Enquanto a governadora Fátima Bezerra (PT) recebe críticas por ocultar o nome de Aluízio Alves em artigo publicado sobre o centenário do educador Paulo Freire – em que aborda a sua participação pioneira na cidade de Angicos – o jornalista Paiva Rebouças, pelo Jornal de Fato, fez questão de destacar o legado de Aluízio, que era governador do estado na época em que Freire instituiu as “40 horas de Angicos”.
O texto tem como base a entrevista feita com Henrique Eduardo Alves, filho do ex-governador, que relata suas memórias daquela época, quando tinha apenas 15 anos de idade. “Eu tive em Angicos [recentemente] e um detalhe curioso me emocionou: três pessoas me procuraram, uma disse que a mãe e o outro diz que o pai tinham sido alfabetizados pelo método Paulo Freire. Então, foi uma coisa realmente que me emocionou muito”, destacou Henrique em entrevista.
Veja texto na íntegra:
Henrique Alves: memórias do legado de Aluízio em Angicos
Por Paiva Rebouças – Jornal De Fato
O dia estava cheio, desses dias que não sobra tempo para nada, quando uma mensagem soou no WhatsApp. Há quase uma semana esperando retorno, o ex-ministro Henrique Eduardo Alves respondeu nossa solicitação se desculpando pela demora. Avisou que poderia nos atender às 15h daquele dia. Precisamos reorganizar toda uma agenda para não perder a oportunidade da conversa que consideramos importante para o contexto da história por ser mais um documento da memória do educador Paulo Freire e da história do Rio Grande do Norte.
Aos 73 anos, Henrique ainda tem todo o vigor de uma vida política cheia de acontecimentos. Herdeiro do legado político de seu pai, o ex-governador Aluízio Alves, foi deputado federal por 11 mandatos (1971 – 2015), chegando à presidência da Câmara (2013 a 2015), quando teve a oportunidade de assumir a presidência da República interinamente mais de uma vez. Também foi ministro do Turismo nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer. Nossa conversa foi por telefone, mas justamente naquele dia, 12 de agosto de 2021, Henrique tinha chegado de uma agenda no interior e passado por Angicos e, pela voz, dava para notar certa emoção ao conversar sobre assunto que lhe traz tantas memórias.
Em 63 o senhor já tinha 15 anos. Tem lembranças do que aconteceu em Angicos?
Olha, tenho lembrança e recentemente eu passei o dia em Angicos e foi o episódio certamente mais citado, porque Angicos se tornou um anunciado nacional de muita honra. E quando a gente vê, hoje, as dificuldades ainda em relação à educação brasileira, se lembrar que Aluízio Alves, em 63, já foi buscar Paulo Freire com seu talento, sua genialidade, para fazer alfabetização de adultos de Angicos. A capacidade que Aluízio tinha de enxergar a escola lá adiante e, realmente tinha, eu acho que é um fato que imortalizou a obra dele no Rio Grande do Norte a partir da sua cidade de Angicos. Na época, inclusive, foi a primeira experiência no Brasil de alfabetização de adultos. Para ter uma ideia, só em Angicos foram 300 pessoas alfabetizadas. Eu tive em Angicos e um detalhe curioso me emocionou: três pessoas me procuraram, uma disse que a mãe e o outro diz que o pai tinham sido alfabetizados pelo método Paulo Freire. Então, foi uma coisa realmente que me emocionou muito, relembrar tudo isso que destravou a guerra pela educação e, sobretudo, alfabetizar os adultos e torná-los cidadãos com direito à voz e direito à personalidade.
O sucesso dessa alfabetização teria sido o que motivou os adversários políticos de seu pai a persegui-lo, não só no governo, mas depois da Ditadura?
Eu não quero aqui falar de pessoas que o tratavam assim. É tanto que me lembro aqui e quero aqui recordar, me permita um espaço aí, um parêntese, para mostrar a figura generosa que meu pai era. Acho que talvez tenha sido a sua maior qualidade, essa generosidade. E você sabe que ele e Dinarte Mariz travaram lutas que marcaram gerações, décadas do Rio Grande do Norte, o verde, o vermelho e tal, e eu me lembro muito aqui, acho que é um fato histórico que eu quero te relembrar. Eu estava chegando à Câmara com o meu pai, com Agnelo (Alves) e, ao mesmo tempo, chegava o senador Magalhães Pinto que, mal abriu a porta, viu que a gente estava entrando na Câmara aí disse: “Aluízo, eu tô vindo agora do hospital onde está internado o senador Dinarte Mariz – já naqueles momentos finais da sua vida – e ele disse a mim que queria morrer em paz com Deus e com os homens. Com Deus, Aluízio, isso já está em paz, com os homens só falta você”. Olha que coisa emocionante que eu estou aqui relatando: “Para morrer em paz com os homens só falta você. Então, eu queria lhe pedir vamos lá visitar Dinarte nesse momento que ele tá vivendo”. Meu pai não pensou duas vezes, já se dirigiu ao carro e nós fomos com ele e Magalhães direto pro hospital, onde o senador Mariz estava; Magalhães foi pros corredores, a gente atrás, abriu a porta do quarto, estava Dinarte deitado, no leito do hospital, e aí Magalhães disse: ‘Dinarte, aqui está Aluízio, que faltava’, mais ou menos assim essas palavras. Aí (Aluízio) entrou, Dinarte levantou assim o braço, estendeu a mão, meu pai fez o mesmo, apertaram as mãos e um disse para outro: “Oi, Aluízio”, “Oi, Dinarte”. E foi um gesto incrível que eu nunca mais esqueci, que mostrou ali, neste momento final de um, a generosidade de Aluízio, depois de tudo que passou, tudo que viveu, tudo que sofreu, toda a perseguição, tudo aquilo que falavam pra ele deixava pra trás e pensava sempre na frente, sempre em manter o respeito às pessoas; pessoas erram, acertam, faz parte da vida pública. Essa generosidade de meu pai foi ímpar e nos passou como um caminho, como pegadas a continuar.
Devido a essa ação, que repercutiu internacionalmente, seu pai passa a disputar, em nível de Nordeste, assim como Miguel Arraes, o posto de articulador nacional. Como era a relação dele com o Arraes? O senhor lembra de algum episódio que remete à possibilidade de Aluízio Alves ser candidato à Presidência da República?
Não, não remeto não sei se… mas ele passou a ser um articulador nacional. Para você ter uma ideia, talvez por isso que você citou isso, o relacionamento que ele tinha, digamos com a esquerda, que pensava e pensava coisas boas, taí o exemplo, sem nenhum objetivo eleitoral de tomar o poder, nada disso! Apenas respeitar o pensamento das correntes ideológicas do Brasil, sobretudo no tocante à educação e, talvez, por isso, tenham sido usados pretextos assim pra caçá-lo, pelo perigo que ele representava: o comunismo, a esquerda, Miguel Arraes, em Pernambuco, Aluízio no Rio Grande do Norte, não, nada disso! Meu pai tem essas ideias, ele era um homem que pensava lá adiante! Vou dar aqui exemplos outros: a energia de Paulo Afonso, quando chegou ao Rio Grande do Norte. Coisa extraordinária! As pessoas acendiam a luz e lembravam de Aluízio, que de repente chegava a luz da sua casa, naquela época dos candeeiros, das coisas tão difíceis. Ligou, mais adiante, Telern – Telecomunicações do Rio Grande do Norte – a pessoa pegava o telefone e falava pro mundo. Foi criado o Hotel Reis Magos, quando só tinha o Grande Hotel, lá na Ribeira. De repente, ele abria com essa visão as portas pro turismo. E eu me lembro que a oposição, isso faz parte do jogo político: “ah, é um hotel pros ricos”; nada, ele já via aquilo como uma porta da abertura para o turismo. Foi o melhor hotel do Norte e Nordeste daquela época. E a Cidade da Esperança, outro fato também nesse pacote, digamos assim do bem da Aliança para o Progresso, o primeiro programa de habitação popular do Brasil foi no Rio Grande do Norte, a Cidade da Esperança, daí o seu nome. Você vê quantas coisas inovadoras, criativas dele que foi um talento extraordinário. Desculpe só me alongar um pouquinho, por isso que eu entendo hoje essa força desse homem. É uma força assim, absurda! Ele partiu há quinze anos e é impressionante; em Angicos; eu fui a Mossoró, naquela solenidade da Faculdade Católica. Semana passada a Caicó, Jardim Seridó e é incrível, não tem um lugar que as pessoas não cheguem perto de mim: “ah, seu pai, que saudade de Aluízio!” Quer dizer, todas as pessoas me procuram para relembrar fatos assim que me emocionam muito porque são fatos da história de meu pai como se fosse hoje, contam com uma emoção incrível! Quer dizer, passado todo esse tempo, esse amor, sabe, essa saudade que as pessoas revelam… é um homem extraordinário e Aluízio, acho que o Rio Grande do Norte, hoje, independente de quem foi a oposição e quem era aliado, reconhece a figura dele.
O que teria acontecido com o Rio Grande do Norte se não fosse o Golpe de 1964 e a limitação ao projeto de alfabetização implantado por ele?
Se não fosse o golpe de 64… é o que eu sinto muito hoje na política brasileira, as pessoas não dialogam mais, parece que dialogar deixa as pessoas mal, querem impor sua vontade, seja de um lado, seja de outro. Política não é só a política partidária, política é conversar em casa com seus filhos, é conversar na empresa com os empregados; política é isso, é um ato de conversar, de dialogar, trocar ideias e que vença, se tiver um vencedor, pelo convencimento. Então, o meu pai mostrou isso ao longo dos anos, tanto que em 1965 elegeu o monsenhor Walfredo governador do Estado, outro grande governador e vou dizer mais, talvez o momento mais marcante que eu tive com ele foi quando cassado brutalmente pela Ditadura Militar, em fevereiro de 69, amigos como Gilberto Rodrigues, vereador Antônio Cortez, Zé Martins, pessoa mais próxima aqui de Natal, foram bater no Rio de Janeiro, naquele momento, dizer: “Aluízio, mas isso não pode parar, isso não pode se acabar, coloque seu filho, coloque Henrique pra deputado, um Garibaldi”, e ele naquele receio de que eu viesse a passar daqueles momentos que ele passou, o clima no Brasil era péssimo, falta de liberdade, falta de respeito, falta de dignidade, as pessoas caçadas, torturadas, presas, aquele crime que o Brasil viveu e ele com medo de que eu viesse a viver um momento difícil, mas eu senti e ele não precisou falar, (vi) no olhar dele, que no fundo ele queria que eu quisesse; queria que eu falasse e quando eu percebi isso por um olhar seu – meu pai não era de muito afeto, de muito abraço, ele era seco, como se dizia – mas num olhar ele, como se dissesse: “Meu filho, você quer?”. Aí eu disse: “pai, eu topo, eu acho importante continuar sua luta”. Então ele disse: Então vá, meu filho, pegue uma bandeira verde aí e vá defender o povo do Rio Grande do Norte. Naquele momento em diante eu fui seu seguidor, encontrei a estrada iluminada, aberta pela esperança e procurei fazer o melhor papel e o orgulho que eu tinha quando eu chegava à cidade e ia para um comício: “É o filho de Aluízio”. Na Câmara, quantas vezes diziam: “É o filho de Aluízio”. As pessoas achavam que isso me trazia alguns desagrados, não, isso me orgulhava muito. Ser conhecido como filho de Aluízio. E aí eu fui trilhando, trilhando, cheguei a líder da Câmara, cheguei a presidir a Câmara, cheguei a ministro de estado, mas sempre, sempre com a inspiração dele e hoje, acredito com as bençãos dele, pra continuarmos porque tem muito Rio Grande do Norte pela frente.
*Texto de Paiva Rebouças – Jornal de Fato