MARCHA DAS MULHERES NEGRAS: UMA LUTA COLETIVA POR TRANSFORMAÇÃO

Em 2015, o Brasil testemunhou um dos maiores atos políticos já protagonizados por mulheres negras: a Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver. Naquele ano, mais de 100 mil mulheres ocuparam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, dando o que é considerado um passo decisivo na organização política dessa parcela historicamente marginalizada da sociedade. Aquele dia foi um marco não apenas de resistência, mas também de construção de uma nova agenda política pautada na justiça racial, de gênero e social.
“A marcha nacional de mulheres negras busca denunciar o racismo, denunciar a necessidade de políticas públicas que realmente proporcionem a igualdade no nosso Brasil, um princípio da igualdade que existe na Constituição, mas que na realidade a gente vê que estamos a longos passos para alcançar”, declara Dalvaci André Neves, coordenadora da organização Quilombo.
Agora, quase dez anos depois, essa história ganha um novo capítulo. Em 25 de novembro de 2025, data que marca o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, a Marcha retorna às ruas de Brasília com força renovada e um novo chamado: Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver.
A expectativa para a Marcha Nacional de 2025 é reunir um milhão de mulheres negras em Brasília, vindas de todos os estados e de outros países da América Latina e do mundo. Mais do que uma mobilização, a Marcha é a expressão viva de um movimento construído por mãos diversas — mulheres quilombolas, ribeirinhas, urbanas, do campo, periféricas, acadêmicas, artistas, trabalhadoras, meninas, jovens, mães e anciãs. Mulheres que carregam a sabedoria ancestral, a força da coletividade e a coragem de transformar suas realidades.
“O racismo estrutural existe. A gente vê os resultados do IBGE, a situação da mulher negra em termos de postos no mercado de trabalho, de postos de liderança, de cargos políticos, de cargos de direção na administração pública e privada, e o resultado que o IBGE aponta em relação à renda. As menores rendas do mercado são das mulheres negras, além do exercício de trabalho precário também, assim como a questão da violência contra a mulher, as mulheres negras são as maiores vítimas de violência contra a mulher. Olhando em todos os aspectos sociais, as mulheres negras despontam nos piores índices. E é isso que a gente precisa mudar”, destaca Dalvaci.

Reparação e Bem Viver
Os dois conceitos centrais que guiam essa jornada — Reparação e Bem Viver — são o coração da luta das mulheres negras.
A Reparação vai além de reconhecimento simbólico: é a exigência de ações concretas que enfrentem os efeitos do racismo estrutural, da escravidão e da marginalização histórica da população negra no Brasil. Significa garantir direitos, acesso à terra, saúde, educação, moradia e memória.
Já o Bem Viver é inspirado em visões de mundo originárias e propõe um modelo de vida que valoriza a coletividade, a justiça social e o equilíbrio com a natureza. É uma alternativa ao sistema que explora, exclui e violenta — e uma aposta em um futuro sustentável, digno e humano para todos.
Mobilização em Natal
A construção da Marcha já está em movimento. Comitês Impulsores Estaduais, Municipais e Regionais estão sendo formados em todos os 27 estados do Brasil, articulando organizações, coletivos e ativistas independentes. Em cada canto do país, mulheres negras se organizam, compartilham saberes e fortalecem laços para garantir que essa mobilização seja verdadeiramente representativa e potente.
“Aqui no Estado, o movimento para a marcha das mulheres negras está, sim, muito forte. Nós temos aqui a formação, a construção de comitês impulsores estaduais que estão mobilizando as mulheres negras no sentido de convidar a marcha, de formação também, de discussão da nossa pauta e destacando que o tema da marcha é por reparação e bem-viver”, conta Dalvaci.
Neste mês de julho, dentro da programação do Julho das Pretas, a mobilização ganha ainda mais visibilidade. Dezenas de atividades estão programadas em mais de 16 cidades do país, incluindo Natal, onde será realizada a Plenária de Mobilização e Articulação das Mulheres Negras Potiguares, nesta sexta-feira (25), reunindo lideranças locais e regionais rumo à marcha de novembro.
Uma data cheia de simbolismo, como explica Dalvaci: “25 de julho, o dia da mulher negra latino-americana e Caribenha, é uma homenagem à Teresa de Benguela, que foi líder de quilombo no século 17, o Quilombo do Piolho. Nesta data, as mulheres negras de todo o país e também do mundo – porque essa marcha está criando proporção internacional – destacam a importância de combater o racismo e de lutar por reparação e bem-viver no nosso país como no mundo. Já temos também comitês que se formaram na Espanha e em outros países”.
A plenária natalense acontecerá na sede do sindicato dos eletricitários (SINTER-RN), na Rua Gonçalves Ledo, na Cidade Alta. As ações incluem rodas de conversa, oficinas, intervenções culturais e atos de rua, compondo uma agenda que reafirma a potência política, cultural e espiritual das mulheres negras.
“Fica o convite a todas as mulheres negras do nosso estado que possam e queiram participar da nossa plenária, a partir das 14 horas. Todas as mulheres que queiram juntar-se à marcha das mulheres negras, que queiram somar-se para que possamos estar em Brasília, na segunda marcha nacional de mulheres negras, por reparação e bem-viver”.
A gente vê hoje que, no meio de comunicação, busca hoje destacar a valorização da beleza da mulher negra. Embora ainda exista na sociedade, nos costumes, o estereótipo de beleza, que inclusive prejudica o acesso ao mercado de trabalho. Quando a gente via, hoje já não temos mais essa… Está diminuindo essa ideia de que a beleza do cabelo é o cabelo liso, o estereótipo. Então, as mulheres negras, que por décadas, por séculos, estiveram alisando seus cabelos, hoje já mostram a beleza do seu cabelo crespo, do seu cabelo ondulado, de seja como for. Então, nós vemos hoje as mulheres negras assumindo o protagonismo. Protagonismo nas novelas, em propagandas comerciais, e daí a gente vê como esse movimento vem mudando. Mas é um movimento que a gente precisa da continuidade. Esse ano nós estamos também em busca da aprovação de um novo plano nacional de educação que realmente combata o racismo, que elimine o racismo através da educação, que nós tenhamos uma educação transformadora, que mostre para os alunos e alunas a valorização da identidade negra no nosso país. E é fundamental que o novo PNE, o Pano Nacional de Educação, que está sendo discutido hoje na nossa Assembleia, venha aprovar um PNE antirracista, um PNE que fale sobre a cultura afro-brasileira e que diz que é uma cultura afro-brasileira. Que destaca a valorização dessa cultura, assim como também a indígena.