“Ao invés de sacrificar o animal, seria mais lógico, no caso dos animais de grande porte, fazer leis severas para punir o proprietário que negligencia o cuidado com os animais, pondo em risco a população e o próprio animal”, a fala é da advogada Juliana Rocha, Presidente da Comissão de Direito Animal da OAB/RN sobre o polêmico projeto de lei aprovado na Câmara de Apodi para a apreensão e abate de animais em situação de rua. O PL proposto por Charton Rêgo também prevê a destinação da carne dos animais considerados saudáveis para o consumo em creches e escolas do município.
Ao Diário do RN, Juliana Rocha, advogada do Direito Animal, comentou sobre a proposta que levantou diversos debates sobre essa medida. Juliana afirma que é necessário tratar de situações distintas e que, inicialmente, um animal abandonado já está em situação de maus-tratos e que de acordo com Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 640, o Supremo Tribunal Federal vedou o abate de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, apreendidos em situação de maus-tratos.
Juliana Rocha, que atua na causa animal há mais de 15 anos, destaca que um projeto de lei com esse teor chama a atenção e acende o alerta de que o RN está atrasado nas mudanças legislativas que possuem como objeto a proteção animal, inclusive no que diz respeito à sua dignidade.
“O animal doente deve ser tratado, não sacrificado. É obrigação do Estado. A Constituição Federal é clara quanto à obrigação do Estado em proteger os animais contra atos de crueldade. O que poderia ser mais cruel com esse biocídio anunciado? É um retrocesso. Já há um grupo de juristas e técnicos reunindo-se para estudar a melhor alternativa de atuação, onde a Comissão de Direito Animal da OAB/RN e a Comissão de Defesa Animal de Mossoró estão atuando em conjunto para garantir o Direito desses animais”.
A advogada comenta que dentre os aspectos desse projeto de lei, deveria existir uma política pública para conscientizar a população acerca do menor consumo de carne e dos riscos advindos do alimento, ressaltando que é um aspecto mais econômico do que cultural. “Além disso, me causa estranheza esse direcionamento para merenda escolar para as crianças. Entendo que o alimento servido em rede de ensino deve passar por critérios rígidos – estamos falando de proteger também as crianças. Infelizmente o projeto de lei foi confeccionado sem analisar todos os contrapontos fáticos e jurídicos”.
Juliana Rocha ainda questiona a ausência de política de castração para fins de controle populacional. Na medida que coloca como animal ‘bruto’ os passíveis de transmitir doenças. “Já existe norma legal que proíbe a eutanásia de animais domésticos que não se enquadrem na hipótese de doença incurável onde o animal esteja sofrendo e o quadro seja irreversível, isso mesmo atestado por médico veterinário com exames clínicos e laboratoriais. Não pode o município adotar uma política de eliminação de animais, indo de encontro à construção animalista que estamos verificando em nosso país. A lei fala que serão abatidos sob inspeção sanitária do município. Lembramos, porém, que há a necessidade de um médico veterinário, bem como devem ser obedecidas regras rígidas, inclusive referente ao local do abate”, pontua.
O que diz o PL
O projeto 094/2021, de autoria do vereador Charton Rêgo (MDB), estabelece as normas de apreensão de animais no meio urbano e determina critérios para a liberação. No caso de animais desconhecidos, por exemplo, a primeira vez que forem localizados em vias públicas serão conduzidos para fora da zona urbana. Se o mesmo animal voltar a invadir a zona urbana, será apreendido. Caso o animal seja conhecido, o dono será notificado. Referente à apreensão, o período de apreensão não pode passar de oito dias, o poder público ficará responsável pelos cuidados do animal.
Consumo humano
“Sendo animais que culturalmente são usados para consumo humano, e estando estes em perfeitas condições de saúde, serão abatidos sob inspeção sanitária do município e sua carne destinada às creches e unidades escolares municipais”, diz o projeto.
A aprovação na Câmara ocorreu na última quinta-feira (14), e o projeto foi encaminhado para a sanção do prefeito. Ao Diário do RN, Alan Silveira (MDB) prefeito de Apodi, destacou que “Ainda não fiz a leitura. Apenas vi postagens nas redes sociais. Vou pegar o projeto e sentar com o jurídico e equipe técnica para ter um entendimento desse projeto”.
Até o fechamento desta matéria, não tivemos resposta ao contato feito para a Câmara Municipal de Apodi sobre os questionamentos feitos acerca da situação do abatedouro público do município, além do quantitativo sobre a situação desses animais nas ruas para que a medida tenha sido pensada pelo vereador Charton Rêgo, que também não respondeu ao contato feito pela equipe.