O Ministério Público Federal apresentou as considerações finais acerca do processo que apura o maior esquema de tráfico de drogas da história do Rio Grande do Norte. A denúncia é fruto de investigações da “Operação Maritimum”, deflagrada pela Polícia Federal em julho de 2022, que apontou a existência de uma quadrilha especializada no envio de cocaína para a Europa, Ásia e África em navios, a partir dos portos de Natal e Areia Branca, no Rio Grande do Norte, e de outros terminais brasileiros. No documento, que possui quase 700 páginas, o MPF pede a condenação de 48 réus, o confisco de bens apreendidos em poder da organização criminosa e o ressarcimento de R$ 10 milhões aos cofres da União.
Ao Diário do RN, o procurador da República Fernando Rocha de Andrade, explicou que o próximo passo é a abertura do prazo para que a defesa dos réus apresente suas razões. Depois disso, sairá a sentença do juiz federal Mário Azevedo Jambo, substituto da 2ª Vara Criminal da Justiça Federal do RN. O magistrado é o titular do processo. A expectativa, ainda de acordo com o procurador, é de que a sentença seja proferida ainda este ano.
Os réus estão sendo julgados por organização criminosa, associação para o tráfico de entorpecentes e tráfico internacional de entorpecentes. Em caso de condenação, a pena pode chegar a 26 anos de prisão para cada integrante.
Réus presos, soltos e procurados
Boa parte dos acusados deixou a prisão em junho, após decisão da Justiça. Atualmente, 19 réus continuam encarcerados, entre eles João Paulo Ribeiro, o “BK”, também chamado de “Bokinha”, apontado como chefe da quadrilha. O juiz Mário Jambo ainda manteve a decretação de prisão preventiva de cinco acusados que seguem foragidos. Dois deles, inclusive, suspeitos de estarem na Europa. Outros seis denunciados, apesar de terem a prisão revogada por decisão do magistrado, seguem monitorados por tornozeleira eletrônica. Os demais aguardam a sentença em liberdade.
Investigação complexa
As denúncias feitas pelo MPF são o resultado de uma complexa investigação policial, com inúmeras diligências documentadas em mais de oito meses de interceptações telefônicas e provas contundentes da formação de uma verdadeira organização criminosa com sede na capital potiguar. Ainda de acordo com a denúncia, para atravessar o Oceano Atlântico, a droga era camuflada em meio a frutas e exportada dentro de contêineres, em navios cargueiros.
Operação Maritimum
A ação que desmantelou o esquema aconteceu em julho de 2022. Foi batizada pela Polícia Federal de “Operação Maritimum”. Na ocasião, foram cumpridos 46 mandados de prisão preventiva e 90 de busca e apreensão no Rio Grande do Norte, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Ceará e Pará.
No curso da investigação, além das expressivas apreensões de cocaína no Porto de Natal, também foram identificadas apreensões nos portos de Barcarena/PA, Mucuripe/CE, Salvador/BA e Santos/SP, totalizando 8 toneladas de entorpecentes.
No outro extremo da rota internacional da droga, apreensões também foram registradas em portos europeus, tendo os terminais marítimos de Amsterdã e Roterdã, na Holanda, como os principais destinos.
O esquema
Resumidamente, o esquema foi montado a partir da aquisição de uma residência no bairro de Ponta Negra, em Natal, e posteriormente de um outro imóvel no San Vale, também na capital potiguar, de onde “Bokinha” liderava a quadrilha. O local chegou a ser apelidado de “Mansão Mundrunga”. No dicionário, é possível achar duas definições para mundrunga. A primeira diz que significa mulher feia, de aparência ruim. A segunda, trata como feitiçaria, macumba ou bruxaria.
Um galpão, dentro de uma chácara em São José de Mipibu, na Grande Natal, também era utilizado como ponto de apoio para a quadrilha. Lá, os criminosos recebiam caminhões e carretas transportando contêineres carregados de mercadorias de exportação, como frutas e legumes, e faziam a contaminação da carga. O processo era simples: violar os contêineres e rechear as mercadorias com cocaína. Isso foi feito em limões, gengibres, mangas, melões e melancias.
Depois que a droga era camuflada em meio aos produtos, os contêineres eram novamente fechados com lacres clonados. Depois, os veículos seguiam para o Porto de Natal, de onde os contêineres embarcavam para a Europa. Detalhe: os contêineres possuíam termógrafos, que são dispositivos eletrônicos capazes de medir e gravar a temperatura das mercadorias. Para que os equipamentos não registrassem alterações na temperatura da carga, os bandidos colocavam sacos de gelo sobre os aparelhos.
Ao mesmo tempo em que foram realizadas as apreensões no RN, a quadrilha também operou nos estados do Pará (onde drogas era enxertadas em cargas de madeira), Ceará, Salvador e São Paulo, com interceptações de cargas nos países europeus de destino, como Bélgica, França e Holanda.
Rota internacional
Após as primeiras apreensões de drogas no Porto de Natal aconteceram em 2019. Na ocasião, a Polícia Federal confirmou que a capital potiguar estava na rota do tráfico internacional de drogas.
À época, inclusive, a PF confirmou que já sabia da existência do transporte de drogas pelo ar – caso em que o entorpecente é levado na bagagem ou preso ao corpo de passageiros de aviões. O trajeto marítimo, no entanto, foi considerado novidade, de acordo com Delegacia Regional de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF no RN.
Duas grandes apreensões foram feitas em fevereiro de 2019, as primeiras da história do Porto de Natal, aberto em 1932. Nunca uma operação policial havia descoberto drogas no terminal.
Ainda segundo a PF, o tráfico marítimo entre Natal e a Europa ocorria sempre de forma semelhante. Primeiro, a cocaína era embalada em tabletes. Depois, tudo é escondido em meio a carregamentos de frutas — que são exportadas dentro de contêineres — que por sua vez atravessam o Oceano Atlântico em navios cargueiros.
Além de desembarcarem em Amsterdã ou Roterdã, muitas vezes os contêineres também eram descarregados no Porto de Antuérpia, na Bélgica. Neste último, em 2018, a polícia local chegou a apreender 50 toneladas de drogas. Ainda não se sabe se esta droga em particular partiu da capital potiguar.