Início » O PRESIDENTE E O ABSORVENTE

O PRESIDENTE E O ABSORVENTE

  • por
Compartilhe esse post

Reprodução/Internet

O absorvente feminino serve para conter o sangue originário da menstruação, evitando que passe às roupas e mantenha a higienização da mulher.

O absorvente é algo absolutamente inerente à intimidade da mulher. Literalmente, é invasivo do ponto de vista material e incômodo no aspecto subjetivo. Já foi pior. Houve tempos em que a mulher sentia vergonha de chegar em uma farmácia e pedir um ‘modess’, sinônimo de absorvente por muito tempo. Adolescente então, mandava a mãe comprar.

Até já houve quem materializasse o ápice do desejo masculino quando disse que gostaria de ser “seu O.B.”, o absorvente em forma de canudo que é introduzido no ventre da mulher ‘naqueles dias’.

A menstruação também já foi algo desconfortável até para falar. Afinal, o que realmente significa um sangramento mensal sem ser associado à doença? A ignorância perdurou, a ponto de haver questionamento a respeito da hemorragia sadia que não produzia danos, exceto no humor das mulheres, a famosa TPM, que assusta muitos homens, ‘vítimas’ da oscilação da serotonina feminina.

Rita Lee ousou entoar em música, o compromisso mensal do ex-sexo frágil: “Mulher é bicho esquisito, todo mês sangra”, dizia a roqueira, na composição dela e do então marido, Roberto de Carvalho, lançada em 1982 sob o título “Cor de Rosa Choque”.

É o bicho esquisito que move o mundo, produz paz e guerra, alimenta amor e ódio, é proprietária de intuição ímpar e dona do amor incomparável quando mãe.

Pois bem, como se já não bastassem as crises sucessivas e diversas, protagonizadas pelo governo federal ou diretamente pelo som emitido da boca presidencial, Jair Messias Bolsonaro patrocina mais uma polêmica negativa para seu currículo, o veto ao projeto que estabelecia distribuição gratuita de absorventes femininos.

O clã presidencial, dotado de singular habilidade verbal, já sapecou a pérola: “Quer dizer que agora a mulher só menstrua se Bolsonaro deixar?”, questionou um dos numéricos filhos do capitão, em uma das inúmeras oportunidades de manter a boca fechada e os dedos longe do teclado.

O problema não é a menstruação feminina. Ela é natural e obedece a um ciclo único da mulher e ocorre sob a vontade do presidente ou não; com permissão da mulher ou não.

O problema é que o Brasil descobriu que há centenas de mulheres de todas as idades, que não têm dinheiro para comprar o absorvente. Ausência de recursos fruto da crise financeira que fez o cidadão trocar carne por osso.

Sem dinheiro para adquirir absorvente, mulheres deixam de frequentar aulas ou trabalho por conta do inconveniente sangramento sem absorção ou utilizam miolo de pão, jornal  ou outros meios nada confortáveis ou higiênicos para conter a inevitável cachoeira vermelha. É humilhante para a mulher. Degrada a dignidade humana e expõe o tamanho da chaga social que vivemos atualmente. Além disso, também pode provocar infecções no útero com consequências imprevisíveis.

Por que no passado os outros governos não distribuíram gratuitamente os absorventes? Perguntam os que são, por cegueira ou conveniência política ou ideológica, obrigados a buscar argumentos que tentem fundamentar o veto presidencial.

Cada situação tem seu momento. No passado, não houve a necessidade tão gritante que há hoje; ou, se houve, não teve a dimensão que ganhou na atualidade.

Passado é passado. Passou. Vivemos o presente e é no presente que a necessidade se impõe de forma emergencial.

A higiene íntima não pode ser tratada como acessório ou plus. É uma questão de saúde da mulher, que a ministra da mulher se posicionou contrária à distribuição dos absorventes, num gritante e inexplicável paradoxo.

O absorvente é, além de cumprir sua função prática, um símbolo da mulher, que comporta em seu universo, a maior fatia do eleitorado.

E mulher quando quer uma coisa…

Mulher quando ‘pende’ para um lado, não há força contrária que a detenha.

Sem notar, como tantas outras coisas que ocorrem sob sua administração, o presidente Jair Messias Bolsonaro pode ter acionado o pavio do aumento de sua rejeição, que aciona a decretação de uma derrota eleitoral inevitável.

Ele feriu a mulher sem toca-la sequer com um dedo; ele desmereceu o sexo feminino com uma assinatura num pedaço de papel.

Já dizia ditado velho e surrado, que em mulher não se bate nem com uma flor. É verdade.

Mas Bolsonaro deu uma surra coletiva nas mulheres brasileiras com seu veto à distribuição dos absorventes.

O veto presidencial pode até ter suas justificativas legais. Não foi somente por causa do veto. Foi a violência verbal direta e indireta que provocou hematomas indeléveis, tatuagens com imagens do espancamento platônico doloso e inesquecível.

O tema menstruação foi popularizado da forma mais grotesca que poderia haver. Afinal, o tal sangramento faz parte da limpeza natural do útero no ciclo reprodutivo da mulher. É a assepsia da vida.

O absorvente negado pelo presidente às mulheres em vulnerabilidade social, eufemismo para mulher pobre, sem dinheiro sequer para comer as três refeições do dia, projetou a imagem de alguém cuja sensibilidade e sentimentos são voltados para as armas e não para as amas.

O caixão político do presidente está sendo confeccionado com milhares de absorventes, com abas e sem abas, fino e grosso, negados por ele às mulheres nada frágeis desse Brasil.


Compartilhe esse post

1 comentário em “O PRESIDENTE E O ABSORVENTE”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *