Paulo de Tarso Fernandes
Advogado
O testemunho que dou, antes de uma exaltação, quer ser uma exortação. Era domingo, feriado da República, 15 de novembro de 1970: dia de eleição.
Fomos, eu e minha mãe, Maria do Céu, visitar Aluízio em sua casa, no Rio de Janeiro.
Ele estava só. Simplesmente só.
Aluízio Alves, desde a infância e de Angicos, sempre esteve freneticamente envolvido com tudo e todos nos dias de eleição: narram as crônicas que, menino atento, de curiosidade desbravadora, se forjou, em galopes de vida, no arrebatado interesse pelas coisas do povo e da política. Desde os meados do século passado, foi presente e atuante em todas as campanhas e eleições. Candidato a partir de 1945: tinha 24 anos, foi o menos votado dentre os eleitos para a Constituinte do ano seguinte. Em 1958, já foi o mais votado do Estado, seguindo-se a consagradora eleição para Governador em 1960, e novamente para a Câmara, em 1966, agora com mais que o dobro dos votos do segundo colocado, o que nunca se repetiu no Rio Grande do Norte até hoje.
Isto não se fez do nada: com conformismo, apatia, desinteresse não se cresce assim na política; isso se faz com fervor, arroubo, entusiasmo, amor intenso pelas causas populares.
Essa constante ascensão em votos e liderança tem trajetória bem traçada, e razão que se pode identificar e conhecer: de acanhada e juvenil candidatura interiorana de grupos políticos locais, escolhido entre eles precisamente pelas qualidades de aguda inteligência, ânsia de saber tudo e precoce devotamento às questões públicas, agigantou-se em explosiva paixão popular, que chegou à Capital, a todo canto, a todos, e cativou, enlevou, fascinou.
Havia sinergia nesse encanto. Se o povo o aclamava, extasiado com a oratória arrebatadora; se o enaltecia, pasmo com seu arrojo e bravura; se o seguia, nos passos do Governo inovador, que ignorou tabus e mitos, desconstruindo o que estava carcomido nas práticas e nas ideias, para instaurar a modernidade, em tudo a recíproca também cresceu verdadeira.
Aluízio não vivia sem o povo, seu sopro vital, raiz, propósito, meio e fim de todo seu ser.
Mas naquele 15 de novembro de 1970, dia de eleição e de povo, Aluízio estava só, sem ninguém.
Essa solidão ofendia, maltratava, indignava, escandalizava.
Pelo menos a mim, revoltado imaturo de vinte anos.
Estava ali com ele, vendo-o na solidão, mulher e filhos em Natal, na eleição, na qual o filho Henrique Eduardo estava sendo levado às urnas pela primeira vez. E ele longe, impedido de estar em Natal, proibido de ir ao Rio Grande do Norte, ouvindo, não o grito alegre da multidão, mas o surdo silêncio do ermo da distância.
Era revoltante aquela solidão. Para mim, que fui lá abraçá-lo, e fiquei o dia todo.
Para ele, não.
Era um gigante. Parecia estar presente, falava, gesticulava, explicava, fazia planos, sonhava. Sonhava com a liberdade e o futuro.
Até o amargo da solidão ele venceu, não ensarilhou suas armas de resiliência: as armas que queria ver depostas eram as outras.
Conseguiu. Conseguimos os brasileiros todos.
Recordo-o neste episódio tão pessoal porque hoje, mais do que nunca, é preciso resistir à prepotência, às ameaças arrogantes, e muito, resistir muito e incansavelmente ao ódio, que termina em morte, ou rendição, ou medo; repelir a semeadura da discórdia como instrumento político, que impede os frutos sadios e fecundos do diálogo.
Mesmo na imensa dor moral da injustiça, sofrendo a perda da liberdade de ir ao encontro dos seus e de seu povo, Aluízio, mesmo aí e assim, foi sempre lúcido, cultivando o juízo crítico, antepondo e sobrepondo a tudo a razão, não permitindo que sua inteligência fulgurante cedesse ao temor, à vingança, à desesperança.
Pouco antes desse 15 de novembro de que falo, um conterrâneo nosso, Djalma Marinho, dissera em histórica sessão da Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados: abomino o fanatismo, porque condeno a servidão da inteligência.
Aluízio Alves foi assim. Recordo-o no centenário de seu nascimento, lembrando essas coisas antigas, para que nunca se repitam no Brasil, ousando exortar aos brasileiros a se livrarem da mesquinhez política e da intolerância nas coisas da República, com a advertência de outro conterrâneo, Câmara Cascudo: a antiguidade é coisa nova.
*Artigo publicado neste sábado (14) na Tribuna do Norte.