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OFICINA DA SALVAÇÃO

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As mãos que um dia empunharam armas, drogas e que conheceram um par de algemas não são mais as mesmas. Elas agora entrelaçam barbantes, contam missangas e seguram crucifixos. As mãos que um dia causaram aflição, sofrimento e dor também mudaram. Elas agora trabalham por dias melhores, por esperança, por fé. As mãos que antes agiam no mundo do crime não existem mais. Agora, elas trabalham fabricando peças religiosas. Agora, elas salvam.

A transformação vem acontecendo não faz muito tempo. Em janeiro, na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, o maior presídio do Rio Grande do Norte, começou a funcionar a Oficina de Terços, uma pequena fábrica de oportunidades, de novas vidas.

A Oficina de Terços de Alcaçuz é um dos projetos que ajuda na ressocialização e remição da pena dos detentos. No presídio, os sentenciados também têm a oportunidade de trabalhar em oficinas de costura, serralheria, produção de vassouras, fábrica de produtos de limpeza e de pisos intertravados. Em breve, a grande novidade será uma oficina para recuperação e reforma de carteiras escolares, uma parceria que vai ajudar os estudantes de Nísia Floresta.

Para Helton Edi, secretário estadual da Administração Penitenciária, “o trabalho no sistema prisional contribui para reduzir a reincidência criminal, favorecendo o retorno do privado de liberdade ao convívio social”.

O Diário do RN esteve em Alcaçuz. E quem explicou como funciona a Oficina dos Terços não foi a SEAP ou a direção do presídio. Não, foram os próprios apenados. Treze presos trabalham no local, que funciona de segunda a sábado, das 8h às 16h. Para fazer parte da oficina é preciso passar por uma seleção, pelo processo de qualificação da unidade. É preciso ter boa conduta, bom comportamento, cumprir com as normas.

“Precisamos querer mudar, querer uma vida nova, um futuro diferente”, disse Herculano Venâncio de Almeida. Ele tem 26 anos. Condenado a 13 anos de cadeia por tráfico de drogas e assalto a mão armada, o detento já cumpriu pouco mais de 1 ano da pena. Neste período, está há três meses trabalhando na fabricação de terços religiosos. “Aqui eu me sinto bem, realizado.

Quando sair da prisão, tenho certeza que tudo que aprendi aqui vai me ajudar lá fora. Realizamos um trabalho artesanal, mas também aprendemos sobre o negócio, sobre empreender”, acrescentou.

Remição e remuneração
Para cada três dias trabalhados, um dia a menos de prisão. É assim para Herculano, para os outros doze presos que trabalham na oficina, e é assim para todos que trabalham em alguma atividade dentro do sistema prisional. Este é o acordo judicial. Mas, é o único benefício? O trabalho ocupa a mente, preenche o tempo ocioso, capacita para novas atividades, abre portas no mercado de trabalho e dá dinheiro. Sim, para casa terço produzido, os presos também são gratificados.

A empresa que fornece o material trabalha por encomenda. Ela recebe os pedidos de clientes, que são lojas de produtos religiosos, e entrega barbantes, missangas, medalhas, crucifixos e imagens dos santos, por exemplo, para a oficina. Lá, os presos montam os terços de acordo com o que foi encomendado. Todos foram devidamente capacitados. Na oficina, os presos montam mais de 20 modelos de terços religiosos, com tamanhos, formatos e imagens diferentes.

“Vai de acordo com a encomenda. Aqui fazemos mais terços de Nossa Senhora da Apresentação, padroeira de Natal. Dos santos, o mais pedido é o terço de São Bento, que é o santo protetor de todos os males”, disse Herculano.
Em média, a oficina produz de 300 a 400 terços religiosos por dia. Para cada peça, a fábrica paga R$ 0,18. Deste valor, parte fica com o Estado, parte vai para a família do apenado e outra parte é paga ao próprio preso.

Sentimento de mudança
Outro integrante do grupo de 13 trabalhadores da oficina é Aldo Freire da Silva, de 44 anos. Ele já foi caminhoneiro. “Hoje estou aqui, cumprindo pena por tráfico de drogas”, contou. A pena dele é de 21 anos em regime fechado.

“Sou natalense, mas fui embora para o Pará tentar uma vida melhor. Não deu certo. Virei traficante e acabei preso em Altamira. Isso foi em 2014. Depois de solto, voltei para o Rio Grande do Norte, onde voltei a cometer crimes. Em 2020, em São Gonçalo do Amarante, fui preso novamente. No Pará e no RN fui pego com cocaína. O crime não compensa”, afirmou Aldo.

E agora? “Agora, o que tenho é arrependimento. Mas também tenho sentimento de mudança, de certeza que um dia vou sair daqui e ter uma vida melhor. Tenho minha esposa e meu filho, que graças a Deus me dão força. E tenho a oportunidade de estar trabalhando novamente, aprendendo coisas novas, produzindo terços, que é uma coisa muito bonita, que me ajuda e ajuda outras pessoas a terem fé”, disse o preso.

Rumo certo
“Este trabalho que fazemos aqui veio para mudar minha vida, me fortalecer, recolocar a minha vida no rumo certo. O crime não compensa, de verdade. O que vale mesmo é o trabalho. Se você quer ser alguém, trabalhe, trabalhe muito”.

As palavras são de Marlon Manso de Barros, de 50 anos. Natural de Cuiabá, ele trocou o Mato Grosso pelo Rio Grande do Norte há 26 anos. Na cabeça, o sonho de trabalhar e ter uma vida digna.

Em Natal, Marlon montou lojas de serigrafia e computação gráfica. Virou empresário.

“Infelizmente me tornei um viciado e comecei a fazer coisas erradas. O vício me levou a morar na rua, acabou comigo. Em 2010, fui preso por tráfico de drogas e assaltos. Fui condenado a 18 anos de prisão. Em 2019 eu estava no semiaberto, aí cometi novos crime e troquei tiros com a polícia.

Fui baleado na perna e tive que amputar”, revelou. “E aqui estou eu, numa cadeira de rodas. O crime destrói. Só o trabalho constrói”, emendou.


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