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AQUECIMENTO: RN É UM DOS ESTADOS MAIS VULNERÁVEIS À DESERTIFICAÇÃO

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Conhecido pelas belezas de seus mais 400 km de litoral, que contempla cenários diversos, desde as dunas de Genipabu, passando pelas falésias de Pipa, à icônica Praia de Ponta Negra, o Rio Grande do Norte é tido como um território rico sob diversos pontos de vista geográficos. É a esquina da América do Sul, o ponto mais próximo dos continentes europeu e africano, com amplo potencial para geração de energias renováveis. Mas essa mesma localização privilegiada traz um ponto extremamente negativo diante do cenário do aquecimento global: a alta vulnerabilidade para a desertificação, que consiste na transformação de alguns trechos de terra em áreas áridas de vida, sem possibilidade de recuperação.

Essa é uma realidade apontada pelo físico Francisco Alexandre da Costa, professor da Universidade Federal do Rio Grande (UFRN). “Nossa posição geográfica é muito estratégica, o que nos dá uma vantagem em certos aspectos, mas do ponto de vista climático nos torna muito vulneráveis. Somos um dos estados brasileiros mais vulneráveis à desertificação, com 80% do território em áreas suscetíveis. O aquecimento global poderá reduzir drasticamente o nosso regime de chuvas, agravando a desertificação”, afirma.

Mas e o que é, de fato, o tal aquecimento global?
O docente explica que esse fenômeno consiste no aumento da temperatura média da superfície da Terra – a “atmosfera” – devido a atividades humanas que levam ao crescimento das emissões dos chamados gases de efeito estufa. Esses gases têm um papel fundamental para manter a temperatura média na Terra em níveis adequados para a manutenção da vida no planeta, em particular a vida humana. Entretanto, com a queima de combustíveis fósseis em larga escala, a concentração de dióxido de carbono cresceu e passou a aumentar a temperatura da atmosfera.

“Esse aquecimento da atmosfera tem provocado o derretimento das calotas polares, dos gelos glaciais, que estão acumulados, tanto nos polos como no alto das grandes montanhas, das grandes cadeias rochosas. Esse gelo, essa água em estado sólido, tem retornado para o sistema hidrológico, sobretudo no formato líquido, entrado dentro do regime dos rios, elevando os níveis de erudibilidade desses rios e também, uma vez nos oceanos, ajuda a elevar o nível dos oceanos, que, por sua vez, também geram uma onda de processos erosivos na costa como um todo”, acrescenta o geógrafo ambientalista Gustavo Szilagyi, ex-diretor do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN (Idema).

Szilagyi esclarece ainda que esse excesso de água dentro do regime hidrológico faz com que haja um desequilíbrio no sistema ecológico, o que impacta de forma direta na nossa vida, no nosso cotidiano, já que causa grandes precipitações, muitas vezes torrenciais, com grande volume de água caindo ao mesmo tempo em um curto espaço de tempo.

“O que faz com que os sistemas públicos das cidades que não estão projetados para aquele volume de água, entrem em colapso, sobrecarreguem e gerem a formação de enchentes que invadem as casas, invadem os imóveis, o comércio, destroem tudo e geram, enfim, todo um transtorno para toda a comunidade”, completa Gustavo.

Além desse volume ampliado de chuvas, a elevação da temperatura média da superfície terrestre desencadeia outros problemas, como mudanças nos períodos de estiagem e maior ocorrência de eventos climáticos extremos como ondas de calor e de frio, muitas vezes com mais intensidade, explana o professor Francisco, que ainda aponta outras consequências, como furacões, incêndios florestais e perda de biodiversidade. O professor também frisa os impactos socioeconômicos desses eventos, como migrações climáticas e conflitos por recursos.

Consequências diretas no RN


No Rio Grande do Norte, esse aquecimento traz diversas consequências em setores distintos, podendo afetar, por exemplo, o abastecimento de água – causando crises hídricas – e a agricultura familiar. “A nossa economia ainda é baseada em agricultura, pesca e turismo, atividades muito suscetíveis às mudanças climáticas. A perda de biodiversidade, terrestre e marinha, tem consequências profundas na economia, dentro do modelo que temos hoje”, explica o professor da UFRN.

Francisco detalha ainda os tipos de implicações desse fenômeno na saúde pública. “Há um ponto pouco explorado aqui no RN, que diz respeito ao aumento da incidência da radiação ultravioleta, acarretando problemas de pele, incluindo o câncer, e de visão”, destaca o professor. Além disso, ele menciona que estudos mostram a relação do estresse térmico ocasionado pelas mudanças climáticas com o aumento da incidência de doenças cardiorrespiratórias. “Portanto, no caso do Rio Grande do Norte precisamos agir, forte e urgentemente”, aponta.

A gravidade deste processo também é apontada por Gustavo Szilagyi. Ele afirma que o RN é um dos poucos estados brasileiros que possui uma parte do seu território considerado como área núcleo de desertificação. “Essas áreas envolvem a perda de biodiversidade e a incapacidade de correção dos danos já efetivados ao meio ambiente. São áreas nas quais o clima semiárido já não é mais semiárido, é um clima árido. São locais que, por não terem mais vegetação, não terem mais solo, você não tem mais a presença da fauna. Então, são sem vida. E essas áreas têm crescido de forma muito rápida”, esclarece.

Apesar da gravidade do processo de desertificação, o ambientalista explica, ainda, outros problemas observados no estado em decorrência da elevação da temperatura global, como o aumento das chuvas torrenciais na região litorânea. “Aquelas chuvas concentradas em grandes volumes em pouco tempo, que levam à ocorrência de enchentes, a ocorrência de desmoronamentos, de barrancos, com perdas de patrimônio e, principalmente, perdas de vidas”, explica.

“Como resultado desse aumento da precipitação, há diversos impactos na vida urbana. Há uma necessidade de nós termos que replanejar o modelo de desenvolvimento das nossas cidades, a forma como as nossas cidades estão crescendo, a ocupação desses territórios, principalmente das áreas consideradas críticas ou de risco”, diz o especialista.

Pontos de atenção na capital potiguar
Em Natal, o geógrafo ambientalista Gustavo Szilagyi aponta a demanda por um novo sistema de drenagem. “O nosso sistema de drenagem foi projetado por um volume de água que hoje não é mais a nossa realidade. Está havendo uma necessidade de a gente ter que reconstruir o nosso sistema de drenagem para atender a realidade atual de volumes cada vez mais torrenciais, volumes de precipitação cada vez maiores”, pontua. “E tudo isso envolve custos. Custos de matéria-prima, custos de material, custos de vidas humanas, e até onde nós iremos suportar toda essa demanda por materiais, tanto para refazer quanto para adaptar as nossas cidades à nova realidade?”, acrescenta Gustavo.

Outra situação que afeta a capital potiguar, em decorrência do aquecimento global, são os processos erosivos em decorrência da elevação dos mares nos oceanos. “O que nós testemunhamos em Ponta Negra na última década é exatamente fruto desta intervenção no clima global”, diz o geógrafo, que destaca que toda a obra da engorda da Praia de Ponta Negra é paliativa diante dessa realidade.

“O processo erosivo vai continuar, e se não houver um retrocesso prognóstico de elevação das temperaturas, e consequentemente de ampliação dos impactos na linha de costa, futuramente, vamos ter que refazer todo esse processo, todo esse trabalho que foi feito agora”, acrescenta.

Para especialistas, é urgente conter o aumento do aquecimento global

Elevação pode levar planeta ao “ponto de não retorno”, quando não é possível reverter danos como processos de desertificação

De acordo com o professor Francisco Alexandre da Costa, a solução para conter o avanço dessa degradação no litoral é executar planos de adaptação. “Por exemplo, construção de diques, recuperação de manguezais, zoneamento urbano restritivo e realocação de comunidades.

Cidades como Natal podem implementar ações como reflorestamento, ou recuperação, de manguezais, que ajudam como barreiras de proteção natural, além de terem um grande potencial para o sequestro de carbono”.

Mas nem só do poder público é a responsabilidade pelo gerenciamento dessa situação, e que muito mais do que encontrar paliativos, é preciso conter o aumento do aquecimento global. É importante que cada indivíduo tenha consciência do seu impacto no ecossistema e do seu papel na soma de esforços.

“Como habitantes deste planeta, cada um de nós exerce um papel extremamente importante nesta cadeia. Porque nós somos consumidores, então a nossa necessidade de estar sempre comprando, renovando o nosso guarda-roupa, ou comprando um celular novo, um carro novo, um eletrodoméstico novo, toda essa necessidade que o mercado nos impõe e que nós aceitamos como algo bom, isso é extremamente pernicioso para o planeta porque envolve uma necessidade da indústria de estar ainda explorando cada vez mais os parques, os recursos naturais, e ao mesmo tempo, gerando novos danos ao meio ambiente, aumentando a poluição, o descarte de resíduos – tanto resíduos sólidos quanto gases de efeito estufa”, afirma Gustavo Szilagyi.

“Então, é importante que nós passemos a repensar o nosso consumismo, passemos a reutilizar os nossos produtos, a valorizar o que nós temos em casa e possamos utilizá-los como os nossos avós faziam, até o fim, até ele se quebrar, até ele não se tornar mais útil de fato. (…) Temos que aprender a reciclar os nossos bens, participar de programas de coleta seletiva, fazer esse trabalho dentro de casa. Se cada um de nós tivermos essa consciência, iremos dar uma ajuda fenomenal”, conclui o geógrafo.

Quanto a essas atitudes individuais, o professor Francisco acrescenta sugestões: “Plantar árvores, reaproveitar águas, cobrar dos governantes medidas que visem diminuir emissões, como um transporte público de qualidade, se possível baseado em veículos elétricos”, afirma. “É importante que cada indivíduo tenha consciência de qual é a sua pegada de carbono, ou seja, quanto que eu estou emitindo de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera e como posso reduzir”, completa.

O ponto de não retorno
Essa conscientização não é apenas importante, ela é fundamental, visto que, a exemplo do processo de desertificação já verificado amplamente no RN, outros impactos poderão chegar a uma gravidade irreversível. “Nos últimos 40 anos, os cientistas têm se debruçado para tentar identificar qual é o ponto de até onde o planeta suporta, até onde nós conseguiremos poluir a ponto de ainda termos condições de reverter todos os impactos derivados da nossa intervenção no planeta”, explica Gustavo Szilagyi.

O ambientalista afirma que as pesquisas científicas têm apontado que entre um acrescimento de um grau e meio e dois graus ainda seria considerado aceitável. “A partir de dois graus, nós não conseguiríamos mais reverter a onda de aquecimento e consequentemente todos os efeitos decorrentes dessa intervenção humana no sistema global”, declara.

Ultrapassar esse limite poderia levar ao atingimento de alguns pontos de não retorno. “Esses pontos são limites a partir dos quais podemos ter mudanças abruptas, irreversíveis e potencialmente catastróficas para o ecossistema. Desde a extinção de espécies à savanização da Amazônia, passando pela desertificação de regiões semiáridas e o aumento do nível do mar”, explica Francisco Alexandre.

O docente acrescenta, porém, uma explicação mais ampla sobre a chegada a pontos de não retorno. “Para o planeta em si, isso não importa muito. Se a Terra perder sua atmosfera, o planeta continuará no seu lugar. Os humanos serão extintos. A maioria das formas de vidas desaparecerá por completo. Como já vimos, o aumento de 1,5°C é um ponto de não retorno para diversos processos físicos que afetam todo o ecossistema. Dobrar este limite é causar extinção da maioria das espécies”.

Ele explana, ainda, que um aumento de 4°C causaria um colapso de todo sistema socioeconômico, “o que tornaria a vida muito difícil para a humanidade”. O professor afirma que é importante destacar que esses números representam uma média global. “Localmente, ou seja, em determinadas regiões, o aumento de temperatura pode ser diferente. É o que acontece hoje no Nordeste do Brasil. Há regiões em que o aumento de temperatura tem sido acima da média global por efeitos locais, como desmatamento da caatinga, por exemplo, e degradação do solo”, ressalta.

Por ser um efeito global médio, uma determinada região do planeta pode, em certas épocas, sentir o efeito inverso, observando um resfriamento local, fenômeno que já tem sido observado.

“O que parece ser uma contradição, mas física e estatisticamente falando, é uma possibilidade”, completa Francisco Alexandre.

Sendo esse um fenômeno global, como os países têm se unido para enfrentá-lo?
O professor da UFRN cita o tratado internacional denominado “Acordo de Paris”. O documento “visa limitar o aumento da temperatura global aos 2°C (preferencialmente 1,5°C). Para isso, os países devem reduzir emissões, abandonando combustíveis fósseis (como petróleo, carvão e gás) e adotando fontes renováveis (solar, eólica, hidrogênio verde, entre outras)”, afirma.

O professor declara que isso leva ao passo seguinte que é promover a transição energética. “E neste processo surgem naturalmente alguns desafios, mas também as oportunidades. Temos desafios da procura por novas tecnologias, temos o desafio da implementação da transição energética justa. E temos as oportunidades representadas pela economia verde e circular”.

Nesse sentido, Francisco Alexandre exalta o grande potencial do Brasil, ressaltando o destaque do Nordeste brasileiro nesse setor. Ele aponta que estamos vivenciando um momento em que o Nordeste pode se tornar uma referência no desenvolvimento industrial a partir das possibilidades proporcionadas pelas fontes de energia solar e eólica.


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