Hianto Ramalho de Almeida Rodrigues nasceu na cidade de Macau, na região salineira potiguar. Cantor, compositor, arranjador e pianista, é considerado um dos precursores da Bossa Nova, movimento cultural dos mais emblemáticos da música brasileira. Se vivo estivesse, neste domingo, dia 2 de junho, completaria 100 anos. Para celebrar o centenário, o Diário do RN conta um pouco de sua trajetória.
E esta história vem do conhecimento de pessoas que também amam a cultura, a história, Macau.
Um deles é Alfredo Neves, poeta, escritor, cientista social e membro da Academia Macauense de Letras e Artes, além de membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Ele escreveu: “Em Macau, temos o privilégio de dizer que a Bossa Nova gestou um dos seus grandes precursores, Hianto de Almeida. Apesar desse gênero musical ter surgido na cidade carioca, podemos afirmar que foi uma revolução modernista cultural tão importante quanto o Movimento de 22 ou o Tropicalismo. A influência certamente veio do samba e do jazz americano, com os seus cantores e influenciadores de voz leve, com toques fortes nas cordas do violão, mas a batida singular e unindo a simplicidade cadenciada do samba-brasileiro-carioca, fez dele um movimento mais nosso do que de qualquer outro lugar de fora. Outros proeminentes nomes, e que no final da década de 1950 foram revelados como os seus idealizadores, como Vinicius de Moraes, Carlos Lyra, Nara Leão, Gal Costa, Antônio Carlos Jobim, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso e o mais importante de todos e considerado como o pai desse melódico e importante movimento musical brasileiro, João Gilberto, com a sua voz suave e acordes cadenciados caracterizando o estilo bossa-novista. Muitos outros vieram depois ou estavam juntos deste seleto grupo, e a história pôde fazer justiça reconhecendo entre eles o macauense Hianto de Almeida, que no dia 02 de junho de 2024, comemoramos o seu centenário de nascimento”.
Ainda de acordo com Alfredo, a única e mais forte homenagem prestada a Hianto em Macau, em 2003, foi a transformação do antigo Cinema Dois Irmãos, na Rua 13 de Maio, em Teatro Hianto de Almeida. “Onde, infelizmente, três anos depois de reformado, o prédio precisou ser destruído por problemas estruturais, numa reforma maquiada que não suportou ficar de pé, desabando na primeira neblina o seu teto, acometido que foi por infiltrações e rachaduras, destruindo relíquias como o violão, o piano e o retrato emoldurado de Hianto de Almeida. A respeito desse disparatado ato estouvado, há na justiça um processo contra a prefeitura municipal da cidade, movido pelo agitador cultural João Eudes Gomes, para que o gestor da época reconstrua o teatro e seja ressarcido aos cofres públicos o prejuízo causado. Hianto de Almeida é nome de rua em Natal, no Bairro de Santos Reis. Em várias universidades quando se trata de Bossa Nova, o compositor macauense é reverenciado”, ressalta.
Celebrando Hianto
“Eu tenho uma memória afetiva de Hianto. Minha mãe, hoje com 95 anos, é quem me falava muito dele. Eu saí de Macau para Natal bem pequeno, com uns 10 anos de idade, aproximadamente, e lembro que minha mãe, Benígna Serejo, era quem me falava que Macau tinha um grande compositor. Somente depois, mais velho, foi que estudei e pude conhecer a história de Hianto”, relata o escritor, jornalista e cronista Vicente Serejo, membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.
Advogado, poeta e ativista social e cultural, o também macauense Horácio Paiva, declarado eterno admirador da obra de Hianto, disse “Macauense, é hoje, reconhecidamente, um dos principais nomes da nossa música popular brasileira, sobretudo porque figura, segundo vários importantes depoimentos, como precursor talvez até o principal precursor da Bossa Nova.
Segundo Chico Anysio, que gravou mais de 20 composições em parceria com Hianto, ele teria transmitido a batida da Bossa Nova a Tom Jobim. Então, os dois figuram como os principais precursores da Bossa Nova no Brasil. Hianto não tem fronteiras. Ele não é um compositor que pertence apenas a Macau ou ao Rio Grande do Norte, mas é um compositor que se projeta em todo o Brasil”, enfatiza.
“Hianto viveu pouco, mas compôs muito nesse curto período de vida. Foi importante para o Rio Grande do Norte, importante para o Brasil”, acrescentou Horácio.
Hianto de Almeida morreu de câncer nos ossos no dia 27 de setembro de 1964, aos 40 anos de idade, em Natal. Nestas quatro décadas, ficou de legado um impressionante acervo de 237 composições, sendo 81 delas gravadas em discos de 78 rotações, além de sete discos de dez polegadas, sete compactos, 89 LPs e 23 CDs.
Biografia
Hianto despontou para a música muito cedo. Ainda jovem começou a cantar em um programa de calouros na antiga Rádio Educadora de Natal. Mas, foi no Rio de Janeiro, em 1952, que ele se tornou nacionalmente conhecido. Segundo a história, trabalhou na Companhia Comércio e Navegação, tendo concluído o curso técnico de Contabilidade. Naquele mesmo ano, em meio aos estudos, conseguiu gravar a sua primeira composição: “Amei demais”, um samba-canção feito em parceria com o irmão Haroldo de Almeida e a cantora Vera Lúcia. Também no mesmo período, compôs “Meia luz”, já em parceria com João Luiz. A música foi incluída no primeiro disco gravado por João Gilberto.
Em 1954, o sucesso foi “Conflito”, composto em parceria com Nazareno de Brito e gravado por Zilá Fonseca. Em 1955, gravou o seu primeiro disco, interpretando o samba toada “É mió te aquietá”, parceria com Francisco Anysio e o samba “E daí?”, com Roberto Silveira e que contou com arranjos e acompanhamento de Tom Jobim. No mesmo ano, compôs com Francisco Anysio o samba “Mão na mão” e o samba-canção “Fala beicinho”. No mesmo ano, Cauby Peixoto gravou a toada “Caju nasceu pra cachaça”, uma parceria com Veríssimo de Melo. Ainda em 1955, recebeu do crítico Sylvio Tulio Cardoso a “Menção honrosa” na categoria “Melhor letrista do ano”.
Em 1957, o Trio Marajá gravou “Segredo da meia noite”, parceria com Chico Anysio. Em 1958, compôs com Chico Anysio o samba canção “Cadê a coragem?”, gravado por Dircinha Batista na RCA Victor, e o samba “Eu vim morar no Rio”, gravado pelo Trio Irakitan na Odeon e que fez parte da trilha sonora do filme “Quem roubou meu samba?”.
No mesmo ano, teve o bolero “Longe de ti” gravado por Isaurinha Garcia e Walter Wanderlei no LP “Foi a noite” da gravadora Odeon. Em 1960, Dalva de Oliveira gravou com o coro da meninas da Casa de Lázaro a música “Natal da criança pobre”, parceria com Macedo Netto e Nana Caymmi registrou “Nossos beijos”, também parceria com Macedo Netto.
Em 1961, teve a composição “Brinquedo de você”, parceria com Macedo Netto, gravada por Haroldo de Almeida. No ano seguinte teve o samba “Meu bem”, gravado por Cyro Monteiro no LP “Senhor samba”, lançado pela Columbia.
Um de seus principais parceiros foi Chico Anysio com quem compôs, entre outras, “Mudou pra melhor”, “Muié de oio azul” e “Segredo da meia noite”.
Uma de suas principais composições foi o samba “Sincopado triste”, parceria com Macedo Netto, gravada por Moacyr Silva e seu conjunto, Miltinho, Maysa e Elizeth Cardoso.
Entre os artistas que registraram suas composições estão Dircinha Batista, Elizeth Cardoso, Elza Soares, Miltinho, Cauby Peixoto, Raul de Barros, Jair Rodrigues, Anísio Silva, Anjos do Inferno, Dalva de Oliveira, Severino Araújo e Cyro Monteiro.
Em 1983 a cantora Silvinha gravou o LP “Hianto de Almeida revivido” no qual interpretou entre outras composições, “Meia luz”, parceria com João Luiz; “Mão na mão” e “Mudou para melhor” em parceria com Chico Anysio e “Encontrei afinal”, parceria com o seu irmão Haroldo de Almeida.
Bossa Nova
O humorista e compositor Chico Anysio, em entrevista à Playboy no ano de 1987, declarou que Tom Jobim descobriu a batida da bossa nova com Hianto. “Tenho a grande honra de dizer que o primeiro arranjo do Tom foi em cima de uma música com letra minha, “Conversa de sofá”. Acho que até foi aí que ele aprendeu a compor, porque descobriu que a música de Hianto de Almeida, tinha uma sequência e foi em cima”.
Em 1995 foi homenageado em Natal com o festival “Isso é bossa nova”, realizado no teatro Alberto Maranhão com a participação de, entre outros, Vanda Sá, Roberto Menescal, Os Cariocas e Alaíde Costa.
Em 2009, sua composição “Eu quero é sossego”, com K-Ximbinho, foi apresentada no espetáculo “K-Ximbinho – Um mestre do sopro” em homenagem ao músico K-Ximbinho em espetáculos apresentados no Teatro Municipal do Jockey, na Sala Baden Powel e no Jardim Botânico, todos no Rio de Janeiro.
Em 2010, a pesquisadora musical e arte educadora brasileira potiguar Leide Câmara publicou o livro “A bossa nova de Hianto de Almeida”. Em matéria publicada na Tribuna do Norte, antes mesmo do lançamento da obra, Leide explicou que a ideia do livro surgiu após ter incluindo o nome de Hianto no “Dicionário da Música do Rio Grande do Norte”, de sua autoria, em 2001.
Durante os estudos para o dicionário e para outro volume sobre a Bossa Nova, a pesquisadora viu que o nome de Hianto era uma constante nas citações de livros e artigos. A partir daí surgiu o interesse em fazer uma revista sobre a participação de Hianto, num dos movimentos de maior alcance da música brasileira, que foi a Bossa Nova. “A importância de Hianto era tanta, que decidi fazer um livro. Pensei que publicaria o texto em 100 páginas, mas precisei de 325”, disse ela.