
Nesta terça-feira (20), uma decisão da 1ª Vara Cível da Comarca de Mossoró, determinou a remoção de todas as publicações jornalísticas que contenham trechos de áudios com a voz do empresário mossoroense Francisco Erinaldo da Silva, assim como se abstenham de divulgar novos conteúdos que aludam à referida gravação que denuncia os indícios de corrupção por cobrança de propina pelo prefeito de Mossoró, Allyson Bezerra (UB). A decisão é direcionada ao Blog do Barreto, que primeiro divulgou as denúncias.
De acordo com o advogado Marco Baroni Garbellini, que conversou com o Diário do RN, a decisão carece de uma análise mais profunda em relação aos princípios constitucionais de liberdade de expressão e de imprensa. “A ADPF 130, decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), estabeleceu um marco no que diz respeito à proteção da liberdade de imprensa no Brasil”, adianta.
Sobre o caso julgado em Mossoró, o advogado foi direto: “A decisão de Mossoró, ao ordenar a remoção de conteúdo e proibir novas publicações, parece equivocada à luz do entendimento consolidado pelo STF”, cita. Ele classificou a medida como “censura judicial, prática repudiada pela Constituição e pelas decisões históricas da Suprema Corte”.
Na decisão da 1ª Vara Cível, ao jornalista deve ser imposta multa de R$ 1 mil por dia caso não retire as postagens com os áudios, e de R$ 2 mil por postagem caso faça novas publicações com o conteúdo.
Embora reconheça a importância do sigilo profissional, alegado pelo advogado que conversou com o empresário Erinaldo, Marco Baronni pondera que “a proteção ao sigilo profissional, embora importante, deve ser ponderada com mecanismos que não cerceiem o direito fundamental à informação”.
Ele destaca que “o STF, ao julgar a não recepção da Lei de Imprensa de 1967 pela Constituição de 1988, enfatizou que a censura prévia é absolutamente vedada” e que “a Corte afirmou que a liberdade de expressão goza de posição preferencial em nosso ordenamento jurídico, sendo essencial para a democracia”.
“Posso citar como exemplo o caso do jornalista Allan de Abreu em 2011”, lembrou. “O STF foi categórico ao proteger o sigilo da fonte e a liberdade de imprensa mesmo quando se tratava de informações sob segredo de Justiça”, afirmou. Para ele, naquele julgamento, “a Corte suspendeu decisões que ameaçavam essa liberdade, reiterando que o interesse público na divulgação de informações relevantes sobrepõe, em muitos casos, o segredo processual”.
Ele também mencionou um precedente relevante. “A declaração do ministro Celso de Mello, em 2018, reflete o posicionamento firme do STF contra o uso do segredo de justiça como pretexto para restringir a atividade jornalística”, e completou: “Conforme destacou o ministro, tais proibições configuram censura, violando diretamente o princípio constitucional de liberdade de expressão”.
“O correto seria, caso estabelecida a prática de algum ilícito por parte do jornalista, optar por meios de reparação a posteriori, como direito de resposta e indenização por eventuais danos, em vez de optar pela remoção de conteúdo já publicado”, afirmou. Para ele, “tal abordagem garantiria o equilíbrio entre o direito à informação e a proteção dos direitos da personalidade”.
“Em resumo”, disse o advogado, “a decisão de Mossoró, ao priorizar a remoção de conteúdo, desconsidera a jurisprudência do STF e enfraquece o princípio democrático da liberdade de imprensa, essencial para uma sociedade livre e plural”. E concluiu: “É imperativo que o Judiciário, em todas as suas instâncias, respeite e faça valer o espírito da ADPF 130, assegurando que a censura não encontre espaço em nosso ordenamento jurídico”.
Decisão
Além da remoção do conteúdo e abstenção de novas divulgações, o juiz Edino Jales de Almeida Junior, determina, ainda, que o jornalista reserve espaço proporcional para direito de resposta do autor, sob pena de multa diária de R$ 1 mil reais. O autor, neste caso, é o advogado Álamo Duarte, que ajuizou o pedido de retirada do material, sob alegação de danos morais.
A partir das alegações, o magistrado da 1ª Vara Cível entendeu que a gravação dos áudios foi produzida no contexto de relação profissional entre advogado e cliente, e “ainda que o conteúdo eventualmente diga respeito a fatos de interesse público, a forma de obtenção da divulgação dos arquivos de áudios, bem como a ausência de autorização do seu titular ou decisão judicial autorizativa, configura violação ao sigilo profissional”.
O jornalista Bruno Barreto, em suas redes sociais, falou sobre o assunto e vai recorrer da decisão: “Um ponto importante da censura que sofri, é que não tem nenhum crime praticado por mim, porque eu recebi os áudios de uma fonte e divulguei, do mesmo jeito que o pessoal do The Intercept fez quando recebeu o material da Lava Jato. (…) Outro ponto é que o advogado reconhece que repassou para terceiros os áudios. Ele alega que teve o sigilo violado, mas foi ele mesmo que violou, por isso eu vou recorrer, para ter os áudios de volta nas minhas redes sociais e no Blog do Barreto”.