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ARTIGO: UMA FORÇA DA NATUREZA

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Por Marcelo Alves Dias de Souza

Otto Maria Carpeaux (1900-1978) – austríaco naturalizado brasileiro, jornalista e ensaísta dos grandes, historiador e crítico de literatura, arte e música, polímata e poliglota, autor de “A História da Literatura Ocidental” (volumosa magnum opus) e de “A história concisa da literatura alemã” (que, em edição da Faro Editorial, 2013, tenho citado aqui) – foi uma força da natureza.

Carpeaux nasceu em Viena, então capital do Império Austro-Húngaro, numa família judia (pelo pai) burguesa de classe média. Estudou direito sem terminar. Foi cursar filosofia e química, ainda na Universidade de Viena, obtendo graduação nessas duas ciências. Tentou dar aulas por ali. Partiu Europa afora. Berlim, Roma, Amsterdam, Londres, Paris e por aí vai. Sempre estudando (literatura, cinema, música, ciência política etc.) e já fazendo jornalismo internacional. Voltou a Viena. Casou. Com a morte do pai, converteu-se ao catolicismo. Escreveu mais crítica literária e jornalismo. Fez política nos níveis mais altos do governo austríaco. Com a anexação da Áustria pela Alemanha nazista, fugiu de sua terra natal. Destino final: Brasil. Sorte nossa.

A estada de Carpeaux entre nós viria a durar décadas. De 1939 a 1978, o ano de sua morte, do coração, no Rio de Janeiro, cidade que adotou como sua. E quem não gostaria de morar no “Rio antigo”, “como nos velhos tempos”, conforme descrito na música do nosso Chico Anísio (1931-2012)? No Brasil, ele teve seus anos mais produtivos. Foi bibliotecário e enciclopedista importante. A partir do saudoso Correio da Manhã fez muito jornalismo. Publicou livros à saciedade. “A História da Literatura Ocidental”, que tenho aqui numa coedição da UniverCidade Editora e Topbooks, é originalmente de 1959-1966. Monumental. E, quando caiu em si, foi um feroz crítico do regime militar/ditatorial brasileiro (1964-1985).

A influência de Carpeaux no panorama cultural brasileiro foi enorme. Eis as palavras de Willi Bolle, no texto “À sombra do muro (anos 1960 a 1990)”, que atualiza “A história concisa da literatura alemã”: “A vocação de Otto Maria Carpeaux como historiador da cultura manifesta-se desde obras de grande abrangência, como História da Literatura Ocidental, até os ‘pequenos’ ensaios publicados em jornais. No meio do caminho situa-se seu livro sobre A Literatura Alemã (1964), que oferece ao leitor da América Latina e especialmente no Brasil uma visão do universo cultural de origem do seu autor. O que destaca a obra de Carpeaux é sua repercussão formadora no meio intelectual brasileiro. Contribui para isso a capacidade de síntese com que ele expõe um panorama da literatura alemã, desde os primórdios até os autores contemporâneos. Panorama organizado por estilos de época – Barroco, Classicismo, Romantismo etc. – ou pelo recorte alternadamente estático e político: Revolução, Expressionismo, República de Weimar… Contribuem também a escolha acertada dos autores e das obras, bem como a sensibilidade e firmeza na avaliação, trabalho em que Carpeaux se baliza pelo estado da Ciência e da crítica literária do seu tempo. Na caracterização dos períodos e na arte de torná-los concretos, através dos retratos de escritores e textos, revela-se o grau de compreensão do historiador”.

Se a grandeza e a influência de Carpeaux parecem patentes (há gente mais habilitada para tratar disso do que eu), eu quero aqui deixar registrado o que mais me impressiona na vida desse cidadão do mundo e do Brasil (sobre as minhas impressões, quem melhor fala sou eu mesmo).

Como imigrante, Carpeaux aqui aportou com muito pouco. E menos sabia do Brasil. Embora poliglota – li que dominava alemão, francês, flamengo, inglês, italiano, espanhol, catalão, galego, provençal, servo-croata e o clássico latim –, o homem não versava o português. Dizem até que originalmente mandava seus textos jornalísticos em francês, que eram traduzidos para publicação. Outros tempos. Mas ele aprendeu bem a nossa língua. Embora, nas leituras de “A história concisa da literatura alemã”, eu tenha notado alguns erros (não sei se de edição) e sobretudo tenha tido a impressão de estar diante de um texto escrito por alguém que não teve o português como língua materna.

Bom, a obra brasileira do “nosso” escritor é impressionante. Monumental, repito. E quem já precisou escrever em alto nível, em língua não maternal, sabe o quão difícil, quase impossível, isso é. É necessária muita força. Uma força da natureza, como no caso de Otto Maria Carpeaux. 

Marcelo Alves Dias de Souza

Procurador Regional da República

Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL


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