POR MARIO SABINO
A malignidade de Jair Bolsonaro tem o seu aspecto trágico no número de casos de Covid e mortes pela doença, mas há outro menos evidente: além de contribuir para matar gente, ele está matando ideias.
As ideias que Jair Bolsonaro assassina compõem o programa de uma direita que está muito longe dessa gente que sai de motocicleta para enaltecer um sociopata: menos estado na economia, honestidade no trato do dinheiro público, racionalidade na administração governamental, escola com discussões mais plurais, grupos sociais livres para comportar-se como quiserem, dentro da moldura constitucional, sem que impinjam os seus valores a todos os indivíduos, e a separação clara entre os poderes da República. Toda essa pauta, utilizada de maneira vigarista e distorcida por Jair Bolsonaro, está sendo espertamente associada ao fascismo pela esquerda incivilizada que quer exatamente o contrário: mais estado na economia, corrupção para salvar a humanidade dela própria, escola dominada por ideologia, comunitarismo e judicialização para contornar decisões do Executivo e Legislativo.
Mesmo em relação a assuntos circunstanciais, Jair Bolsonaro presta um desserviço à nação. A discussão sobre a urna eletrônica é um exemplo. Talvez fosse saudável submeter a consulta popular (não se confunda com consulta pública) a adoção de um comprovante impresso de voto que pudesse ser auditável de maneira clara para a esmagadora maioria das pessoas, em casos muito pontuais, como nas seções eleitorais nas quais a diferença de votação entre candidatos a cargos majoritários fosse mínima. Não porque a urna eletrônica tenha produzido fraudes — inexiste qualquer evidência nessa afirmação bolsonarista –, mas porque os cidadãos simplesmente podem achar que têm o direito a uma recontagem que lhes pareça mais transparente. A democracia é deles, não de senhores feudais que decidem tudo. No entanto, como Jair Bolsonaro se apropriou da discussão com clara intenção golpista (quer contestar no grito qualquer resultado que lhe seja desfavorável em 2022), quem defende o voto impresso passou a ser considerado partidário do sociopata.
Um país sem direita é um país sem uma das pernas que o fazem andar. Não há prótese que a substitua. Ao matar ideias da direita, por meio de apropriação indébita e cafajeste, Jair Bolsonaro aleija o Brasil.