Início » Artigo

Artigo


QUEM VAI RESSARCIR OS DANOS CAUSADOS PELA LAVA JATO?

  • por
Compartilhe esse post

ARTIGO
Erick Wilson Pereira, doutor em direito constitucional pela PUC-SP

A reflexão que surge após o julgamento realizado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) não é sobre negar nem duvidar da ocorrência dos crimes investigados e imputados pela Lava-Jato. O cerne da questão é a transgressão do direito à ampla defesa, o que levou a julgamentos injustos, amparados em ajustes prévios e em uma atuação coordenada entre procuradores e magistrado.

Tal jogo de cartas marcadas, inevitavelmente, impressionou a opinião pública por causa da celeridade processual e da sincronia entre hipóteses acusatórias e das sentenças condenatórias. Os números da Lava Jato, levantados pelo próprio Ministério Público, são impressionantes. A operação começou em março de 2014 e chegou a 80 fases, 179 ações penais, 559 pessoas denunciadas, 209 delações e foram decretadas 278 condenações, cujas sentenças somam 2.611 anos de prisão.

Resta-nos, agora, fazer uma simples pergunta: quanto custou aos cofres públicos? Afinal de contas, o cenário em que tudo isso ocorreu, como ficou agora assentado, prejudicou a paridade de armas entre defesa e acusação. Ele ainda inclui elementos como seletividade das provas, parcialidade na condução das investigações, estratégias probatórias obscuras, obtenção ilegal de provas no exterior, interpretação flexível, manipulação de princípios e normas processuais penais, negação sistemática de providências essenciais para o exercício da ampla defesa, delações direcionadas e “encorajadas” por prisões cautelares abusivas, sugestão de diligências e indicação de testemunhas pelo magistrado.

Um primeiro passo já foi dado: ao anular o processo contra o ex-presidente Lula sob o argumento de parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro, o STF abriu o flanco da Lava Jato para que outros acusados –políticos, empresários e doleiros– também peçam revisões criminais de seus casos e tenham seus processos anulados. Agora, com o retorno do Estado constitucional diante da revelação de um juiz tendencioso e declarado suspeito, suas vítimas poderão buscar a responsabilização, civil ou criminal.

À perda da imparcialidade do juiz natural do processo agrega-se o desvio de finalidade funcional e a movimentação adulterada da máquina estatal que ferem o interesse dos réus, os princípios da Administração e a própria ordem pública.

Os danos ao erário, ainda que não devidamente contabilizados, já se antecipam como expressivos, ainda que consideremos que a Lava Jato já devolveu R$ 4 bilhões aos cofres públicos. Tanto que um grupo de senadores (PT e Pros), em manobra previsível, solicitou ao TCU uma investigação sobre os gastos da força-tarefa de procuradores de Curitiba com passagens e diárias –estimado em R$ 7,5 milhões nos sete anos da operação. Foram 49 viagens internacionais, 2.585 deslocamentos nacionais (procuradores foram requisitados de outras cidades para trabalhar na Lava-Jato) e internacionais, além de R$ 1,8 milhão gasto em passagens, segundo levantamento feito pelo Poder360, com base em dados da Lei de Acesso à Informação.

Tais gastos poderão parecer bem modestos, considerando que, em futuro próximo, poderemos ter um conhecimento mais detalhado dos encargos envolvidos nos inúmeros trâmites processuais e periciais; do tempo e custos empregados pelo Judiciário, Receita Federal, Ministério Público e Polícia Federal (as 80 fases da operação Lava-Jato envolveram aluguel de viaturas descaracterizadas, despesas com combustível e deslocamento de pilotos, diárias de agentes entre outras despesas); dos valores restituídos em razão de acordos de devolução monetária e patrimonial que venham a ser eventualmente anulados.

A impressão que fica é que a Justiça errou e falhou sob o comando de um juiz demasiadamente obsequioso para com as aspirações do Ministério Público. Os ilícitos não só desaguam em crimes de abuso de autoridade para procuradores e magistrado, mas produzem consequências nefastas para todos, pois promovem a insegurança jurídica, a instabilidade institucional, a erosão dos cofres públicos e o descrédito de instituições, sobretudo do Judiciário, perante a sociedade.

Sabe-se que há dificuldades em se fazer o levantamento dos dados relativos às despesas envolvidas numa ou mais operações que, geralmente, são contabilizadas em setores diferentes dos órgãos, o que demanda tempo para que o valor dos gastos seja por fim detalhado. Presume-se que tais gastos sejam inseridos em ações de improbidade administrativa. Alguém irá propô-las? Quando? E em que contexto político? Afinal, quem irá ressarcir esse dano ao erário?


Compartilhe esse post

A CASQUEIRA SEM O SEU PROFETA

  • por
Compartilhe esse post

ARTIGO

Horácio Paiva

Não há depoimento maior, mais forte e mais contundente do que a morte, ante a qual todas as palavras empalidecem. Alan Seeger, poeta norte-americano que morreu durante a I Guerra Mundial, aos 28 anos de idade, na França, escrevera, na véspera de sua morte em combate, um belo poema, intitulado “Rendez-Vous”, cujos versos iniciais ficaram mundialmente famosos. Continham, além da beleza, palavras proféticas:

“Amanhã terei um encontro com a morte
e a esse encontro não poderei faltar…”


A morte é o nosso limite físico. E, na emoção dos que ficam, amplia a reflexão e o julgamento. Montaigne, em seus Ensaios (Livro Primeiro, Capítulo XIX), diz: “Deixo que a morte se pronuncie sobre minhas ações; por ela se verá se as minhas palavras saem dos lábios ou do coração.” E, ainda, ao tratar da perda de um ente querido: “Morrendo ultrapassou mais gloriosamente do que sonhara a fama e o poder a que aspirava em vida.”


A intensa comoção provocada pela morte do inesquecível amigo Benito Barros mostrou o quanto ele era querido em nossa comunidade. Suponho que mais do que ele próprio sabia. A sua dimensão social e política agigantou-se. Provou que a sua voz – denunciando erros, injustiças e hipocrisias políticas – não era uma voz que clamava no deserto. A cidade, que nem sempre se manifestava, escutava-o em silêncio, mas atentamente. Se não queria o confronto, se não adotava a polêmica de suas posições – por acomodação ou por parecer-lhe inadequadas, ora certas, ora erradas -, entendia, porém, necessário o açoite de seu agitado e profético clamor.

Como intelectual, era um afilhado de Rimbaud, e, a exemplo de Augusto dos Anjos, flertava com a morte, naquele sentimento ao mesmo tempo romântico e beatnik, o que mais claramente se vê em seu livro Réquiem para o Infinito. Para não exilar-se em sua própria cidade e não sentir-se adstrito ao seu dia a dia, ao tédio, aos seus limites existenciais e institucionais, e aos governos que contestava, criou, para si próprio, com senso de humor e ironia, uma fábula, refúgio opcional à realidade em que vivia, e para lá convidou os seus amigos: o Império da Casqueira (nome inspirado em uma das ilhas do delta do rio Assu), adotando, então, o pomposo título de imperador – o que, afinal, demonstrava que a ilha continuava política, ao contrário das ilhas exclusivamente líricas, como as de Baudelaire (em Invitation au Voyage) e Bandeira (Pasárgada).


Era assim, portanto, profeta em Macau e imperador na Casqueira…


Como seu amigo, guardo de Benito muitas lembranças… De quando começou a divulgar os seus poemas, dizendo que eram traduções que fizera de um poeta americano morto prematuramente; de sua campanha vitoriosa como candidato a vereador no início da década de 1980, numa das trincheiras em que lutávamos contra a ditadura; de seu entusiasmo com a leitura dos poemas de Constantinos Kaváfis, poeta grego de quem antes eu muito lhe falara; de seus elogios e insistência para que eu publicasse o meu livro Navio entre Espadas; de sua emoção ao ouvir o meu relato da visita que fizera a seu pai, Afonso Barros (de quem certamente herdara a verve e o virtuosismo verbal), em seu leito de morte num hospital de Recife…
Inventamos o tempo e não o compreendemos. Santo Agostinho dá-nos notícia de que, para DEUS, ele não existe. Também penso assim, na eternidade estática e, aos nossos olhos, dinâmica. Até o reencontro em DEUS.


Benito vive, viva Benito!


Compartilhe esse post