Depois de, em pouco mais de um ano, três grandes países latino-americanos avançarem em relação à descriminalização do aborto, direita e esquerda no Brasil dizem considerar remotas as chances de o Congresso alterar neste ano as atuais regras — seja para que lado for.
A interrupção de gravidez é tema de acaloradas discussões na Câmara e no Senado, mas nas últimas legislaturas qualquer modificação tem sido barrada pelos dois lados.
Bolsonaristas e as bancadas religiosas travam qualquer avanço na liberalização. Por outro lado, e apesar da profusão de projetos apresentados, não conseguem emplacar um endurecimento da lei — há resistência da esquerda e de parlamentares que dizem considerar satisfatória a atual legislação.
“Não acho que o Arthur Lira [presidente da Câmara, PP-AL] vai bancar esse desgaste, não vejo possibilidade de votação neste ano”, afirma o presidente da bancada evangélica, o deputado Sóstenes Cavalcante (União Brasil-RJ).
Apesar dos discursos inflamados, igual posição é reafirmada por outros parlamentares, em caráter reservado.
Os projetos são capitaneados por parlamentares como a deputada bolsonarista Chris Tonietto (União Brasil-RJ). Entre outros pontos, proíbem o aborto mesmo em caso de estupro e criam uma bolsa a mulheres que engravidem após estupro.
O Congresso brasileiro tem hoje uma maioria conservadora e o Executivo, sob Jair Bolsonaro (PL). é comandado por um presidente abertamente favorável ao endurecimento das leis do aborto, mas há três fatores que impedem o avanço da pauta bolsonarista nessa questão.
Apesar de estar em minoria, a esquerda conseguiu nesta legislatura contrariar as expectativas e barrar as principais propostas do setor conservador sobre o tema — entre elas a inclusão na Constituição do entendimento de que a vida começa na concepção e a instituição do chamado Estatuto do Nascituro.
“Há uma contenção na bancada feminina a retrocessos como esse. Mas há um caça às bruxas em projetos variados, tentando impedir o acesso à atual legislação. Tentam tolher qualquer projeto que faça menção a direitos reprodutivos, a gênero”, afirma a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP).
Um segundo ponto é que 2022 é o último ano da atual legislatura. Geralmente, projetos mais polêmicos se concentram no início do mandato dos parlamentares.
Nessa segunda-feira, 21, a Corte Constitucional da Colômbia decidiu que nenhuma mulher poderá ser julgada por um aborto realizado até a 24ª semana da gestação. A decisão foi tomada por cinco votos a favor e quatro contra, retirando o procedimento da lista de delitos do Código Penal — quando realizado dentro desse prazo.
A mudança é vista como conquista histórica para a luta feminista num país de maioria católica em que, a cada ano, cerca de 400 mulheres eram condenadas a penas de 16 a 54 meses de prisão por interromperem a gravidez.
A decisão torna a Colômbia o principal país da América do Sul, em termos de população, a descriminalizar o procedimento —e a terceira grande nação da América Latina a fazê-lo em pouco mais de um ano, junto ao México e à Argentina.
A Colômbia também é o primeiro país latino-americano em que a descriminalização se deu sob um governo de direita, como o de Iván Duque, ainda que a decisão não tenha partido dele, mas da Justiça. O presidente, aliás, criticou a decisão. “Estamos diante de uma decisão que diz respeito a toda a sociedade colombiana, e cinco pessoas não podem propor algo tão atroz para a nação”, disse, em comunicado nesta terça. Segundo ele, a mudança poderia transformar o aborto em um mecanismo de contracepção.
Bolsonaro também se manifestou com críticas à Corte do país vizinho. “Que Deus olhe pelas vidas inocentes das crianças colombianas, agora sujeitas a serem ceifadas com anuência do Estado no ventre de suas mães sem a menor chance de defesa”, escreveu nas redes sociais. “No que depender de mim, lutarei até o fim para proteger a vida de nossas crianças.”
Depois, voltou à rede social para reforçar sua posição e atacar adversários. “No Brasil, a esquerda festeja e aplaude […] Trata-se da vida de um bebê que já tem tato, olfato, paladar e que já ouve a voz de sua mamãe. Qual o limite dessa desumanização de um ser inocente?”
O Brasil tem há 80 anos um mesmo ordenamento penal para o aborto. A única alteração ocorreu há oito anos —e por via jurídica, não legislativa.
Em 1940, um decreto do então presidente Getúlio Vargas passou a prever no Código Penal casos em que o aborto não se constituiria crime, se praticado por um médico: estupro e risco à vida da gestante. Desde então, a lei pune com um a três anos de prisão a mulher que realiza o procedimento fora da previsão legal.
Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a interrupção da gestação de fetos anencéfalos não configura crime.
Na América Latina, o aborto ainda é permitido e legalizado em Cuba, no Uruguai e na Guiana.
Com informações da Folha de S. Paulo