
Imóveis abandonados oferecem risco à saúde pública diante da propensão ao acúmulo de lixo, à proliferação de animais peçonhentos, ratos e outros vetores de doenças, além de aumentarem a sensação de insegurança, favorecerem a poluição visual, causarem uma série de prejuízos financeiros à vizinhança, entre outros problemas. Em Natal, mais de vinte prédios estão com obras paralisadas por longos períodos, que podem superar três décadas; é o que afirma o corretor de imóveis Antônio Baía. A informação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb), entretanto, é de que a pasta não realiza levantamento sobre esses casos.
De acordo com o consultor imobiliário, atuante em na capital potiguar há mais de trinta anos, essas construções se concentram principalmente nas Zonas Leste e Sul, em áreas nobres, como os bairros de Petrópolis, Tirol, Ponta Negra e Capim Macio. Ele começou a listar esses edifícios abandonados em 2017, como um passo inicial em busca de uma solução para esse cenário. “A minha a minha proposta na época era retomar a construção civil através desses prédios abandonados. Mas é tal coisa: a gente leva as sugestões, o poder público não se interessa e todos perdem”, disse.
Segundo com o secretário de Meio Ambiente e Urbanismo, Thiago Mesquita, de forma geral, não cabe interferência da Prefeitura nesses casos. “O Município, através da Semurb libera um alvará de construção, uma licença de instalação para construir um empreendimento, e, muitas vezes, aquele empreendimento quebra. (…) Não é papel do Município chamar o dono daquele empreendimento e um outro ente privado para estabelecer uma negociação daquela área, e nem mesmo nós temos autorização para demolir. Área privada é sagrada no Brasil desde a Constituição Federal de 1988”, afirmou.
O titular da Semurb fez uma ressalva quanto a casos em que haja descumprimento de normas urbanísticas. “Por exemplo, na área era permitido somente 25 metros de altura e aquele prédio já está com 30 metros. Aí sim, a gente entraria, como foi o caso da BRA”, explicou. A construção do Hotel BRA, na Via Costeira, ficou sob disputa judicial por mais de vinte anos, após a empresa ter iniciado a obra sem licenciamento ambiental e alvará de construção referentes a mudanças no projeto, ultrapassando o gabarito máximo de 15 metros, como era determinado no plano diretor vigente na época.
Segundo Mesquita, esse foi um caso isolado no que diz respeito a intervenções de tal magnitude por parte da Prefeitura de Natal. “Nós entramos lá, exigimos que fosse demolido o último pavimento e a Justiça acatou. Então, ali, acho que é o único exemplo que nós temos de um abandono de obra em que o Município entrou, porque feria uma legislação do Município”, completou. “Os outros, a gente não tem muito [o que fazer], porque é muito mais da relação comercial e agora judicial. Extrapola a esfera administrativa pública municipal”.
Questionado sobre casos em que uma obra abandonada está causando prejuízos materiais a vizinhos por problemas como queda de estruturas em outros imóveis, por exemplo, o gestor afirmou que a Semurb e a Defesa Civil devem ser procuradas para registro de reclamação, mas, para reaver as despesas, existem apenas a via judicial ou uma negociação diretamente com o proprietário.
“Essa é uma situação complexa. A responsabilidade não é do Município. O Município, no máximo, autorizou. Os projetos estavam legais, cumpriram o regulamento a nível de projeto, nós autorizamos a construção. Agora a finalização, a responsabilidade da construção é de quem está executando”, ressaltou o secretário.
“Pode fazer reclamação na Semurb, pode fazer reclamação na Defesa Civil, mas quem é que deve ressarcir? O dono da obra. Aquela pessoa que executou aquela obra. E como? Por via judicial.
Então, se eu tenho uma casa do lado de um empreendimento e esse empreendimento acaba trazendo prejuízo material para mim, eu preciso reaver isso de forma judicial ou diretamente com aquela pessoa, se a pessoa reconhecer. Dificilmente vai reconhecer, já que está abandonada a obra”, concluiu.
Mas há, situações, porém, em que uma construção abandonada acaba sendo alvo de invasões, destinação irregular de lixo ou ligações clandestinas de água e energia elétrica. Segundo o gestor da Semurb, a pasta também deve ser contatadas nesses casos. “Aí a gente entra também, inclusive, a Semurb pode entrar responsabilizando aquele empreendedor, já que nós temos aqui as informações de quem estava construindo aquele empreendimento, para que ele tome as medidas administrativas”, explicou.
“Nós temos duas sanções de polícia: a sanção administrativa e a sanção civil. A gente não tem a penal, a gente não pode prender a pessoa ou o responsável, quem faz isso ao Ministério Público, através de uma ação específica, ou a própria DEPREMA [Delegacia Especializada em Proteção ao Meio Ambiente], a delegacia de polícia. Então, o que a Semurb faz é acionar o Ministério Público, acionar a DEPREMA, em algumas situações, e estabelecer as duas sanções que cabem a nós”, completou Thiago Mesquita.
Essas penalidades são: multa para o empreendimento ou encerramento da atividade da empresa responsável pelo imóvel, segundo o secretário. Ele explicou que esse tipo de sanção nunca foi aplicada na capital potiguar. “Mas é também uma possibilidade a gente evoluir para essa questão civil”, destacou.
Nos casos em que ocorre invasão, a ação caberá à Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS), que deverá realizar o cadastro das pessoas que estão ocupando aquele espaço, sobretudo verificando a presença de crianças e idosos, ressaltou Mesquita, frisando que a ação de tal pasta é “imediata” nessas situações. “E muitas vezes o Município entra na Justiça, quando é o caso, para poder mostrar que há uma vulnerabilidade social”, disse.
O secretário chama atenção também, nesses casos, sobre o risco de o dono do imóvel perder a área por meio da usucapião, processo que permite a aquisição da propriedade de bens imóveis via comprovação da posse de maneira pacífica e contínua por um período determinado por lei.
“Quem deve reaver a área, quem deve é o dono da área. Mais uma vez: ele precisa. Se ele não tiver interesse, acaba perdendo a área com usucapião, que já que é uma área privada, em 5 anos comprovando uma ocupação, você acaba perdendo aquela área”, afirmou.
Entre os casos mais comuns recepcionados pela Semurb, estão os relativos a imóveis abandonados que acabam virando foco de vetores de doenças como a dengue, e propiciando a infestação por outros animais. “[Nesses casos,] quem deve ser acionada é a Semurb mesmo.
Qualquer tipo de caso, solução relacionada com a presença de vetores, ou uma piscina que está ali abandonada, acumulando água, e serve de um grande berçário para o Aedes aegypti [deve ser comunicado à Semurb]”, orientou Mesquita.
A lei municipal exige a limpeza e manutenção sanitária de imóveis, seja ele terreno com ou sem edificação. “A gente tem muitas denúncias em relação a isso. (…) A Semurb, através de denúncia, é acionada, e nós vamos atrás dando um prazo que é permitido pela legislação municipal, o Código de Obras, para que seja satisfeita aquela limpeza”, pontuou o gestor.
Caso essa limpeza não seja realizada, a Vigilância Sanitária é acionada, e, caso sejam comprovados os focos de contaminação, a Companhia de Serviços Urbanos de Natal (Urbana) é comunicada para realização do serviço, que deverá ter seu custo cobrado ao proprietário do imóvel. “A gente faz a limpeza da área, que não deveria, mas por uma questão de saúde pública, se faz, e a Urbana abre um processo administrativo contra aquele contribuinte para que ele ressarça com juros e correções o que foi gasto naquela limpeza”, explicou Thiago Mesquita.
O secretário reforçou que, para obtenção de qualquer tipo de ressarcimento financeiro, a Justiça deve ser procurada, e que o Município só deve ser responsabilizado nesse sentido caso haja comprovação de que recebeu uma denúncia. “Acho que todo mundo que tem uma situação como essa deveria ir para a Justiça buscar seus direitos, mas realmente essa esfera não vem para cá. O Município não pode ser penalizado porque ele não é responsável por aquilo, [que é de] um ente privado. A não ser que o Município tenha recebido uma denúncia de que havia uma piscina, havia uma proliferação e não agiu. Aí a gente entra no polo passivo”.

