Nos últimos dez meses, somente no Rio Grande do Norte, pelo menos oito advogados foram presos e um nono foi alvo de cumprimento de ordens judiciais. A casa dele foi vasculhada e objetos apreendidos. Destes nove, mais da metade está sob a suspeita de envolvimento com facções criminosas. Entre 2019 e 2023, o Ministério Público do Estado ofereceu à Justiça oito denúncias contra advogados, todos sob a acusação de ligação com o crime organizado. Quatro já foram condenados.
Para saber qual o posicionamento da Ordem dos Advogados do Brasil a respeito, quais medidas estão sendo tomadas e qual a resposta que a instituição tem a dar para a sociedade, o Diário do RN entrevistou o advogado Paulo Pinheiro, presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia da OAB/RN. Confira:
Diário do RN – O que a OAB do RN tem a dizer a respeito destas prisões e/ou investigações?
Paulo Pinheiro – A Ordem dos Advogados do Brasil tem acompanhado de perto esses casos no sentido de garantir, obviamente, que a lei seja cumprida e as prerrogativas sejam respeitadas. Essas questões que envolvem investigações sobre desvios de conduta, esses processos têm sido apurados via Tribunal de Ética e Disciplina. São processos sigilosos, garantindo ao advogado o exercício da ampla defesa e do contraditório.
Diário do RN – Em caso de ficar comprovado o envolvimento, estes advogados podem ser excluídos da OAB e terem seus diplomas cassados?
Paulo Pinheiro – Em caso de comprovação, respeitando o devido processo legal, respeitando os direitos da ampla defesa, do contraditório e do processo apuratório dessa infração, pode ser instaurado um procedimento de incidente de inidoneidade moral, que é instaurado pelo Conselho da Seccional. Ao final, o Conselho decidirá se aquela conduta foi atentatória à advocacia ou não, aí o advogado poderá perder a carteira.
Diário do RN – Que medidas a Comissão de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia da OAB/RN tem tomado e que resposta pode ser dada à sociedade?
Paulo Pinheiro – A Comissão de Prerrogativas tem acompanhado de perto, garantindo que as prerrogativas sejam respeitadas no acompanhamento de todos esses procedimentos e enviando, eventualmente, mais o trabalho de apuração desse tipo de situação que está sendo feito pelo Tribunal de Ética e Disciplina. A OAB ressalta que não compactua com qualquer conduta que extrapole o exercício da advocacia, ou seja, fora dos limites do exercício da advocacia e de suas prerrogativas. E, qualquer ato que seja passível de apuração, que haja indícios de desvirtuamento da profissão, a OAB tem a apuração com todo rigor.
Operações e prisões mais recentes de advogados no RN
As prisões e cumprimentos de mandados de busca e apreensão envolvendo advogados no Rio Grande do Norte foram realizados pela Polícia Civil, por meio da Divisão de Investigação e Combate ao Crime Organizado (DEICOR), e pela Força Integrada de Combate ao Crime Organizado do Rio Grande do Norte (FICCO/RN), que é composta por diversas forças de segurança que atuam no estado, entre elas a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Penal, Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (SEAP), Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social (SESED) e Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN).
Confira abaixo as ações realizadas no RN nos últimos dez meses
- Operação policial realizada no dia 30 de novembro de 2023 pela Polícia Civil/DEICOR, em Natal, prendeu três advogados suspeitos de envolvimento com o crime organizado no RN. Com dois deles foram encontrados mais de 600 bilhetes, mais conhecidos no mundo do crime como “salves” e “catataus”.
- “Operação Malvaceae 1”. Realizada pela FICCO, aconteceu no dia 29 de fevereiro de 2024. A investigação revelou que, de dentro do sistema prisional potiguar, líderes de uma organização controlavam parte do tráfico de drogas por meio de recados transmitidos durante atendimentos feitos por um advogado, também alvo da operação. Buscas foram feitas na propriedade dele.
- “Operação Malvaceae 2”. Também realizada pela FICCO. Aconteceu no dia 3 de setembro de 2024. Dois advogados foram presos. O objetivo foi investigar a ação de advogados que se valiam, de forma ilícita, de suas prerrogativas funcionais para promover a comunicação entre integrantes de uma facção criminosa presos e em liberdade. Os recados eram recebidos e transmitidos nas unidades prisionais durante as visitas de atendimento jurídico.
- “Operação Protetor”. Realizada pala Polícia Civil/DEICOR no dia 18 de junho. Prendeu um advogado suspeito de facilitar a entrada de celulares no Presídio Rogério Coutinho Madruga, no Complexo Penitenciário de Alcaçuz, em Nísia Floresta.
- Ação realizada no dia 25 de março pala Polícia Civil/DEICOR, em Natal, prendeu um advogado suspeito de utilizar uma procuração falsa para tentar retirar da delegacia um carro com placas de Sergipe que havia sido apreendido na capital potiguar.
- Ação realizada no dia 9 de agosto pala Polícia Civil/DEICOR, também em Natal, prendeu um advogado suspeito de utilizar procurações falsificadas com a intenção de sacar dinheiro de contas bancárias pertencentes a uma pessoa falecida.
Operações Carteiras I e II
Nestes últimos anos, o Ministério Público do Rio Grande do Norte também tem combatido o envolvimento de advogados com organizações criminosas. Foram duas ações bastante exitosas, as operações Carteiras I e Carteiras II, ambas realizadas em 2022. Ao todo, foram cumpridos sete mandados de prisão preventiva e outros quatro de busca e apreensão nas cidades de Natal, Parnamirim, Extremoz e Nísia Floresta. As ordens judiciais foram cumpridas nas residências dos advogados, em um escritório de advocacia e no Complexo Penitenciário de Alcaçuz. Entre os advogados denunciados à Justiça, quatro foram condenados.