“Queremos saber se foi doação ou empréstimo. Não tivemos acesso às informações na época e estamos pedindo esclarecimentos ao Dnocs”, afirmou o presidente da Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte (Femurn), Luciano Santos, ao falar sobre a preocupação dos 39 prefeitos potiguares beneficiados pelo então ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho (PL), com doação de tratores, retroescavadeiras e caminhões durante a campanha eleitoral deste ao Senado, em 2022. Os municípios estão sendo notificados via ofício pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs), subordinado ao MDR, para que devolvam os equipamentos.
“Em atenção ao Acordo de Cooperação Técnica, pelo qual a autarquia disponibilizou um caminhão para uso do município, informamos que encontra-se expirado. O mesmo não pode ser renovado, uma vez que há vedação legal para à aditivação de contratos administrativos expirados. Ressaltamos que, o veículo deverá ser entregue sem pendências financeiras, como multas, IPVA e outras”, traz o documento encaminhado à Prefeitura de Patu no último dia 8 de dezembro.
Patu é comandada pelo prefeito Rivelino Câmara (MDB), que, em abril de 2022, ele anunciou à população a entrega de dez veículos. “Entregamos nove veículos e agora, uma caçamba adquirida junto ao Dnocs através do ministro Rogério Marinho, que vem servir à infraestrutura do nosso município”, falou, na época.
No entanto, um ano e oito meses depois, Rivelino recebeu ofício assinado pela coordenadora estadual do Dnocs no RN, Carmem Lúcia Bairros dos Santos, para avisar que o acordo de cooperação técnica com o órgão havia expirado e que ele deveria devolver o caminhão recebido no ano anterior.
Para o presidente da Femurn, além de não ter recebido informações detalhadas na época, a falta de documentação adequada para os municípios pode ter contribuído para a confusão. Ele expressou a esperança de que os municípios não sofram prejuízos com a possível devolução das máquinas solicitada pelo Dnocs aos municípios por meio de ofício.
Luciano disse que, na época da distribuição dos equipamentos, não teve acesso às informações sobre a natureza do repasse. E que o documento encaminhado ao Dnocs é para saber se Rogério doou os maquinários conforme afirmou aos prefeitos durante a campanha ou se escondeu que era apenas um “empréstimo temporário” dos tratores, visando ganhar os votos dos prefeitos para vencer sua eleição ao Senado Federal, o que se configuraria em estelionato eleitoral.
“Foi um empréstimo? Foi uma doação? Não foi questionado isso na época. Confesso que, enquanto prefeito, não questionei sobre isso, e a máquina está sendo utilizada para a sociedade. Mas, queremos ter acesso ao processo, para saber se foi doação ou empréstimo. Se foi empréstimo, queremos aditivo por um tempo determinado, se possível for. Também vamos tentar pleitear para que as máquinas não sejam devolvidas, inclusive, pedir ao governo federal para não executar a devolução, porque não há sentido”, afirmou Luciano, em entrevista à 98 FM nesta terça (26).
Um prefeito que pediu para não ser identificado por medo de represálias disse ao Diário do RN que foi enganado por Rogério Marinho em 2022. “Ele enganou sim, votamos nele por causa dessas doações, que estão se revelando fajutas. Foi estelionato eleitoral sim”, falou.
Em janeiro de 2022, o então ministro Rogério cumpriu agenda no Trairi, acompanhado pelo deputado federal Benes Leocádio (UB) e o deputado estadual Tomba Farias (PSDB), e entregou equipamentos, máquinas e recursos para obras de infraestrutura na região.
“Nosso trabalho tem sido contribuir com o desenvolvimento dos municípios brasileiros, dando atenção especial as cidades do Nordeste pela brutal desigualdade que enfrentam há séculos. O RN, assim como todos os demais estados, está recebendo os investimentos que merece e que precisa para voltar a crescer. Da parte do governo federal sempre terá nosso total apoio”, disse, na ocasião.
DNOCS: EQUIPAMENTOS PERMANECEM NOS MUNICÍPIOS
Apesar das informações constantes no ofício encaminhado pela coordenadora geral do Dnocs no RN, o diretor-geral do órgão, Fernando Leão, afirmou que tudo não passou de um “equívoco” e que os equipamentos entregues aos municípios em 2022 “vão continuar nos municípios”. Procurado novamente pela reportagem do Diário do RN, ele não atendeu mais as ligações.
A reportagem também tentou falar com o ex-ministro do Desenvolvimento Regional, senador Rogério Marinho, para falar sobre o tema, mas este não respondeu aos questionamentos encaminhados via aplicativo de mensagens.
O escândalo traz à tona questionamentos sobre a transparência na distribuição de recursos públicos e levanta dúvidas sobre as práticas eleitorais do senador. Em agosto de 2022, então ministro, Rogério lançou sua candidatura ao Senado e distribuiu equipamentos para 39 municípios potiguares, comprados com recursos do chamado orçamento secreto, criado por Jair Bolsonaro (PL) para consolidar apoio político e que distribuiu dinheiro, sem a divulgação de seus nomes.
A formalização do repasse para as prefeituras ocorreu por meio do Termo de Execução Descentralizada (TED) nº 150, de 2020, celebrado entre o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Apesar das afirmações de Rogério de que o orçamento secreto era comandado pelo Congresso, uma planilha interna do MDR revela que o TED nº 150 corresponde ao “GM”, supostamente indicando “Gabinete do Ministro”.