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ARTIGO: CONSERVADORES, REACIONÁRIOS E ESPERTOS

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OPINIÃO] Por que o governo Bolsonaro não é conservador –

Carlos Emerenciano – Arquiteto e Advogado

“Sou 100% conservador”; “Brasil acima de todos, Deus acima de tudo”; “abaixo o comunismo”; “intervenção já”. São frases que passamos a ouvir e ler com certa frequência, desde a ascensão de uma dita direita no Brasil.

Com o avanço da pandemia do coronavírus, vimos essa mesma direita negar a ciência e confrontar-se com as medidas sanitárias recomendadas pelas autoridades médicas em todo o mundo.

Foram além. Passaram também a duvidar da eficácia das vacinas, principalmente de uma certa “vachina”, como chamaram pejorativamente a Coronavac, pelo simples fato de o governador de SP, João Dória, ter se empenhado pelo seu desenvolvimento.

Na verdade, vivenciamos um show de bizarrices Brasil afora. Stanislaw Ponte Preta, se vivo fosse, certamente reeditaria o seu FEBEAPÁ (Festival de Besteiras que Assola o País). Material não lhe faltaria.

Contudo, a pergunta que faço é o que essa turma que bate no peito se dizendo conservadora tem a ver de verdade com o conservadorismo?

Antes de continuar, conto uma história: em janeiro do ano passado, o mundo perdeu um grande filósofo conservador, o inglês Roger Scruton. Deixou vasta obra e entre os seus títulos estão “A Alma do Mundo”, “Como ser um Conservador”, “Uma Filosofia Política. Argumentos para o Conservadorismo”, “Conservadorismo, um Convite à Grande Tradição”, entre outros. Um dos “zeros não sei das quantas” revelou em entrevista que Roger Scruton era a sua maior referência intelectual. Questionado pelo jornalista se havia lido algum livro do filósofo, respondeu: “estou para ler. Vou começar o branquinho dele. Da capinha branca”. E pegou na estante o livro “Conservadorismo, um Convite à Grande Tradição”.

Pronto. Revelada essa pérola da intelectualidade brasileira, creio que posso responder o questionamento: o dito conservador brasileiro, que anda por aí enrolado na Bandeira do Brasil ou então fantasiado de templário (quando não comete crime de apologia ao Nazismo), é, na verdade, um reacionário. Em nada se filia à corrente de pensamento que vai de Edmund Burke a Roger Scruton e que encontra entre suas fileiras personagens como Winston Churchill, Primeiro Ministro do Reino Unido durante a 2ª Guerra Mundial e figura essencial na vitória dos Aliados sobre o NaziFascismo.

E é preciso distinguir o conservador do reacionário. O apego de ambos à tradição tem naturezas absolutamente distintas. Na verdade, o conservador é aquele que busca manter o mundo. Para tanto, crê que precisa implementar reformas constantes para que o mundo vigente e suas instituições não desmoronem. Acredita naquela sentença de Isaac Newton: “se eu vi mais longe, foi por estar sobre os ombros de gigantes”. O reacionário não. Este quer restaurar um tempo passado e fantasia a história. Costumamos ouvir: “ah, durante o regime militar, era diferente…”.

O reacionário poderia cultuar Carlos Lacerda, que além de político, foi jornalista e escritor, inclusive tradutor de Shakespeare, mas prefere tecer loas à figura abjeta do torturador Coronel Brilhante Ustra. Em suma, o reacionarismo é uma deturpação do conservadorismo. Uma espécie de caricatura.

Diria, portanto, que o reacionário é tão semelhante ao conservador quanto o mico-leão-dourado o é em relação ao leão. As semelhanças não ultrapassam as nomenclaturas.

Existe, entretanto, outro tipo político que se aproveita dessa confusão entre conservadorismo e reacionarismo e do clima de ódio alimentado no país. Trata-se do esperto. Ele pode muito bem estar enrolado numa Bandeira do Brasil, vestido com a camisa canarinho (o que me faz recordar Samuel Johnson: “o patriotismo é o último refúgio do canalha”), ou então dançando ao som de “o meu coração é vermelho e de vermelho vive o coração”.

É um ser que não tem ideologia. Aproveita-se do ressentimento social causado pela falta de perspectivas para encurtar o seu caminho em direção ao poder.

Muito cuidado…

*Carlos Emerenciano – Arquiteto e Advogado.


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