Chamou a atenção da mídia nacional, no início desta semana, um foguete paraibano que vem ajudando a recuperar áreas desmatadas da Caatinga, o único bioma exclusivamente brasileiro.
Marcada pela ocorrência do clima Semiárido, quente e seco, e também por espécies endêmicas altamente adaptadas à seca, esse tipo de vegetação vem desaparecendo. Uma das causas é a extração desenfreada de madeira, comumente utilizada para alimentar fornalhas à lenha. É aí que entra em cena a invenção, desenvolvido na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Lançado pelos ares, o artefato leva junto milhares de sementes, de forma a ajudar no replantio da área devastada pela ação humana. O foguete é fabricado com garrafas PET, fibra de vidro e impressão 3D. O lançamento é feito pela pressão do ar e água dentro das garrafas. O projeto foi desenvolvido pelo físico Renan Aversar, durante o doutorado. Para avaliar o potencial de reflorestamento, os testes estão sendo feitos no município onde menos chove no Brasil, em Cabaceiras, na região do Cariri da Paraíba.
Apesar da criatividade e de sua importância, a utilização de foguetes como apoio ao reflorestamento não chega a ser novidade. Em 2016, por exemplo, algo semelhante foi criado por estudantes no interior baiano. À época, a ideia foi homenagear o Dia Mundial do Meio Ambiente.
Assim, alunos da Escola Estadual Maria José de Lima Silveira, no município de Sobradinho, encontraram uma forma sustentável e lúdica para recompor a Caatinga, e criaram um foguete conhecido como Veículo Lançador de Sementes (VLSS). Feito com materiais recicláveis, como garrafas pet e papelão, o foguete baiano também dispersava sementes pelo ar.
Dessalinizador potiguar
Enquanto os paraibanos e baianos investem na fabricação de foguetes que cortam os céus espalhando sementes, no Rio Grande do Norte a tecnologia que ajuda na recuperação e preservação da Caatinga vem do Sol. Em janeiro, um grupo de três pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) desenvolveu um dessalinizador solar modular projetado especificamente para atender às condições operacionais do semiárido brasileiro, beneficiando, sobretudo, a população que vive no Nordeste e no norte de Minas Gerais.
O equipamento teve seu depósito de pedido de patente realizado na primeira semana de 2024, sob a denominação Dessalinizador solar modular. O método de dessalinização assemelha-se aos processos naturais, como a vaporização da água do oceano e a formação de nuvens, mas em uma escala reduzida. Quando a luz solar atinge a bacia contendo água salina, esta aquece e evapora livre dos sais. O vapor de água condensa na tampa transparente do dessalinizador, retornando ao estado líquido.
Um dos pesquisadores explica que o equipamento opera aproveitando exclusivamente o calor solar para retirar os sais da água por meio de destilação. Wildson Leite ressalta que todo o desenvolvimento do dessalinizador solar modular foi pautado pelo baixo custo de construção, manutenção e operação, além da máxima eficiência, segurança química da água produzida e respeito ao meio ambiente.
Da Caatinga para o mercado
Outro exemplo do uso da tecnologia como forma de auxiliar na preservação do bioma, também vem de pesquisadores da UFRN. Trata-se de uma formulação farmacêutica e cosmética inovadora, na forma de hidrogel, cuja patente foi solicitada em 2022. A invenção contém como ativo um insumo vegetal obtido das cascas do caule de Commiphora leptophloeos, conhecida popularmente como imburana, uma espécie nativa da Caatinga e do Cerrado. Para ter a substância, é preciso preservar a planta.
Renato Dantas de Medeiros, autor da tese de doutorado que resultou na nova tecnologia, tendo participado da obtenção e desenvolvimento do insumo, desenvolvimento e caracterização da formulação e avaliação da atividade antifúngica, fala que o uso de plantas para o tratamento tópico de doenças vaginais, como a candidíase, e de distúrbios da pele se mostra altamente promissor, visto que apresentam potente efeito terapêutico, menos efeitos adversos e independência na produção da matéria-prima em território brasileiro, desde o cultivo até o produto que será comercializado.
Outra descoberta científica, que de certa maneira ajuda indiretamente na preservação de plantas típicas da Caatinga, também foi realizada por um grupo de pesquisa de farmacêuticos da UFRN. O resultado, alcançado há dois anos, está na elaboração de um produto com aplicações farmacêuticas, odontológicas, veterinárias e cosméticas devido às suas propriedades hidratante, antibacteriana, antiparasitária, antioxidante e antifúngica. Estamos falando de óleo extraído de uma palmeira nativa e abundante na Caatinga, que pode ser encontrada nos estados da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
Bioma ameaçado
A caatinga cobre mais de 90% do território potiguar. É um bioma extremamente frágil e ameaçado pela desertificação. Segundo a Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), mais de 2,7 bilhões de pessoas em todo o mundo são afetadas pela desertificação, e o Nordeste brasileiro é uma das regiões mais vulneráveis. Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em agosto de 2023, estima que metade da Caatinga está em processo de degradação, com o problema se agravando em áreas como o Seridó, que abrange boa parte do sertão do RN e da Paraíba.
Ao mesmo tempo em que derrubada da vegetação alimenta uma das atividades mais importantes para a economia de vários municípios no interior do estado, a devastação de extensas áreas de vegetação também causa danos irreparáveis para Caatinga. Hoje, a exploração de madeira é feita praticamente sem controle algum, transformando a Caatinga em lenha para a indústria e fábricas de telhas e tijolos no sertão.