O presidente Getúlio Vargas só promulgou no Código Eleitoral de 1932 a permissão ao voto feminino. Mesmo assim, quatro anos antes, em 1928, a pequena cidade de Lajes, na região Central do Rio Grande do Norte, permitiu não só o direito ao voto, mas também a candidatura e a eleição de uma mulher que fez história no Brasil e a América Latina. Alzira Soriano tinha 32 anos quando se tornou a primeira mulher eleita no país.
O feito aconteceu através de uma lei estadual que autorizava a participação das mulheres na política potiguar. “No Rio Grande do Norte poderão votar e ser votados, sem distinção de sexo, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei”, diz o texto da Lei Estadual 660, de 25 de outubro de 1927, conforme registro do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN).
O governador potiguar na época, José Augusto Bezerra de Medeiros, justificou a lei com base na falta de distinção entre homens e mulheres na Constituição vigente, de 1891, que citava apenas ‘cidadãos’.
No mesmo ano de 1928, a primeira mulher se tornou eleitora no Brasil, Celina Guimaraes Viana, também no Rio Grande do Norte.
Luisa Alzira Teixeira Soriano chegou ao posto de primeira prefeita dez anos depois de ficar viúva, com apenas 22 anos. Era casada com um promotor de Justiça pernambucano. Membro de uma família rica de Jardim de Angicos, distrito de Lajes na época, ela passou a administrar a fazenda da família e a se influenciar politicamente pelo pai.
A candidatura de Alzira também foi apoiada pelo governador Juvenal Lamartine, sucessor de Bezerra de Medeiros, e pela líder feminista Bertha Lutz, uma das pioneiras do feminismo no Brasil, que visitou o Rio Grande do Norte em 1928.
Num período de intensa misoginia, os registros contam que Alzira enfrentava a sociedade patriarcal ainda como administradora da propriedade rural no sertão nordestino regido pelas oligarquias da República Velha. Apesar de fazer parte de família tradicional, quando enfrentou a eleição, encarou também o preconceito.
Ela venceu com 60% dos votos válidos, pelo partido Republicano, sobre o oponente, Sérvulo Pires Neto Galvão. Diante da vergonha de ter perdido a eleição para uma mulher, Sérvulo Pires abandonou a política e a própria cidade.
“Determinaram acontecimentos sociais do nosso querido Rio Grande do Norte, na sua constante evolução da democracia, que a mulher, esta doce colaboradora do lar, se voltasse também para colaborar com outra feição na sua obra político-administrativa”, afirmou Alzira em parte do seu discurso de posse na prefeitura de Lajes, no dia 1º de janeiro de 1929.
Segundo relatos históricos, o mandato de Alzira Soriano, no entanto, durou cerca de dois anos somente. Apesar de ter sido convidada pelo governo federal para permanecer como interventora municipal após a Revolução de 30, ela decidiu renunciar ao cargo.
Mesmo assim, o feito ficou marcado na história. Ainda em 1928, dois dias depois de ser eleita, o jornal americano The New York Times destacou o pioneirismo brasileiro e potiguar das mulheres na política.
De 1928 a 2024 – O pioneirismo do passado pode ser reeditado no presente
Apesar do destaque lajense, 96 anos depois, nenhuma mulher voltou a ocupar a cadeira do Executivo Municipal. De 33 prefeitos, de 1915 até hoje, nenhuma outra mulher chegou a alcançar o posto novamente. Somente duas chegaram a disputar eleição municipal, Eliana Santos, em 2008, e Dra Lurdinha, em 2016 e 2020, mas sem sucesso.
Em 2024, na eleição de outubro próximo, mais uma mulher vai buscar conquistar o posto de sucessora de Alzira, à frente da prefeitura de Lajes. A dentista Ana Karina (UB) é lançada pela primeira vez à disputa por um cargo eletivo e pode ter uma eleição histórica.
Ana Karina é esposa do deputado federal Benes Leocádio (UB), que já esteve à frente da gestão do Município por cinco vezes. Ela deverá enfrentar o prefeito Felipe Menezes (MDB), de 32 anos, que venceu o grupo político em uma disputa apertada, com 51,23% dos votos, contra José Marques Fernandes, que alcançou 46,35% da cidade de 9.866 habitantes.
Segundo a pré-candidata, sua postulação é “um chamado, uma convocação”. Ela diz encarar como “realmente um grande desafio, que requer coragem e responsabilidade”.
“Vejo que não é um processo fácil. Sabemos que a estrutura torna a candidatura de quem a possui naturalmente favorável. Mas temos uma história de trabalho e dedicação ao município”, diz Ana Karina em conversa com o Diário do RN.
O trabalho a que a pré-candidata se refere é a atuação político-administrativa que exerceu enquanto o marido ocupava a Prefeitura Municipal. “Durante esse período tive a oportunidade de ser duas vezes secretária de Saúde, uma vez secretária de Assistência Social, duas vezes presidente da Apami (instituição que administra e mantém o Hospital Maternidade). Além de outras funções, como presidente de Conselho de Saúde, coordenadora do Cadastro Único dos programas sociais e coordenadora do Programa de erradicação do trabalho infantil”, lista.
Ana Karina Lopes da Silva Araújo é casada com o deputado há 34 anos e tem três filhos. Dentista, é pós-graduada em Administração Pública e em Auditoria em Saúde.
Para ela, o centenário da cidade de Lajes, comemorado em 2024, tem o retorno de uma candidatura feminina como um marco “importante e histórico”: “Lajes em seu centenário, poder ter uma pré-candidata, 96 anos depois de ter tido a primeira prefeita eleita da América Latina.
Uma mulher que deixou um legado de força e determinação das mulheres brasileiras, potiguares e especialmente lajenses. Isso nos encoraja a seguir em frente”, resume.
Ana Karina explica, ainda, que o grupo e o partido União Brasil estão incentivando “fortemente” a participação feminina na política de Lajes. As três mulheres que compõem a atual legislatura na Câmara Municipal entre outros seis vereadores, são do PSDB e União Brasil, partidos que devem compor a aliança em torno do seu nome.
“Além disso, podemos citar que nossa cidade tem tido o privilégio de contar com esse empoderamento feminino. Temos ocupando cargos juíza, promotora, presidente da Câmara, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, chefe do Cartório Eleitoral, presidente da Apami, dentre outros”, ressalta.