
Aos 16 anos, José Heitor já tem um plano de vida bem definido: quer ser engenheiro mecânico formado pela UFRN, fazer doutorado e, quem sabe, um dia trabalhar em uma grande revista automotiva como a 4 Rodas. Mas o que talvez mais chame atenção na trajetória desse jovem estudante de mecatrônica do IFRN, é sua clareza ao falar sobre si mesmo — inclusive sobre o diagnóstico de autismo e TDAH que recebeu ainda na infância.
“Eu comecei a estudar com 4 anos e as pessoas já notavam que eu era diferente. Não interagia muito com os colegas, saía da sala, não participava. Depois de três anos começaram a investigar o que era. Aos sete anos veio o diagnóstico: autismo”, conta Heitor.
Além de sua paixão por carros, Fórmula 1, futebol e filmes, Heitor encontrou um espaço onde pode explorar um novo talento: a comunicação. Ele é um dos adolescentes que participa do Jornal Fofocus, uma iniciativa da clínica Focus Intervenção, localizada no bairro Lagoa Nova, em Natal (RN). O projeto tem como objetivo promover a inclusão social, profissional e vocacional de jovens neurodivergentes por meio da produção de um jornal comunitário.
De “fofoca” à informação com propósito
Segundo a psicóloga Kátia Nogueira, analista do comportamento e CEO da clínica, o nome “Fofocus” foi escolha dos próprios adolescentes.
“Alguns consideravam os jornalistas como fofoqueiros. Trabalhamos a ideia de que fofoca pode prejudicar, mas a informação ajuda e traz conteúdo. Assim, começamos a produzir o jornal com esse viés informativo, educativo e inclusivo. Hoje, os próprios clientes fazem a distribuição em praças, padarias, comércios, além de participar de todo o processo de produção”, explica Kátia.
O projeto está inserido dentro de um programa vocacional mais amplo da clínica, que visa preparar os adolescentes para o mercado de trabalho e até gerar renda com o próprio jornal. Os participantes também recebem suporte clínico e terapêutico, com foco em habilidades sociais, comunicação, autocuidado e preparo para a vida adulta.
A iniciativa, além de terapêutica, é formadora de cidadãos, como resume a psicóloga Kátia: “Queremos que esses jovens aprendam a se tornar pessoas melhores, com mais autonomia, com voz e com possibilidades reais de inclusão no mercado de trabalho. ”


“Autistas não são apenas uma ‘luta’, são pessoas com histórias e vidas comuns”
Heitor é enfático ao falar sobre a importância do Fofocus em sua vida: “O Fofocus me ajudou a me comunicar melhor, agir de forma saudável, perguntar de forma concreta como a pessoa se sente. Me ajudou a interagir com as situações do dia a dia e a controlar a paciência. ”
Mesmo com o foco nas exatas, ele não descarta a possibilidade de um dia se dedicar ao jornalismo — especialmente se puder unir essa paixão com os carros. “Já pensei em ser jornalista, principalmente apresentador. Queria ter minha própria emissora: a TV Potiguar. Se eu não conseguir trabalhar como engenheiro, penso em fazer jornalismo e trabalhar com o Jornal do Carro ou AutoEsporte”, diz ele.
Heitor também acredita que projetos como o Fofocus ajudam a combater o preconceito e o capacitismo. “A comunicação pode ser usada para esclarecer estigmas. Como o canal do William Chimura, que é autista e fala sobre o autismo com base científica. A comunicação ajuda a mostrar que autistas não são apenas uma ‘luta’, são pessoas com histórias e vidas comuns”, reflete.
Concordando com Chimura, Heitor segue acelerando na direção de um futuro que ele mesmo está ajudando a construir, uma peça de cada vez. Se será com motores ou microfones, ainda está em aberto. Mas que será com propósito, isso ele já tem certeza.