Elas tentam reduzir a exposição escolhendo clientes mulheres e cobram a expulsão dos assediadores das plataformas
“Um passageiro bêbado segurou meu braço enquanto eu dirigia e disse que só iria sair do carro quando me beijasse”. A frase é da motorista por aplicativo Luciana Macedo, que vive da profissão há seis anos. O relato revela o assédio e a insegurança enfrentada por várias mulheres potiguares dentro dessa profissão, pelo simples fato de serem mulheres.
A motorista faz parte de uma crescente participação feminina dentro do mercado de motoristas por aplicativo. Formada em enfermagem, Luciana relata que a profissão foi mais atrativa do que a anterior porque ofereceu mais renda e uma melhor flexibilização da jornada de trabalho. Mas como motorista, ela já viveu situações perigosas e até criminosas causadas por homens.
A frase destacada no início desta matéria se refere a esse caso: enquanto dirigia pela Zona Sul de Natal, Luciana aceitou uma corrida solicitada por quatro homens entre 23 e 27 anos que haviam saído de uma festa. Durante a corrida, os passageiros começaram a falar coisas desrespeitosas para a motorista, que apesar da situação, tentou continuar o trabalho. Porém, as coisas saíram completamente do controle quando um dos passageiros tentou beijá-la enquanto Luciana dirigia: “Quando ele segurou meu braço e tentou me beijar enquanto eu dirigia, quase bati o carro no momento em que eu levantei meu braço, para que ele não me tocasse”.
Vendo a gravidade da situação, os amigos do assediador tentaram acalmá-lo. Mesmo assim, de acordo com a motorista, o homem afirmou que só desceria do carro quando ele a beijasse. Então, os amigos do assediador o tiraram do carro à força: “Foi uma situação muito constrangedora. Eu me senti muito ameaçada, tendo em vista que eram quatro pessoas no banco dos passageiros. Dou graças a Deus que os outros amigos dele não entraram na brincadeira. Se não, a situação que eu teria passado seria muito pior”, disse. Após o incidente, a motorista decidiu que só iria realizar corridas para mulheres.
Foi a partir daí que veio a ideia da criação do grupo “Ladys”. O grupo é composto atualmente de 83 mulheres da Grande Natal que trabalham para diferentes aplicativos. Dessas, 49 também optaram por prestar serviços apenas ao público feminino, para se resguardar de outros casos de assédio. Para a motorista e líder do grupo, as autoridades e os próprios aplicativos precisam criar medidas mais rígidas para frear o assédio: “Os assediadores deveriam sofrer uma exclusão permanente das plataformas, visto que isso existe punição para esse tipo de prática no Código Penal. Ao contrário do que se pensa, assédio não é falta de conhecimento, e nem de poder aquisitivo. Para a gente, ser motorista de aplicativo é uma profissão de risco, uma profissão onde falta uma legislação que dê base e proteção ao trabalhador(a)”.
Assim como Luciana, a motorista Maria das Dores também sofreu com casos de assédio praticado por passageiros, e por isso, também decidiu dirigir apenas para mulheres. Na ocorrência, Maria aceitou uma corrida solicitada pela esposa de um passageiro. A motorista relatou que foi perguntada sobre quanto ganhava através do trabalho, e após responder, foi assediada: “Eu disse a ele que dependia muito do dia. Quando eu disse isso, ele respondeu “E se eu lhe der o dobro do que você ganha para você sair comigo, o que você faria”? Diante daquela proposta indecente, a motorista afirmou que iria denunciar a situação a esposa do homem: “Eu sou casada e sou muito bem casada. Não gosto dessas coisas. Depois disso, nunca mais dirigi para homens”.
A reportagem do Diário do RN conversou com a responsável pela Delegacia de Apoio à Mulher das Zonas Leste, Oeste e Sul de Natal (Deam ZLOS), Helena de Paula. Para a delegada, os casos de assédio e de violência sexuais contra as mulheres são pouco denunciados. Apesar disso, ela afirma que as forças de segurança do estado podem criar mais medidas de combate a esse tipo de crime: “A violência sexual praticada contra mulheres trabalhadoras, motoristas de aplicativo, é extremamente subnotificada. Nesta unidade policial (DEAM/ZLOS) não há nenhum caso noticiado. Isso dificulta a implementação de políticas de segurança pública voltadas ao combate a essa modalidade de crime, e por isso, precisamos que as mulheres vítimas desse assédio denunciem. Mesmo assim, as forças de segurança podem adotar medidas específicas para reprimir esse tipo violência contra mulheres motoristas, criando protocolos específicos para garantir a integridade dessas mulheres, inclusive, alinhando com as próprias empresas de transporte, por exemplo, o fornecimento de câmeras de segurança para o interior do veículo, números de chamadas de emergência, identificação segura do passageiro para fins de eventual responsabilização, dentre outras medidas”.
Como mulher e integrante da Polícia Civil, a delegada também falou sobre o seu sentimento em relação aos casos: “Como mulher e como trabalhadora, percebo o quanto estamos mais expostas à violência, seja ela física, moral, sexual, sobretudo quando assumimos profissões que, no contexto social, foram durante muito tempo afetadas aos homens”.