode causar ao desempenho do MP ao propor mudanças profundas e radicais na composição do CNMP, em entrevista exclusiva concedida ao Agora RN nesta quarta-feira (13).

Diante das profundas e indesejáveis alterações estruturais que ocorrerão caso se aprove a mudança da composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) prevista na PEC, foi promovido ato público virtual ontem, que reuniu, além da representante do MPF-RN e da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), a procuradora-geral de Justiça Elaine Cardoso, o procurador-chefe do MPT-RN, Luís Fabiano Pereira, a presidente da Associação do Ministério Público do RN Juliana Limeira e o representante da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Antônio Gleydson Gadelha.

Qual a sua avaliação da PEC 05/2021?

Cibele: Bastante negativa. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 05/2021 foi feita pelo deputado Paulo Teixeira (PT/SP) e se limitava a propor alterações na composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e a desvinculação da indicação do corregedor nacional aos conselheiros que são membros do Ministério Público. De modo surpreendente, sem maiores discussões, a PEC foi ao Plenário da Câmara com parecer do deputado Paulo Magalhães (PSD/BA), com inúmeras novas previsões que, além de não terem sido previamente discutidas, excedem e muito a proposta inicial. É importante explicar o que é o CNMP e o que se está tentando alterar, a toque de caixa, nesse momento. O Conselho é um órgão do Ministério Público, de controle administrativo, financeiro e disciplinar das atividades desenvolvidas pelos membros do MP em todo Brasil. Nasceu com a Emenda Constitucional nº 45/2004, que também criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão simétrico ao CNMP com relação à atuação dos juízes brasileiros, é presidido pelo procurador-geral da República e composto por 14 membros, representantes do Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Militar (MPM) e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MP-DFT), que são os quatro ramos do Ministério Público da União (MPU). Além disso, o CNMP conta com três representantes dos Ministérios Públicos dos Estados, dois representantes indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), um indicado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), um indicado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dois cidadãos indicados por Senado e Câmara dos Deputados. A PEC 05/2021 traz cerca de sete alterações graves no desenho do CNMP, dentre as quais uma que aumenta o número de representantes indicados pelo Parlamento – de dois para quatro – e prevê que o CNMP pode interferir na atividade-fim do membro do Ministério Público, o que é absolutamente inconstitucional.

Quais são os impactos principais da PEC 05/21 ao MP?

Cibele: A aprovação dessa PEC afeta a própria existência da instituição do Ministério Público, em visível afronta à Constituição e aos julgados do STF sobre como deve ser a atuação do CNJ e do CNMP. A aprovação dessa PEC traz os seguintes principais impactos ao Ministério Público brasileiro:
– Aumenta a influência do Congresso Nacional na escolha dos membros do CNMP: o aumento de representantes indicados pelos parlamentares e a retirada de uma cadeira de ramo do MP promove um desequilíbrio no número de membros que, longe de ser um desejo corporativista, é a reafirmação do desenho feito na Constituição Federal, que previu quatro ramos do MPU. Não há justificativa para que um dos ramos do MPU fique sem representação no Conselho.
De acordo com a PEC 05/2021, a figura do corregedor nacional seria indicação do Parlamento, e isso é absolutamente inconstitucional por ferir a autonomia institucional prevista no artigo 127, § 2º da Constituição Federal, além de promover uma agenda política na atividade correicional do MP, ofendendo diretamente o disposto no artigo 128, § 5º, II, e da Constituição Federal. Na prática, um corregedor nacional com interesses políticos pode representar a perseguição de membros do MP que processem pessoas importantes e poderosas, com influência política.
– Fere a simetria constitucional entre CNMP e CNJ: O STF já decidiu, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3367, que a criação e existência do CNJ é constitucional, desde que seja um órgão de controle interno, com maioria qualificada de membros da magistratura (três quintos), não exerça função típica do Poder Judiciário, mas apenas fiscalização financeira, administrativa e disciplinar, não podendo rever os atos jurisdicionais dos magistrados. Pelo artigo 129, § 4o da Constituição Federal, os mesmos fundamentos devem ser aplicados ao CNMP. Assim, os membros do MP devem formar a maioria qualificada no CNMP e este Conselho jamais poderia realizar ou revisar atividade finalística dos promotores e procuradores. Somente assim se garante o autogoverno do MP, corolário de sua autonomia institucional em suas atividades administrativas e da independência funcional dos promotores e procuradores.
– Retira do vice-procurador geral da República a possibilidade de substituir o presidente do CNMP (procurador-geral da República) em suas ausências, atribuindo essa função ao corregedor nacional do CNMP, indicado, segundo a PEC, pelo Congresso Nacional. A substituição do vice-PGR é uma garantia da simetria constitucional com o CNJ, para o qual há norma semelhante introduzida pela EC 61/2009 (artigo 103-B, § 1º), segundo o qual o vice-presidente do STF substitui o presidente do CNJ em suas ausências e impedimentos. Inserir o corregedor nacional do CNMP nesta substituição desfalca o CNMP de um de seus membros.
– A PEC 05/2021 implanta a inconstitucional revisão de atos finalísticos: a PEC prevê que o CNMP pode, em procedimentos não disciplinares, rever e desconstituir atos que considerem violação de dever funcional de membros, ou quando entenderem que houve uso do cargo com objetivos de interferir na ordem pública, ordem política, organização interna e na independência das instituições e dos órgãos constitucionais, conceitos vagos que permitem uma enorme ingerência na atuação dos membros do MP. A PEC prevê, ainda, a possibilidade de o CNMP rever em grau de recursos decisões dos Conselhos Superiores dos MPs, novamente em busca do poder de revisar a atividade-fim dos membros.
O próprio CNMP possui o Enunciado o nº 06/2009, que norteia sua atuação e deixa claro que o Conselho Nacional não pode revisar ou desconstituir atos relativos à atividade-fim dos membros do MP. Por exemplo: um promotor protocola uma denúncia criminal contra um grupo de políticos e empresários locais por malversação de recursos públicos. Esse ato se insere em sua atividade-fim, e o controle sobre esse ato é feito pelo Poder Judiciário, ao receber ou não a ação. Se o promotor tiver agido sem ética, com interesses escusos, a investigação sobre falta funcional ou disciplinar é feita pela corregedoria do MP e também do CNMP. Os números demonstram que esses órgãos têm atuado firmemente fiscalizando faltas funcionais dos membros do MP, de modo que não há lacuna na atuação dos órgãos correicionais que justifiquem os riscos impostos pela PEC 05/2021.
– Atribui ao CNMP iniciativa de lei complementar junto a deputados e senadores para instituir um Código de Ética dos membros do MP, quando já existem leis complementares de iniciativa dos procuradores-gerais impondo deveres e obrigações a todos os membros do MP, isto é, não há lacuna legislativa a respeito, abrindo-se brecha para que, no afã de criar um Código de Ética novo, se imponham mordaças a Promotores e Procuradores, com menos transparência de sua atuação para a sociedade.

Qual o pior ponto da PEC?

Cibele: Todos são péssimos, a PEC 05/2021 é nefasta como um todo. Porém, de fato, o ponto mais preocupante é o que permite que o CNMP revise atos finalísticos dos membros do MP. A inconstitucionalidade da proposta é gritante, pois extrapola as competências do CNMP, viola a independência funcional dos promotores e procuradores, ferindo o artigo 127, § 1º da Constituição Federal e usurpa as funções institucionais do MP previstas no artigo 129 da Constituição e as próprias funções de controle do Poder Judiciário sobre as ações do MP.
A proposta ainda traz conceitos vagos em sua definição, inviabilizando a atuação do MP nos temas que envolvam direitos fundamentais e sua implementação, pois tudo poderá ser interpretado como atuação para interferir na ordem pública e política, na organização interna de órgãos constitucionais e na independência de instituições. Poderá ainda um promotor de Justiça se sentir seguro para fazer uma Recomendação envolvendo direitos do consumidor? Poderá entrar com ação contra políticos influentes? O risco de ser processado por “interferir na ordem pública” será grande, diante da vagueza do conceito, o que certamente desestimulará qualquer atuação de qualquer membro do MP em todo o Brasil.

O que vem sendo feito (ou discutido) dentro do MP para tentar barrar essa PEC?

Cibele: Quando a PEC 05/2021 estava sendo discutida no Congresso a partir da proposta do deputado Paulo Teixeira (PT/SP), as associações de classe e os procuradores-gerais imediata mente se fizeram presentes junto aos parlamentares para alertar sobre as inconstitucionalidades e perigos da PEC. Porém, quando ela foi levada de forma surpreendente a Plenário, com as também surpreendentes inovações introduzidas pelo parecer do deputado Paulo Magalhães (PSD/BA), sequer houve tempo e oportunidade para que as associações dos membros do MP e os procuradores-gerais pudessem colaborar com a discussão dessas novas propostas, de maneira que restou à classe apelar para os cidadãos e para a imprensa: optou-se pela realização de coletivas de imprensa e atos públicos para que a sociedade possa se mobilizar contra essa PEC 05/2021, como um dia a sociedade se mobilizou e salvou o MP da malfadada PEC 37, em 2013. Contamos, ainda, com a real possibilidade de que esses atos, com alertas sobre as inconstitucionalidades da PEC 05/2021, possam tocar os Parlamentares sérios que se preocupam genuinamente com o enfrentamento à corrupção, com a fiscalização dos recursos da saúde, com a busca da sustentabilidade do meio ambiente, com a proteção de minorias como indígenas e quilombolas, porque se essa PEC 05/2021 for aprovada, não haverá mais esse tipo de atuação tão importante para a nossa sociedade.

*Texto de Alessandra Bernardo para o jornal Agora RN


Compartilhe esse post

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *