“Mandato parlamentar não pode servir de escudo para a impunidade. Esse sujeito vai ter que responder no Conselho de Ética e no STF por seus atos”, desabafou a vereadora de Carnaúba dos Dantas, Thabatta Pimenta (PSB), ao falar sobre o discurso transfóbico do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) no plenário da Câmara dos Deputados desta quarta-feira (8), quando foi celebrado o Dia Internacional da Mulher. De forma desdenhosa e usando peruca loura, o parlamentar se denominou “deputada Nicole” e fez ataques contra pessoas trans logo após o discurso da deputada trans Erika Hilton (Psol-SP).
“Transfobia é algo tão deliberadamente comum no Brasil, que esse deputado usa o parlamento de forma criminosa e não sai algemado de lá. O cara não tem um projeto para tampar buraco na rua, ganha dinheiro para ficar atacando pessoas trans, pessoas gordas… inútil demais! Quando o genocida exaltou Ustra na tribuna e não saiu de lá preso, todo mundo sabe o que aconteceu. Estamos cansadas de sermos silenciadas! Chegou a hora dos preconceituosos serem calados com a lei”, afirmou a vereadora.
Primeira vereadora trans do Rio Grande do Norte, Thabatta explicou que, em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que a discriminação e ofensas às pessoas LGBTI é enquadrada no artigo 20 da Lei 7.716/89, a Lei do Racismo, que prevê pena de reclusão de um a três anos e multa para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
“Transfobia é crime! Tem que fazer valer a lei exatamente por isso. Se a fala dele não for punida, outros vão querer fazer a mesma coisa. E é isso que acontece, a gente enfrenta isso em todos os ambientes e precisamos mudar isso. A fala dele foi logo após a primeira fala de uma das deputadas federais trans eleitas, e foi exatamente um ataque a ela e as pessoas trans como a gente”, disse.
A parlamentar comemorou a iniciativa do PSB, que juntamente com o PDT e o Psol, entraram com pedido de cassação de mandato contra Nikolas Ferreira, deputado bolsonarista, de extrema-direita, eleito com a maior votação do país. As falas transfóbicas dele também renderam uma repreensão por parte do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que afirmou que a “Câmara não é palco para discurso preconceituoso” e do Ministério Público Federal (MPF), que acionou a Casa para que investigue o caso.
“O que nos deixa feliz é que está tendo a junção de vários partidos para cassar o mandato dele e não deixar passar esse crime despercebido. Porque a fala dele só multiplica mais pessoas que pensam como ele e acham que ali é um lugar onde está sendo representado vários recortes da sociedade, podem falar o que quer. E não é assim. Até porque isso é um crime e ele tem que responder por isso”, afirmou Thabatta.
TRANSGÊNERO (TRANS)
Uma mulher transgênero (mulher trans) é uma pessoa que nasceu com o sexo biológico masculino, mas se autoidentifica como mulher. Já o homem transgênero (homem trans) é uma pessoa que nasceu biologicamente mulher, mas se identifica como homem.
“Homofobia e transfobia são crimes como racismo”, diz OAB
A vida das pessoas trans no Brasil é repleta de situações em que precisam enfrentar o preconceito e a ignorância, que se perpetuam apesar da legislação brasileira garantir direitos legais para todos. A própria Thabatta Pimenta passou por isso em setembro passado, quando, juntamente com sua equipe de assessores, foi barrada ao tentar entrar em um banheiro público no Via Direta. A cena vivida pela vereadora é um exemplo claro de transfobia, caracterizado como todo e qualquer tipo de preconceito e violência contra pessoas trans.
Conforme a presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Combate à Intolerância da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado (OAB/RN), Natália Mabel, a homofobia e a transfobia são crimes semelhantes ao racismo, cuja criminalização ocorreu a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida em julho de 2019.
“Além disso, a própria Constituição Federal define como um dos objetivos fundamentais da nação, promover o bem-estar de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, explicou.
Mabel explicou que a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República editou uma resolução em janeiro de 2015, durante o governo Dilma Rousseff (PT), que deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, de acordo com a identidade de gênero de casa pessoa.
“Em caso de transfobia ou homofobia, a vítima deve fazer a denúncia às autoridades. Pode ser feito um boletim de ocorrência em uma delegacia de polícia fixa ou online. É importantíssimo ter gravado algum áudio ou vídeo e levar esse conteúdo como prova do crime”, orientou a presidente da Comissão da OAB/RN.
HOMICÍDIOS POR TRANSFOBIA
A transfobia revela outro lado cruel da sociedade: os homicídios de pessoas trans no Brasil, que foi, pelo 13º ano consecutivo, o país onde mais pessoas trans foram assassinadas, conforme o Dossiê Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2021, realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), com apoio de universidades Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Federal de São Paulo (Unifesp) e Federal de Minas Gerais (UFMG). Em 2022, mais de 150 pessoas trans mortas.